07/03/10

Mais actividade menos hiperactividade

      
A caracterização das crianças hiperactivas é feita através das metodologias conhecidas como, por exemplo, as propostas pelo DSM IV (Manual de Diagnóstico e Estatística da Associação Psiquiátrica Americana). Trata-se de uma avaliação clínica e, embora os critérios estejam bem estabelecidos, é muitas vezes sujeita a grande subjectividade avaliativa. Isto é, é feita de acordo com critérios em que apenas um observador classifica a criança. Como é o caso dos alunos das escolas para onde são enviados questionários pelos Centros de Desenvolvimento, integrados nos hospitais, para serem preenchidos pelos professores tendo em vista o diagnóstico respectivo. Sabendo-se que o professor ou o director de turma, o que é mais grave, dado que o aluno tem vários professores que não sustentam sequer a mesma avaliação, pode fazer uma avaliação do aluno mais ou menos favorável, através de uma escala de tipo Lickert, podemos concluir que há um elevado grau de subjectividade na avaliação. Por isso, acredito que muitas crianças rotuladas de hiperactivas não o serão. Posso concluir que este tipo de avaliação não me merece qualquer crédito.

Por outro lado, há também que distinguir hiperactividade de perturbação de comportamento, há que distinguir hiperactividade resultante de desmotivação do aluno na sala de aula como acontece com alguns alunos sobredotados em determinadas áreas de sobredotação, e que são rotulados de hiperactivos ou de alunos com perturbação de comportamento.

Sabemos também que a hiperactividade se atenua ao longo do desenvolvimento, o que significa uma relação com a maturação do sistema nervoso central que, como se sabe, por exemplo, a área da atenção é uma das áreas em que o processo de mielinização é feito até mais tarde. O que acontece, por outro lado, é que foram acontecendo prejuízos ao longo do processo de desenvolvimento. Por exemplo, no estudo catamnésico realizado pelo prof. Emílio Guerra Salgueiro, com crianças instáveis, é assim concluído. O que acontece é que esses prejuízos têm reflexos a nível da integração social, dado que os empregos conseguidos por estes indivíduos, são de menor prestígio social.
Certamente estas crianças podem interagir na sociedade de forma autónoma com maior ou menor equilíbrio, obviamente como todos as outras crianças.
Também não me parece que possamos concluir que estas crianças serão os marginais de amanhã. Há até listagens na Internet de gente famosa, cientistas, músicos, escritores que terão sido crianças com hiperactividade e défice de atenção, o que perspectiva um futuro bem interessante a essas crianças.

Outra situação é quando essas crianças têm outros problemas associados, como por exemplo, défice cognitivo, perturbação de oposição, etc. Mas nesse caso a caracterização da criança deve ser outra.

Pode-se e deve-se trabalhar na escola com estas crianças. No entanto, esse trabalho depende de várias condições que nem sempre são fáceis de conseguir na escola, mas:
- se estas crianças tiverem respostas na escola que lhes permitam desenvolver actividades de autocontrole e redutoras da instabilidade;
- se estas crianças tiverem currículos adaptados, por exemplo, à sua necessidade de se movimentarem o que, certamente, não é o caso se pensarmos em aulas de 90 minutos em disciplinas como a Língua Portuguesa, Inglês ou Matemática;
- se forem aplicadas estratégias e actividades que podem ser definidas para trabalhar com estas crianças, tais como:
• Programas de treino comportamental, em que são usados castigos e recompensas de forma adequada,
• Programas de treino cognitivo-comportamental, modificação de atitudes e estabelecimento de comportamentos alternativos,
• Programas de intervenção educativa para aumentar a atenção e a reflexividade em que se procura reduzir a impulsividade, treino da demora forçada, etc.,
• Programas de treino emocional, compreensão de comportamentos, aumento da auto-estima, melhoria da interacção pais – filho;
• Programas de relaxamento...
Pode-se modificar ou melhorar o comportamento instável do aluno.
Estes são exemplos de estratégias e actividades que podemos aplicar na escola.

Em situações especiais poderá haver indicação para um tratamento médico. Um medicamento que aumenta a capacidade de atenção da criança reduzindo-se, assim, a hiperactividade, é a ritalina . Da minha experiência poderei concluir que há algumas crianças que melhoram significativamente com esta medicação e que permitem um trabalho psicopedagógico, que de outro modo seria quase impossível e insuportável. Não é, no entanto, suficiente de forma a podermos ficar por aí. Pode mesmo ser o caminho mais fácil deixando todos “descansados”: os pais, os professores...

Mas há mais que fazer porque também sabemos que algumas crianças melhoram com treino comportamental, etc. Os programas referidos são fundamentais para a tomada de consciência, a auto-avaliação, da criança que pode, a partir desse ponto, desenvolver formas de autocontrole e de auto-administração de sanções, por exemplo.

Há, também, os mais diversos conselhos para dar aos pais. No entanto, em primeiro lugar, não nos podemos esquecer de que cada caso é um caso e só perante uma criança concreta isso pode ser feito. O que dizer, por exemplo, de uma criança considerada hiperactiva, mas que afinal tinha uma área de sobredotação que não tinha sido detectada e o que precisava não era certamente dessa orientação, mas de estimulação cognitiva que lhe permitisse não se aborrecer na sala de aula com a consequente instabilidade?

Portanto, o que me parece mais importante é, em primeiro lugar, fazer a compreensão do que é a hiperactividade e que podemos continuar a designar por instabilidade psicomotora, que sempre existiu e vai continuar a existir apesar da ritalina ajudar a sossegar a criança e de outras "modas" diagnósticas, que não passam disso mesmo.

Era necessário trabalhar em programas preventivos de forma a que os pais soubessem que há fases do desenvolvimento da criança em que pode nascer a instabilidade. A presença efectiva do pai e da mãe junto do filho pequeno na altura em que se estruturam os primeiros organizadores psíquicos, parece-me fundamental. Esta presença tem que ser equilibrada: nem excessivamente próxima ou intrusiva, nem demasiado distante e até ausente. O pai ou o seu substituto é um elemento que não pode ser dispensado desta relação.

É necessário ter cuidado com as situações de maior conflito no desenvolvimento: a entrada para o jardim-de-infância e para a escola. Uma confiança básica assente numa relação parental estável nestas crises parece ser um bom tónico psicológico para se ultrapassarem com sucesso. Mesmo no caso das famílias monoparentais ou a viverem situações de conflito por divórcio, falecimento de um dos cônjuges ou famílias reconstituídas, é importante que essa confiança permaneça. Quando perceberemos que os nossos filhos e os nossos pais serão sempre nossos? Não se poderiam, por isso, poupar as crianças aos efeitos colaterais das separações, mesmo que necessárias, mesmo que tumultuosas, mas em que as crianças podiam ter um seguro de garantia do amor parenta!?

Não defendo qualquer tipo de currículo alternativo para estas crianças, excepto se há perturbações associadas, como a deficiência mental e em que a hiperactividade também pode aparecer às vezes como queixa principal. Estas crianças devem estar integradas na turma, sendo, em meu entender, o máximo da especificidade, um currículo adaptado, se necessário. Assim a adaptação pode passar por:
• reduzir o tempo de permanência na sala de aula, isto é, o aluno pode desenvolver actividades em diferentes locais da escola, biblioteca, sala de informática, trabalho com professor de apoio.
• Sair da sala de aula dar uma volta pela escola e regressar (desde que garantida a segurança) ...
• Utilizar o treino comportamental: reforço do comportamento incompatível, utilização do princípio de Premack, utilização de esquemas de contingência de reforço...
• Utilizar pedagogia diferenciada dentro da sala de aula, tratando cada aluno de acordo com as suas características. Se o aluno manifesta alguma área de sobredotação deverão ser-lhe propostos actividades de desafio de modo a que se sinta interessado no estudo que está a fazer.

Aos pais compete o acompanhamento dos filhos e sempre que possível integrá-los em actividades de complemento curricular, na escola, ou extra-curriculares, designadamente actividades físicas e desportivas. Esta é uma forma fundamental para resolver também os problemas de hiperactividade que, como se sabe, funciona em termos de ensino cooperativo, desafiando-se a si próprio, confrontando-se com as regras do grupo, aprendendo com os outros mais experientes ou mais competentes.

Numa comunidade mais activa teremos crianças menos hiperactivas.


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