O Presidente da República, na habitual mensagem de Ano Novo, trouxe para o
discurso político e também social e cultural, um tema inusitado: a segurança e
a “coragem de reinventar o futuro”. O Presidente referiu que 2018 tem de ser “o ano dessa reinvenção mais do que mera reconstrução. Reinvenção pela
descoberta desses vários Portugais, esquecidos. E da confiança dos
portugueses nessa segurança”. “Reinvenção da confiança dos portugueses na
sua segurança, que é mais do que estabilidade governativa, finanças sãs,
crescente emprego, rendimentos. É ter a certeza de que, nos momentos críticos,
as missões essenciais do Estado não falham nem se isentam de responsabilidades“. (Mariana de Araújo Barbosa, "Discurso de Ano Novo: Marcelo apela à coragem de reinventar o futuro", ECO)
Como será isso feito? Creio que uma das condições para
que isso aconteça (a reinvenção da confiança nos momentos críticos) deverá ser a mudança a nível da vida pessoal.
Como escrevia Cecília Meireles na poesia “ Reinvenção”: “A vida só é possível/reinventada.”
Reinventar a vida é reencontrar-se
consigo próprio. Cada ser humano tem as suas características próprias e por
isso deverá encontrar as suas próprias formas de se reencontrar.
Ao longo da vida do indivíduo, algumas destas formas
podem ser mais ou menos inconscientes:
Na infância, por exemplo, perante as perturbações graves a que muitas crianças
ficam expostas, na adolescência, no difícil reencontro consigo próprio e na busca
de uma identidade, no sofrimento de um divórcio, no falecimento do pai, da mãe ou
de um filho. Tudo tem que ser sistematicamente reinventado, e para isso o indivíduo tem que se reencontrar consigo próprio.
Alguns aspectos importantes para essa reinvenção.
Antes de mais, encontrar um sentido para a vida é da
maior importância (Victor Frankl). O traço que define a humanidade é a capacidade
de encontrar um sentido na vida”. Para o controverso Erich Fromm, “isso define
também o facto de que sigamos um caminho de alegria e plenitude ou um caminho
de insatisfação e conflito. Fromm acredita que apesar da dor ser inerente à
vida, podemos torná-la suportável dotando-a de significado na procura e na
construção de um eu verdadeiro. O fim último da vida humana seria desenvolver a qualidade mais preciosa de que o homem está dotado: o amor à
vida". (“A principal tarefa do homem é dar à luz a si mesmo”, O livro da psicologia, p. 126)
O homem tem capacidade de amar. “A capacidade de amar é uma capacidade criativa interpessoal que deve desenvolver-se activamente como
parte da própria personalidade” sendo que "o único modo de amar é amar
livremente reconhecendo a plena individualidade do outro respeitando as suas opiniões,
preferências e crenças" (p. 128)
Finalmente, quando se sofre uma perda brutal, as
pessoas ficam agarradas àquele momento, então é importante a capacidade de reinventar
uma vida que parecia estar parada.
As perdas, as feridas profundas sofridas por algumas pessoas, com
consequências traumáticas para a sua vida, não se transformam de um dia para o
outro mas levam tempo a sarar, é um processo feito pouco a pouco, passo a passo.
Uma pseudo-resiliência pode acontecer: "uma
aparência de resiliência que esconde de facto uma rigidez anormal dos
mecanismos psíquicos e um grande sofrimento” (Anne-Claire Thérizols, "Revivre après une épreuve : avec le temps, va, tout s'en va ?", le cercle psy, p. 23)
Marcelo usa a palavra certa: coragem. É, de
facto, necessária coragem para
reinventar o futuro, através da transformação do quotidiano e do
reencontrar-se.
Reencontrar-se é, sem dúvida, o caminho a seguir
para reinventar o futuro. Há muitas maneiras de o fazer e cada um descobrirá a
sua.
Pode ser através da meditação para despertar a
consciência e atenção plena, pode ser a dedicação a um desporto, ou a prática
de actividades de uma universidade sénior,
ou aprender com a natureza, cuidar da
biodiversidade, despertar os sentidos com a agricultura biológica e a vida em
meio natural, viajar, fazer Erasmus ou um ano sabático, encontrar uma
vocação artística ou espiritual, ou descobrir as virtudes da solidão... (J-F Marmion,
“Les vertus de la solitude”, Entretien avec Alain Delourme, le cercle psy, p.46)
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