08/03/18

Dores há muitas...



Na universidade ensinaram-nos que o homem é um ser  biopsicossocial. Com o tempo aprendi que era necessário acrescentar a estes factores que também é um ser cultural e espiritual.
Em relação a qualquer comportamento, também em relação à dor, cada pessoa tem comportamentos diferentes, de acordo com esses factores.  E como dissemos a semana passada, a dor tem sempre uma característica subjectiva. Cada pessoa percepciona e exprime a sua dor influenciada pela sua personalidade, pela sua cultura e pela sua crença religiosa.
Já todos estamos habituados a ouvir dizer os responsáveis pela saúde que as pessoas recorrem indevidamente às urgências e que deviam ser atendidas  noutras estruturas  designadamente os centros de saúde.
De facto, em 2016, os dados do SNS, mostram que quase metade dos casos, 40%, (6,4 milhões de episódios),  foram consideradas falsas urgências (pulseiras verdes, azuis e brancas) e portanto não deviam acabar nos hospitais  Esta percentagem tem-se mantido estável desde 2013 e é na  região de Lisboa e Vale do Tejo que esta realidade tem mais peso, acima dos  45%.
Se é verdade que estes  são os resultados estatísticos, a sua compreensão não deve ser  assim tão linear, e é necessário  perceber o que acontece com o sofrimento das pessoas.
Salvo raríssimas excepções, ninguém iria a uma urgência se não necessitasse  e se não acreditasse que essa é a melhor maneira de responder aos seus problemas de saúde, às suas dores, ao seu mal-estar.
Se os serviços de saúde primários, funcionassem bem,  particularmente em termos preventivos, talvez o panorama se alterasse. Ora sabemos que não é assim.  
Por que será que as pessoas continuam a manter o mesmo comportamento  de recurso às urgências? São culpados de se sentirem doentes?
Será que podemos  considerar razoável  listas de espera intermináveis para uma consulta externa  de especialidade ?
Podemos  considerar razoável que os centros de saúde  tenham “horário de função pública”?
Será razoável a organização e gestão das consultas externas, com todos os doentes presentes  à mesma hora da manhã,  com  consultas muitas horas depois?
Será razoável  a burocracia de que já aqui falamos em relação às baixas médicas e que mostram a desconfiança do  estado nos profissionais de outros subsistemas de saúde?
Será razoável a incapacidade para realizar um sistema expedito, interactivo e humanizado  de marcações de consultas  que hoje os meios tecnológicos permitem? 
Mas, mais importante do que tudo isso, é que se trata de seres humanos em sofrimento  envolvendo as suas características pessoais, sociais, culturais e espirituais que recorrem ao serviço de urgência a pedir ajuda.
Sabemos que ao longo da nossa vida a dor é nossa companheira de viagem. Ela vai aparecer, às vezes inesperadamente, outras vezes vai-se insinuando devagarinho, todos os dias, algumas dores, um sintoma novo, um mal-estar que não compreendemos…
É impossível viver sem emoções, é impossível separar  a mente e o corpo e uma não existe sem o outro. A  interacção entre  o físico e o psíquico constitui uma unidade  inseparável  (A. Damásio)  e  muitas das pessoas que procuram  ajuda na  urgência médica queixam-se sobretudo de problemas de saúde em que os aspectos somáticos e psíquicos se combinam (doenças psicossomáticas).
Não se trata de um aspecto estar a influenciar o outro mas de "uma doença que resulta da interacção de condições somáticas e psicológicas que coexistem numa pessoa em concreto”.
Não é, por isso, tão evidente a decisão de quando se deve recorrer ou não a uma urgência mas quando se pede ajuda é este ser humano concreto que precisa ser ajudado.
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Enciclopédia da Psicologia, Tomo 3, Oceano, 1999. Cap. 20. Compreender e controlar o stress; Cap.21 - A dor. Cap. 22 - As somatizações; Cap. 23 - Estar e ser doente; Cap. 24. Medicina psicossomática.

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