Na universidade ensinaram-nos que
o homem é um ser biopsicossocial. Com o
tempo aprendi que era necessário acrescentar a estes factores que também é
um ser cultural e espiritual.
Em relação a qualquer comportamento,
também em relação à dor, cada pessoa tem comportamentos diferentes, de acordo com
esses factores. E como dissemos a semana
passada, a dor tem sempre uma característica subjectiva. Cada pessoa percepciona e
exprime a sua dor influenciada pela sua personalidade, pela sua cultura e pela
sua crença religiosa.
Já todos estamos habituados a
ouvir dizer os responsáveis pela saúde que as pessoas recorrem indevidamente às
urgências e que deviam ser atendidas
noutras estruturas designadamente
os centros de saúde.
De facto, em 2016, os dados do SNS, mostram que quase metade dos casos, 40%, (6,4 milhões de episódios), foram consideradas falsas urgências (pulseiras verdes, azuis e brancas) e
portanto não deviam acabar nos hospitais Esta percentagem
tem-se mantido estável desde 2013 e é na região de Lisboa e Vale do Tejo que
esta realidade tem mais peso, acima dos
45%.
Se é verdade que estes são os resultados estatísticos, a sua
compreensão não deve ser assim tão
linear, e é necessário perceber o que acontece
com o sofrimento das pessoas.
Salvo raríssimas excepções, ninguém iria a uma urgência se não necessitasse e
se não acreditasse que essa é a melhor maneira de responder aos seus problemas
de saúde, às suas dores, ao seu mal-estar.
Se os serviços de saúde primários,
funcionassem bem, particularmente em
termos preventivos, talvez o panorama se alterasse. Ora sabemos que não é assim.
Por que será que as pessoas
continuam a manter o mesmo comportamento
de recurso às urgências? São culpados de se sentirem doentes?
Será que podemos considerar razoável listas de espera intermináveis para uma consulta externa de especialidade ?
Será que podemos considerar razoável listas de espera intermináveis para uma consulta externa de especialidade ?
Podemos considerar razoável que os centros de saúde tenham “horário de função pública”?
Será razoável a organização e
gestão das consultas externas, com todos os doentes presentes à mesma hora da manhã, com consultas muitas horas depois?
Será razoável a burocracia de que já aqui falamos em relação
às baixas médicas e que mostram a desconfiança do estado nos profissionais de outros subsistemas de saúde?
Será razoável a incapacidade para
realizar um sistema expedito, interactivo e humanizado de marcações de consultas que hoje os meios tecnológicos permitem?
Mas, mais importante do que tudo
isso, é que se trata de seres humanos em
sofrimento envolvendo as suas
características pessoais, sociais, culturais e espirituais que recorrem ao
serviço de urgência a pedir ajuda.
Sabemos que ao longo da nossa
vida a dor é nossa companheira de viagem. Ela vai aparecer, às vezes inesperadamente, outras
vezes vai-se insinuando devagarinho, todos os dias, algumas dores, um sintoma novo, um mal-estar que não compreendemos…
É impossível viver sem emoções, é
impossível separar a mente e o corpo e
uma não existe sem o outro. A interacção
entre o físico e o psíquico constitui uma
unidade inseparável (A. Damásio) e
muitas das pessoas que procuram ajuda na urgência médica queixam-se sobretudo de
problemas de saúde em que os aspectos somáticos e psíquicos se combinam (doenças psicossomáticas).
Não se trata de um aspecto estar
a influenciar o outro mas de "uma doença que resulta da interacção de condições
somáticas e psicológicas que coexistem numa pessoa em concreto”.
Não é, por isso, tão evidente a
decisão de quando se deve recorrer ou não a uma urgência mas quando se pede ajuda é este ser humano concreto que precisa ser ajudado.
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Enciclopédia da Psicologia, Tomo 3, Oceano, 1999. Cap. 20. Compreender e controlar o stress; Cap.21 - A dor. Cap. 22 - As somatizações; Cap. 23 - Estar e ser doente; Cap. 24. Medicina psicossomática.
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