1. O Parlamento aprovou o decreto de despenalização da morte medicamente assistida que regula as condições especiais em que a antecipação da morte medicamente assistida não é punível.
Não deixa de ser uma coincidência infeliz que os parlamentares tenham escolhido um tempo de pandemia com tão elevado número de mortos e de tanto sofrimento, em que se salvam ou tentam salvar vidas, para legislar sobre a forma de antecipar a morte.
2. O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, enviou o decreto para o Tribunal Constitucional para verificação da constitucionalidade preventiva baseada nos seguintes motivos:
“Considera-se antecipação da morte medicamente assistida não punível a antecipação da morte da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em i) situação de sofrimento intolerável, ii) com lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico ou doença incurável e fatal, iii) quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde."
Para o Presidente, numa matéria tão complexa e controversa, são estes critérios, considerados insuficientemente definidos e claros, excessivamente indeterminados e que levam a insegurança jurídica para que os clínicos possam tomar a decisão e, também, que remeter para a regulamentação futura não resolve o problema da constitucionalidade do actual decreto.
3. o problema do transe da morte, do momento terminal da vida, sempre foi assunto crucial para cada um de nós, para a nossa família e para a sociedade, e sempre será...
Tanto mais que nas últimas décadas, a sociedade adquiriu novas dimensões devido
- ao grande aumento da esperança de vida;
- à necessidade e possibilidade de manter a qualidade de vida das pessoas em todas as fases da vida;
- à fantástica evolução da medicina ter vindo a permitir tratamento para muitas doenças;
- ao aumento do número de pessoas dependentes no final da sua vida devido a doenças muito complexas, como acontece com várias demências: doenças degenerativas, como a doença de Parkinson, doença de Alzheimer; demências vasculares, demências infeciosas, neoplasias, doenças metabólicas, demências carenciais, demências tóxicas, demências traumáticas (por acidentes). (Enciclopédia da Psicologia, p. 405, Oceano)
- a ser um assunto que diz respeito a todas as idades, em que há dependência...
4. Noutro texto fizemos a distinção entre eutanásia, distanásia e ortotanásia.
Ortotanásia significa morte pelo seu processo natural. Trata-se de não antecipar nem prolongar a vida artificialmente e sem sentido. Neste caso, o doente já está em processo natural da morte e recebe uma contribuição do médico para que este estado siga seu curso natural.
Por isso, por estes novos enquadramentos pessoais, familiares e sociais, há necessidade de legislar sobre o assunto, ou seja, sobre a forma de cuidar medicamente das pessoas no período final da sua vida, seja qual for a sua idade.
Há necessidade desde logo de garantir que todas as pessoas, sem excepção, no final da vida, possam ter acesso efectivo, aos cuidados paliativos.
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* De um poema de Carlos Drummond de Andrade: "Os ombros suportam o mundo".
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