17/12/22

"A vida apenas, sem mistificação" (2)




A Assembleia da República aprovou  a semana passada (9-12-2022) a lei que  regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível, conhecida como prática da eutanásia.

Assim sendo, continuo a defender o direito à vida como já aqui  fiz  algumas vezes ("A vida apenas, sem mistificação" e Morrer). 


Como sabemos, há diversas posições sobre o assunto. Hoje refiro uma delas, a de Lucien  Israël, médico oncologista  e não crente, que no livro “Contra a eutanásia” explica porque não podemos aceitar a eutanásia. 

No original, o livro tem o título de “Os perigos da eutanásia”; trata-se de ser contra a eutanásia  mas, mais do que isso, de apontar para os perigos que ela representa.

Um desses perigos é a normalização: convenciona-se que há um grupo de pessoas  que podem ser excluídas da sociedade através da eutanásia e o assunto  passa a ser uma questão normal para a sociedade.

Para Lucien Israël, e cito, é “o desabamento da cultura ocidental... a eutanásia  legalizada representa a rutura do laço simbólico entre gerações: filhos e netos e, doravante, bisnetos – já que vamos tornar-nos uma sociedade a quatro gerações - saberão que podem desembaraçar-se dos idosos. No momento em que esta perspectiva se admitir e se tornar objecto de uma forma de consenso social, os mais jovens não poderão deixar de considerar os mais velhos como objetos para deitar fora.” (p. 98) *

E continua:

“Quanto a mim vejo em tudo isto o reflexo de um enfraquecimento dos laços existentes, não só entre indivíduos mas também entre as gerações e os grupos sociais. Hoje estão em perigo precisamente os valores que tornam  possível a sociedade. Existe algo indizível que é indispensável à coerência de uma sociedade;  revelador deste indizível é o respeito devido  à  vida e a necessidade de estender até ao fim os esforços para prolongá-la.”

Claro que há uma distinção entre obstinação terapêutica que é procurar todos os meios para manter a vida e o encarniçamento terapêutico quando já não há nada a fazer e que é de rejeitar.

 

Critica aquilo que parece ser moda: “o pedido da eutanásia faz parte do politicamente correto, cujo campo de aplicação se vai ampliando cada vez mais. Agora em alguns ambientes, é boa regra pronunciar-se a favor da eutanásia porque ela constituiria um quadro satisfatório na relação com o próximo.” (p. 102)

 

O utilitarismo continua a fazer estragos; porque um ser humano deixou de ser útil e se torna um encargo para a sociedade passa a fazer parte dos descartáveis.

Sabemos os custos económicos que os idosos, e o seu tratamento, quando adoecem, exigem da sociedade; porém ninguém pode aceitar que a eutanásia seja uma solução económica para resolver um problema da sociedade que, no fundo, está por trás daquilo que alguns chamam uma morte digna.


Neste debate, refere Lucien Israël, “Percebe-se uma incrível arrogância e a certeza de que sabem melhor que os outros o que é conveniente para a espécie humana. Consideram que todos os seus adversários estão de má fé e chegam até a pensar que os médicos que rejeitam a eutanásia escondem uma forma de sadismo que deve ser combatida com veemência.” (p. 114)

Para Lucien Israël, médico e não crente, o médico tem não só o dever de não se render à morte mas também deve infundir no seu paciente a esperança, a confiança, a vontade e a força de lutar. Porque existem doenças incuráveis, mas não existem doenças intratáveis.

 


Até para semana.


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* Como diz Michel Houellebecq: «Uma civilização que aceita a eutanásia não merece qualquer respeito». (Le Figaro, 










1 comentário:

  1. Parabéns, Dr. Carlos, pelo teu artigo tão bem elaborado sobre a eutanásia.
    Admira-me como é que ainda há gente a votar a favor da eutanásia! É gente
    irresponsável, sem dignidade e sem humanidade.
    Um abraço.
    Raúl Folgado

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