Na tentativa de compreender o que se passa connosco e na sociedade, na família e na escola, no trabalho e no desemprego, no consumo e na informação, os investigadores das ciências sociais têm tentado criar conceitos e teorias sobre estas realidades.
A era do vazio (G. Lipovetsky,1983) trouxe-nos a ideia de vivermos numa época caracterizada pelo individualismo. “O direito de o individuo ser absolutamente ele próprio, de fruir ao máximo a vida é inseparável de uma sociedade que erigiu o indivíduo livre em valor principal e não passa de uma última manifestação da ideologia individualista; mas foi a transformação dos estilos de vida associados à revolução do consumo que permitiu este desenvolvimento dos direitos e desejos do individuo, esta mutação na ordem dos valores individualistas".(pág. 9)
A modernidade líquida (Zygmunt Bauman) é “a época actual em que vivemos... É uma época de liquidez, de fluidez, de volatilidade, de incerteza e insegurança. É nesta época que toda a fixidez e todos os referenciais morais da época anterior, denominada pelo autor como modernidade sólida, são retiradas de palco para dar espaço à lógica do agora, do consumo, do gozo e da artificialidade... em que os referenciais que possibilitavam o desenraizamento e reenraizamento do velho no novo são liquefeitos e, assim, perdidos." Quando já não há tais referenciais, "a vida passa a ser entendida como projecto individual". Referências como "a classe, a religião, a família, a nacionalidade, a ideologia política, são transformadas por uma crescente tendência ao consumo, à transformação das relações sociais em mercadoria, portanto, da própria identidade em mercadoria. Isso pode ser visto principalmente no “processo de desregulamentação política, social e econômica que se manifesta na expansão livre dos mercados mundiais, no desengajamento coletivo e esvaziamento do espaço público”. *
A internet (era digital) é o veículo privilegiado da circulação da informação a nível mundial. Mas também o é para esse processo de desregulação. A utilização anónima por toda a espécie de criminosos e vigaristas: do terrorismo à pedofilia, da violência doméstica ao bullying digitais e às falsas informações de governos. “…É assim a Internet: o maior espaço sem lei do Mundo.”
O conceito de pós-verdade** foi alimentado “ pela ascensão das redes sociais como fonte de informação e a crescente desconfiança face aos factos apresentados pelo poder estabelecido". ***
A pós-verdade “parte de um processo inédito provocado essencialmente pela avalanche de informações gerada pelas novas tecnologias de informação." Então “os especialistas em informação enviesada ou distorcida (spin doctors), aproveitaram-se das incertezas e inseguranças provocadas pela quebra dos paradigmas dicotómicos para criar a pós-verdade, ou seja, uma pseudo-verdade apoiada em indícios e convicções, já que os factos tornaram-se demasiado complexos”.
A pós-verdade, ou seja a mentira, terá sempre a perna curta mas, enquanto circula, faz os seus estragos.
O que “vemos, ouvimos e lemos” já não é bem aquilo que “vemos, ouvimos e lemos”. Por isso, cada um de nós deve usar a liberdade por ser responsável e para discernir quando podemos estar a ser enganados... e "não podemos ignorar".
Bom ano de 2017.
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* V. Siqueira, Zygmunt Bauman, a biografia de uma lenda viva; Modernidade Líquida, O Que É? T. O. Fragoso, Modernidade líquida e liberdade consumidora: o pensamento crítico de Zygmunt Bauman
** Depois de a revista “The Economist” a ter utilizado na sua capa de 10 de setembro, e de o “Oxford Dictionary” a considerar palavra do ano de 2016, ‘pós-verdade’ entrou na moda para caracterizar os tempos atuais. Porém, a expressão é antiga. Em 1992, foi utilizada por Steve Tesich, um dramaturgo, num ensaio e, em 2004, Ralph Keyes, um cientista político, escreveu um livro intitulado “A Era da Pós-Verdade”. Se Tesich referia o Watergate, Keyes apontava a segunda guerra do Iraque, motivada pela existência de armas de destruição maciça que nunca existiram. (Henrique Monteiro, Expresso)*** Já temos palavra do ano: 'Pós-verdade'; A era da pós-verdade...
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