27/10/21

Tempo para bons tratos

  

Daqui



A perspectiva positiva do desenvolvimento psicológico, do direito ao afecto e dos bons tratos que as crianças necessitam, mostra como ainda estamos longe da protecção que  devem merecer, apesar da evolução legislativa, social e cultural.

Ao longo da história, as crianças têm sido vítimas de toda a espécie de maus tratos que vão do infanticídio até às mais vis formas de tráfico humano. A história da infância é um longo caminho de violência contra as crianças (De Mause).

A pedofilia e o incesto fazem parte dessa história de maus tratos mesmo quando  as instituições que  deviam ter um papel de protecção, como a família, igreja e escola, elas próprias foram e são também violentadoras das crianças.

 

Em 2019, a conferência dos bispos de França propôs ao senador Jean-Michel Sauvé criar uma comissão sobre a dimensão do fenómeno dos abusos sexuais. Nascia, assim, a Comissão independente sobre os abusos sexuais na Igreja (Ciase). (1)

Após dois anos e meio de trabalho, a Comissão publicou  o relatório em que foram investigados os casos de abuso ao longo de um  período de 70 anos, entre 1950 – 2020.

Os resultados (2) são uma estimativa baseada no censo e na análise dos arquivos (Igreja, justiça, polícia judiciária e imprensa) e nos testemunhos recebidos pela Comissão.

Esta estimativa refere números assustadores. Em França, houve entre 2.900 e 3.200 padres ou religiosos da Igreja Católica que cometeram crimes de abuso sexual (pedofilia), durante este período de 70 anos.

Refere o relatório que foram abusadas um total de 216 mil pessoas (com uma margem de erro de 50 mil). Se forem incluídas as agressões cometidas por leigos esta estimativa sobe para 330 mil pessoas.

Infelizmente os números dos abusos sexuais são ainda mais perturbadores se pensarmos que, em toda a sociedade francesa, cinco milhões e meio de pessoas (14,5% das mulheres e 6,4% dos homens) haviam sofrido violência sexual antes dos 18 anos de idade. 

As famílias e amigos ainda são os principais contextos dos abusos, mas a prevalência de agressões na Igreja católica continua alta, mesmo em tempos recentes.


Chocante é também a indiferença com que estes casos foram olhados não só dentro da Igreja mas na sociedade. A pergunta é: como foi possível? Certamente teve que haver muita gente a olhar para o lado para que as coisas fossem acontecendo sem serem denunciadas. Mesmo que a denúncia envolva complexidade, sofrimento, e medo e, por isso, tenda a ser protelada, é difícil compreender como foi possível silenciar os abusos durante tanto tempo.

 

A iniciativa tomada pela Igreja relativamente a este assunto é também de salientar, no sentido de terminar os abusos mas também de prevenir e proteger as crianças desta forma de violência. 

O século XX foi considerado a “era da criança” (3). É, por isso, tempo de parar os abusos e a violência contra as crianças. Mas se não é possível pôr termo à maldade humana, é preciso que toda a sociedade não fique indiferente à "dor invisível" das crianças abusadas (Barudy). Elas merecem um  tempo novo na sua história, o tempo dos bons tratos.

 

 Até para a semana.


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(1) Prisca Borrel, "Église et pédophilie: oser témoigner", Le cercle Psy, nº 35, pags 74-75

(2) São os resultados referidos pela comunicação social, p. ex. em: O pesar do Papa pelo Relatório sobre os abusos na Igreja na França.

(3) A Origem dos Maus-Tratos: Revisão Sobre a Evolução Histórica das Perceções de Criança e Maus-Tratos.







 

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