02/11/22

A Cimeira sobre a protecção das crianças





De 21 a 24 de Fevereiro de 2019 realizou-se no Vaticano a Cimeira sobre A protecção dos menores na Igreja. Juntamente com a publicação da Carta Apostólica Vos estis lux mundi (Vos sois a luz do mundo) deu-se início a uma nova visão e acção do papel da Igreja na protecção das crianças e pessoas vulneráveis. O Papa Francisco continuou pelo caminho difícil mas certo do seu antecessor, Bento XVI, (Luz do mundo): o caminho das respostas a este problema dando relevo à responsabilidade, responsabilização e transparência no que se refere à posição da Igreja relativamente aos abusos sexuais e à gravidade que representam.

Desta forma, foi ao encontro da história quando, na segunda metade do século passado, Instituições como a ONU criaram o quadro normativo da protecção da infância.
Foi também neste período que a investigação, designadamente no campo da psicologia, veio mostrar a importância das relações afectivas entre adultos e crianças e a necessidade urgente da prática de bons tratos devidos às crianças.

Bento XVI e Francisco compreenderam profundamente o problema. E foi com grande coragem que o encararam não temendo as vozes críticas e discordantes ou mesmo as consequências que a sua posição pudesse ter para os católicos e para a Igreja.
As críticas e a discussão têm-se centrado na desvalorização do tema, intencional ou não, e no medo das consequências:
Há quem ache que “se abriu a caixa de Pandora”...  A alternativa seria o silêncio e o encobrimento que sem dúvida seria, esse sim, mais grave para a credibilidade que a Igreja tem na sociedade actual e deve continuar a ter.
Há quem ache que “são muitos casos” ou "não são muitos casos" relativamente, por ex., ao número de casos dentro da família ou relativamente ao número de casos de outras instituições ou a outros países.
Nesta matéria a leitura estatística é sempre insuficiente. É por isso que mesmo que toda a gente saiba o que quis dizer o presidente Marcelo nem por isso deixou de ser contestado e bem por aquilo que disse. Podemos fazer todas as comparações estatísticas com outros países (Irlanda, Estados Unidos, França...) que não deixa de ser profundamente lamentável o que se passou. Não há palavras nem desculpas, nem justificações, nem vitimizações que possam ter mais relevo do que o sofrimento infligido às vítimas.
Como refere Bento XVI, o mal existia dentro da Igreja e no meio do trigo havia joio, como Jesus disse, e, para quem é bem intencionado, não se pode confundir a nuvem com Juno mas nada há que possa desculpar qualquer abuso ou encobrimento.
Pode haver quem ache que "era outro tempo". Conhecemos a história da infância. Os maus tratos de crianças eram aceites ou tolerados ou eram tabu, todos sabiam da sua existência mas ninguém falava deles. 
Mas o problema é dos dias de hoje: Segundo o RASI (Relatório anual de segurança interna 2021) 53,1% dos crimes de abuso sexual aconteceram em contexto familiar.
Independentemente do número de casos, acontece que toda a investigação nos informa do problema devastador que causa nas vítimas e se tornou intolerável na sociedade actual.
Esta situação é ainda mais aviltante para as vítimas que onde esperavam segurança e afecto obtiveram abuso e uma vida de sofrimento. É este o problema: “quando o sal se tornar insípido com que se salgará?” (Mateus 5:13)

Este é tempo de bons tratos e de prevenção.
Bento XVI e Francisco são exemplo não apenas para a Igreja Católica mas, em meu entender, para o mundo, e seria importante para as crianças se outras instituições criassem os seus próprios mecanismos de protecção da infância porque nesta área ninguém deve assobiar para o lado, a começar pelas famílias.

Até para a semana

 

 




30/10/22

Uma entrevista de M. Seligman e de como deixar de perguntar: "o que há para o jantar ?"


...

Comment la psychologie positive transforme-t-elle le lien social ?
Martin Seligman: Voici un exemple. Ma femme Mandy, qui fait beaucoup de photos, a gagné le premier prix du magazine Black and White. Qu’aurais-je dû dire à Mandy, selon vous ?

« Bravo ! » ? 

Martin Seligman: C’est ce que j’aurais dit autrefois. C’est typique de la relation passive-constructive. Mais cela n’aurait eu aucun effet sur notre lien. J’ai entraîné des jeunes sergents dans l’armée, à qui j’ai posé la même question, et leur réponse était de type actif-déconstructif: «Tu sais qu’avec ce prix on va payer plus d’impôts?» Ça tue l’échange. Il y a aussi la réaction passive-destructive: « Qu’y a-t-il pour le dîner ?» Ce qui fonctionne, c’est la relation active-constructive. Quand le rédacteur en chef a appelé, j’ai demandé à Mandy: «Qu’a-t-il dit à propos des qualités de ta photo ? Tu étais en compétition avec des professionnels. Tu as donc des compétences particulières. Pourrais-tu en faire profiter nos enfants ?» Nous avons alors eu une longue conversation à la place des banales félicitations. Nous nous portons mieux en agissant ainsi. Ce n’est pas la psychanalyse ou les médicaments qui nous permettent de déployer ces compétences. Faites l’expérience avec votre mari ou votre femme. C’est bien plus que du développement personnel. 

Que pensez-vous de l’essor de la méditation de pleine conscience ? 

Martin Seligman: Je pratique la méditation depuis vingt ans. C’est une bonne pratique pour la santé psychique. Mais c’est une petite chose. Je recommande la méditation aux patients souffrant d’anxiété ou d’hypertension, mais pas à ceux qui sont atteints de dépression, car la méditation fait baisser l’énergie. 

Que proposez-vous à une personne dépressive ? 

Martin Seligman: Je crois qu’il y a trois traitements efficaces: les thérapies cognitives, les thérapies interpersonnelles et les médicaments. Eh bien, la psychothérapie positive fonctionne bien. Elle permet au patient de s’appuyer sur ses ressources et d’envisager l’avenir. 

Et quelle est l’efficacité de la psychologie positive dans les cas de traumatismes ? 

Martin Seligman: Les études portant sur le stress post-traumatique semblent indiquer que les traitements sont peu efficaces. D’après ce que nous voyons dans l’armée, la psychologie positive l’est en tant qu’outil de prévention, en particulier pour les soldats qui vont sur les zones de combat. Mais à leur retour, c’est difficile. Je crois qu’aucune forme de psychologie ne peut soigner le stress post-traumatique. La psychologie positive n’est pas une panacée.
...

21/10/22

Com a energia de Whitman


O MEU 71º ANIVERSÁRIO

Depois de ter transposto três vintenas e mais dez anos,
Com todas as suas oportunidades, variações, prejuízos e dores,
As mortes dos meus pais, os devaneios da minha vida, as minhas
            muitas paixões dilacerantes, a guerra de 63 e 64,
Como um velho soldado inutilizado, após uma longa marcha
            violenta e esgotante, ou talvez após um combate,
Hoje, ao crepúsculo, a coxear, respondo com voz enérgica à
            chamada da companhia: Pronto!
Para me apresentar ainda, e ainda saudar o oficial acima de tudo.


Walt Whitman




19/10/22

Abusos sexuais





A história da infância é um longo caminho de sofrimento das crianças.  

Tendo em vista a protecção da infância, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou, em 1959, a Declaração dos Direitos da Criança. Trinta anos depois, em 1989, foi adoptada a Convenção sobre os Direitos da Criança. 

 

Porém, um pouco por todo o lado, surgem notícias sobre  abusos de crianças  como está a acontecer com a Igreja Católica.

Depois da publicação da Carta apostólica “Vos estis lux mundi”, do Papa Francisco, em alguns países foram criadas Comissões de Protecção de Menores e Pessoas Vulneráveis.


Foram também criadas comissões independentes para a avaliarem os abusos cometidos no passado. Em Portugal, foi criada pela Conferência Episcopal Portuguesa a Comissão Independente para o Estudo dos Abusos de Menores na Igreja (CIEAMI) para  apurar casos que tenham acontecido nos últimos setenta anos.  O trabalho da Comissão Independente termina em Janeiro de 2023. No entanto, foram apresentados os resultados provisóriosUm total de 424 testemunhos de abusos sexuais cometidos sobre menores por membros da Igreja Católica portuguesa foram validados, até agora, pela Comissão independente.

Estes resultados vieram mostrar, também em Portugal, a falha dentro da Igreja na protecção das crianças. Perante este vendaval, o que pensar?


Bento XVI, já em 2010, avaliava estes resultados  no livro-entrevista Luz do Mundo - O Papa, a Igreja e os Sinais dos Tempos - uma conversa com Peter Seewald. 

Pergunta Seewald: ...Como de um abismo profundo, surgiram do passado inúmeros e inacreditáveis casos de abusos sexuais cometidos por padres e religiosos. As nuvens ensombram também a Santa Sé. Já ninguém fala da instância moral para o mundo que normalmente se reconhece ser um Papa. Qual é a dimensão desta crise? Trata-se mesmo, como tivemos oportunidade de ler, de uma das maiores crises na História da Igreja?

- “Sim, é uma grande crise, temos de admiti-lo. Foi perturbadora para todos nós. De súbito, tanta sujidade! Foi realmente quase como uma cratera vulcânica da qual tivesse sido expulsa de repente uma enorme nuvem de sujidade que tudo escureceu e conspurcou, de modo a que, de entre todas as coisas, o sacerdócio parecesse subitamente um local vergonhoso e que todos os padres ficassem sob  a suspeita de o serem também. Muitos sacerdotes confessaram  já não se atrever sequer a dar a mão a uma criança, quanto mais a organizar um campo de férias com crianças.” (p. 33-34)

E sobre a comunicação social diz Bento XVI:

- “Não foi possível deixar de reparar que subjacente a esse esclarecimento por parte da imprensa, estavam não só a vontade pura de obter a verdade, mas também uma alegria em comprometer e em desacreditar o mais possível a Igreja. Independentemente disso, tem porém de ficar sempre claro que, sendo verdade, devemos estar agradecidos por cada esclarecimento. A verdade, associada ao amor correctamente entendido, é o valor número um. E, por fim, os meios de comunicação social não teriam podido falar como falaram se na própria Igreja não houvesse o mal. Só porque o mal estava na Igreja é que outros puderam utilizá-lo contra ela.” (p. 36-37)

Não vale a pena usar o processo de vitimização. Nesta história dos abusos as vítimas são outras.



Até para a semana.







14/10/22

Respeitar os professores...


Ouvimos dizer que a escola já não é como era. Antes havia disciplina e os professores eram respeitados.(1) De facto, parece haver um “sentimento geral” de que se perdeu o respeito pela autoridade que havia em relação a várias instituições políticas, sociais, religiosas. Parece que este fenómeno é particularmente notado nas escolas e em relação aos professores.

Cada um de nós tem conhecimento de agressões a professores, feitas por alunos e pais, que são notícia nos meios de comunicação social, o que significa que são suficientemente graves para merecerem essa referência. 


Era interessante saber: qual a dimensão destas atitudes e comportamentos  para com os professores? Quem desrespeita quem: são os alunos, os pais, a comunidade? 

Em 2020, "os números mostram que todas as semanas alguém foi agredido ou ameaçado de morte. Mas tanto professores como polícia garantem que existem muitos mais casos que ficam dentro dos muros das escolas, sem nunca serem esquecidos pelas vítimas. "Muitos preferem remeter-se ao silêncio para não colocar a imagem da escola em causa". 

Se virmos o que dizem alguns sindicatos de professores, parece que quem desrespeita mais os professores é o ministério da educação. Ou seja a autoridade dos professores é posta em causa pelo poder quando não cria as condições para que a função docente seja exercida nas condições que evitem a falta de respeito aos  professores e a outros funcionários da escola.

 

Mas o desrespeito pelo poder e pela autoridade vem também dos alunos como aconteceu com o slogan “não pagamos“ e a “geração rasca”. Ou era apenas irreverência da juventude?


De facto, podemos dizer que a escola e os professores têm vindo a perder status *. Interessa, por isso, saber a que se poderá dever esta situação. Onde começou esta mudança profunda de desrespeito da autoridade dos professores na escola e na sociedade.

 

A degradação da autoridade tem vindo a acontecer a partir de uma das  perversidades saídas do Maio 68, em França. Um dos slogans, “Proibido proibir”, foi o mote que levou a questionar toda a autoridade e não só o poder. 

Vargas Llosa, em  A Civilização do Espectáculo, refere: “Pelo menos no campo do ensino, a partir de 1968 a autoridade castradora dos instintos libertários dos jovens voara em pedaços.” Mas, por outro lado, o Maio 68 vem dar “legitimidade e glamour à ideia de que toda autoridade é suspeita, perniciosa e desdenhável e que o ideal libertário mais nobre é desconhecê-la, negá-la e destruí-la” (p. 79)

 

E escreve Vargas Lhosa: “Em nenhum campo isto foi tão catastrófico para a cultura como na educação. O professor, despojado de credibilidade e autoridade, convertido em muitos casos, na perspetiva progressista, em representante do poder repressivo, isto é, no inimigo a quem para alcançar a liberdade e dignidade humana era preciso resistir e até abater não só perdeu a confiança e respeito sem os quais era impossível cumprir eficazmente a sua função de educador - de transmissor tanto de valores como de conhecimentos -  perante os seus alunos,   como também os dos próprios pais de família e de filósofos revolucionários..." (p. 80) 

Porém, o poder não se viu afectado minimamente. Pelo contrário. (3)

 


_________________________

 

(1) Podemos questionar o que quer dizer "respeito". O  respeito é um sentimento positivo em relação a outra pessoa ou em relação a si próprio. Respeito é mais do que tolerância. Respeito é  concordar, incentivar, respeito implica inclusão, empatia, honestidade, cumprir as promessas que se fazem, escutar com atenção, colocar-se no lugar do outro, cumprir as leis do país em que se vive...

Isto aplica-se a todos os adultos em relação às crianças, os pais em relação aos filhos, os superiores hierárquicos em relação aos subordinados e vice-versa...

Segundo Alain de Botton "As consequências de um status elevado são aprazíveis. Incluem recursos, liberdade, espaço, conforto, tempo e porventura mais importante o facto de sentirmos que somos objeto de afecto e estima por parte dos outros através de convites lisonjas, risos mesmo quando as piadas não são boas deferência e atenção o status elevado é considerado por muitos como um dos mais preciosos bens terrenos.

Por outro lado, "Angústia de Status" é "A preocupação perniciosa a ponto arruinar boa parte das nossas vidas, com o risco de não conseguirmos conformar-nos aos ideais de sucesso instituídos pela sociedade envolvente e de podermos, por conseguinte, ser despojados da nossa dignidade e respeito. A preocupação pelo facto de nos acharmos num patamar demasiado modesto ou de estarmos prestes a cair para um degrau mais abaixo." (Alain de Botton, Status ansiedade, Publicações D. Quixote, 2005)

(2) Índice Global de Status de Professores da Fundação Varkey (2018). "Os dados do estudo "sugerem que há uma correlação entre o status concedido aos professores e os resultados dos alunos do seu país. Em outras palavras, um alto status de professor não é apenas “bom de se ter” – aumentar o status de professor pode melhorar diretamente o desempenho dos alunos de um país. Os governos devem levar a sério o status de professor e fazer esforços para melhorá-lo." (p.11)

"O estudo conclui que a classificação média de respeito para um professor nos 35 países foi a 7ª de 14 profissões, indicativa de uma classificação de respeito intermédia para a profissão." (p 13)

(3) "Basta recordar que nas primeiras eleições realizadas em França depois do Maio 68, a direita gaulista obteve uma vitória categórica." (p.80)




04/10/22

A civilização do espectáculo




 

O que é a civilização espectáculo? “A de um mundo onde em primeiro lugar na tabela de valores vigente é ocupado pelo entretenimento e onde divertir-.se, fugir ao aborrecimento é paixão universal. Este ideal de vida é perfeitamente legítimo, sem dúvida... Mas converter esta propensão natural para passar uns bons momentos num valor supremo tem consequências inesperadas: a banalização da cultura, a generalização da frivolidade e, no campo da informação, que prolifere o jornalismo irresponsável da bisbilhotice e do escândalo.”

Esta definição é de Mario Vargas Llosa que escreveu o ensaio A civilização do Espetáculo. (1) 

Embora a primeira edição seja de 2012, dez anos depois, está bem para este tempo em que se tem acentuado a propensão social para este tipo de vivências.

 

De facto, "o bem-estar, a liberdade de costumes, e o espaço ocupado pelo ócio no mundo desenvolvido constituíram um estímulo notável para que se multiplicassem as indústrias de diversão promovidas pela publicidade, mãe e mestra mágica do nosso tempo” (p. 32)

Outro factor importante tem sido a democratização da cultura feita “através de educação mas também da promoção e da subvenção das artes, das letras e restantes manifestações culturais.” (p. 33) O que aconteceu foi que através desta expansão ficou em questão a qualidade.

 

Na civilização do espectáculo tudo se equivale: seja um concerto de música clássica ou uma festa popular, tudo é light, ligeiro: literatura, cinema , arte ... dá impressão ao leitor e ao espectador de ser culto, moderno, de estar na vanguarda e ter humor. “Na civilização do espectáculo, o cómico é o rei.“ (p. 41)

Juntamente com a frivolidade, a massificação é outra característica tal como acontece nos jogos de  futebol ou nos espectáculos de música.

Estamos a assistir a acontecimentos altamente  violentos no futebol como aconteceu recentemente na Indonésia. 

Também não deixa de ser preocupante o que aconteceu recentemente nos estádios portugueses em que  a violência contra  adeptos de outros clubes parece ser coisa normal e o mais estranho é a violência exercida contra crianças que assistem ao desafio com  camisola de outro clube...

 

Na política, procura-se o apoio de intelectuais, desportistas, humoristas, as estrelas da televisão através de testemunhos e abaixo-assinados destas personalidades... 

Há-os para para todos os gostos, e estão  disponíveis, igualmente, para apoiar políticos de todos os quadrantes... 

Acontece que são quase sempre esses intelectuais dominados pela cegueira e pelo silêncio que permitem horrores como os que aconteceram e estão a acontecer durante as guerras.

 

A civilização do espectáculo manifesta-se em todas as áreas culturais: literatura, cinema, artes plásticas, música, política, sexo, jornalismo...

Caberá também a estas áreas da cultura contribuir para que se mude o entretenimento passageiro, fútil, ocioso, noutra coisa que seja a compreensão de que “a vida não é só diversão também é drama, dor, mistério e frustração.” (p. 54 )

O retorno da capacidade crítica destas várias manifestações da cultura será muito importante para  um regresso (que  será verdadeiro progresso) a uma cultura que sendo para todos não deixará de ser exigente  e de alto nível.

 

Até para a semana.

 


__________________

 (1) Lhosa, Mario Vargas, (2012), A Civilização do Espetáculo, Quetzal.










29/09/22

A primeira vez: a entrada na escola (2)



  

A entrada na escola bem sucedida depende essencialmente de dois factores: os pais e os professores. Comecei por falar do impacto que a entrada dos filhos na escola tem para as famílias. Não se pode deixar de reconhecer o outro lado fundamental deste processo inicial: os professores.
Obviamente, as diversas estruturas da escola e o sistema educativo têm impacto na vivência desta crise de forma adaptativa ou não.

A escola é um mundo real onde convivem pessoas concretas, adultos e crianças, professores e alunos, cada uma com a sua visão, diferente da escola real, cada uma com a sua escola imaginária. A nossa escola ideal é, também, um processo inconsciente, faz parte dos desejos e das expectativas, das esperanças e dos sonhos dos pais, das crianças e dos professores.
Umas vezes a escola responde de forma adaptativa a este processo outras vezes nem por isso (1) e esbarra com a realidade concreta de cada criança e a realidade concreta de cada professor.
De facto, a escola forma para os valores humanos como é expresso no projecto educativo de qualquer escola ou agrupamento de escolas. Mas também pode ser ou é um lugar de aprendizagens outras que não conduzem ao caminho previsto pela sociedade para o processo educativo e ou ser origem de problemas e de stress para a criança e sua família.
O futuro educativo ou simplesmente o futuro de uma criança depende muito da forma como este momento crítico é assumido pelos professores. 

Da minha experiência no Serviço de Psicologia e Orientação (SPO), em inúmeras reuniões com professores ou de Conselho de Turma, concluí que a turma (1º ciclo) e o conselho de turma constitui o core de todo o sistema educativo e, portanto, o papel exercido pelos professores é decisivo no processo educativo de cada aluno.
É, por isso, que a gestão da turma é um trabalho árduo, personalizado, principalmente em momentos críticos como a análise da primeira abordagem dos alunos da turma ou em momentos de avaliação qualitativa (compreensiva).
O trabalho da maioria dos professores é sem dúvida intenso e de grande responsabilidade, exige competência técnica, empenho, motivação, capacidade de liderança, cooperação, inteligência emocional, honestidade (2) ... (Claro que, como em todas as organizações, há professores desmotivados e em burnout).

No início do ano lectivo, a inclusão de cada aluno na escola exige estar atento às diferenças que uma vez identificadas e valorizadas permitam a prática de metodologias e estratégias como a necessidade de educação especial, definição das capacidades e fragilidades, da maturidade e precocidade excepcional. 
Desta forma serão ultrapassadas as dificuldades e adquiridas competências comuns a todos os alunos, ou específicas, desenvolvendo-as até onde for possível quando adaptativas.
Para crianças diferentes poderão ser necessários métodos e estratégias diferentes e aqui ganha relevo a metodologia UDL (Desenho Universal para a Aprendizagem). (3)
Como já aqui escrevi “a educação é o professor. É a mudança que falta fazer."
Volto hoje a dizer: investir nos professores é o melhor seguro para o futuro de uma criança, o mesmo é dizer de um país.


Até para a semana.


_________________________

(1) Pennac, Daniel, (2009), Mágoas da Escola, Porto Editora

(2) McCourt, Frank, (2005), O Professor, Ed. Presença

(3) Rose, David e Meyer, Anne, (2002), Teaching Every Student in the Digital Age, Universal Design for Learning, ASCD




15/09/22

A primeira vez: a entrada na escola


M. (6;3) - Pré-escrita. *

(Dois pedidos para o jantar)




Como costumamos dizer há sempre uma primeira vez para tudo. A entrada na escola é a primeira vez de muitas outras que se seguirão. É talvez, no nosso percurso escolar, a primeira vez mais importante que fica na nossa memória.

A minha ficou e lembro-me de que no primeiro dia fui com minha mãe que me apresentou e me entregou à responsabilidade do Sr. professor António Mendes...

e lembro-me de como foi difícil esse primeiro dia apesar de conhecer todas as crianças que entraram naquele ano e naquela sala, da escola dos rapazes.

 

Para os pais a situação não é mais fácil. Fui percebendo, como pai, e agora como avô, como é difícil a separação destes pequenos grandes homens e mulheres de 6 anos, que ingressam no 1º ano.

O 1º ano do 1º ciclo é a primeira grande separação das crianças dos seus pais. 

Como já aqui e aqui escrevi: “O primeiro dia de escola é para a criança um acontecimento importante caracterizado objectivamente pela separação da família e pelo encontro com um novo mundo. É também importante pelas expectativas que lhe foram criadas pelos adultos e pelas outras crianças."

 

Verifico com curiosidade que o governo, ao anunciar algumas medidas para fazer face à crise económica e social actual, usou o lema : “Famílias primeiro”.

Seria motivo suficiente para apoiar incondicionalmente não fosse, como de costume, a suspeita de que se trata apenas de retórica.

As famílias – que para o serem tem que haver uma criança no agregado - deviam, de facto, estar em primeiro lugar, porque ao olhar para elas não podemos deixar de ficar impressionados com as suas fragilidades em contraste com as exigências que são feitas a pais e filhos para frequentarem a escola.

 

A entrada na escola é uma das situações críticas da vida familiar. A família enquanto organização dinâmica sofre mudanças permanentemente, mudanças que são crises normativas como as que já sabemos que vão ocorrer   ou não-normativas se forem imprevisíveis, acidentais e inesperadas.

Podem ainda ser mistas quando ocorrem crises acidentais ao mesmo tempo de crises previsíveis.

Todos os pais conhecem esta crise previsível: a dificuldade de escolha da escola que consideram mais adequada para os seus filhos, pública, particular, social, e das características que oferece: qual o projecto educativo, número de alunos, número de alunos por sala, os horários das aulas, os intervalos, as actividades, os transportes, quem são os professores, os preços...

Depois vem a preparação necessária: os materiais, livros,  a roupa, a farda, os transportes, as refeições, ir levar e buscar... e conjugar tudo com os horários e trabalho dos pais. 

Para que tudo funcione é necessário haver uma rede de confiança nos outros intervenientes para poderem ir trabalhar com alguma tranquilidade e, mesmo assim, com todas as preocupações. É que no mundo e nas comunidades a confiança e segurança não melhorou. Pelo contrário...

Por isso, nada pode ser deixado ao acaso, tudo tem que ser conjugado e articulado com os vários intervenientes que devem ser competentes no seu ofício e cuja personalidade mereça confiança...

 

Finalmente, para as crianças começa esta grande aventura... E os seus pais são os grandes heróis desta etapa da vida familiar por conseguirem ultrapassar esta crise repleta de todos estes problemas e porque, mesmo sabendo de tudo isto e  de todos estas dificuldades, há pais que querem continuar a ter filhos e a amá-los acima de todas as coisas.


_______________

* A pré-escrita é uma etapa do desenvolvimento da expressão gráfica da criança. É, entre outros procedimentos, uma boa indicação de que atingiu a maturidade  necessária para iniciar as aprendizagens escolares.








05/09/22

Felizmente, o mundo continua a parar...

"Love is a many splendored thing" ( 1955)
Realizador:  Henry King.  Com William Holden and Jennifer Jones.
Canção tema: Matt Monro
Roteiro de John Patrick do livro de Han Suyin (1952). 
A canção tema  foi gravada pelo grupo The Four Aces

 

Love is a Many Splendored Thing 


O amor é uma coisa muito esplendorosa Love is a many splendored thing É a rosa de Abril que só cresce no início da Primavera It's the April rose that only grows in the early Spring O amor é a maneira da natureza dar uma razão para viver Love is nature's way of giving a reason to be living A coroa de ouro que faz de um homem um rei The golden crown that makes a man a king Uma vez numa colina alta e ventosa, na névoa da manhã Once on a high and windy hill, In the morning mist Dois amantes  beijaram-se e o mundo parou Two lovers kissed and the world stood still Então seus dedos tocaram o meu coração silencioso e  ensinaram-no a cantar Then your fingers touched my silent heart and taught it how to sing  
Compositores: Paul Webster / Sammy Fain
 

01/09/22

Tempo de diálogo e esperança


Gorbatchov,  2 de Março de 1931 - 30 de Agosto de 2022.

"Escrevi este livro porque acredito no senso comum de toda a gente. Estou convencido de que as pessoas, tal como me acontece, se preocupam com o futuro do nosso planeta. E este é o assunto mais importante.
Devemos encontrar-nos e discutir. Devemos tentar resolver os problemas com espírito de cooperação em vez de com animosidade. Compreendo que nem todos concordarão comigo. Na verdade, nem eu concordo com tudo quanto outros, em diversas ocasiões, dizem. Isto significa que o mais relevante é o diálogo. O meu livro é uma contribuição para isso." (Perestroika, p.17)

Um homem extraordinário, como tentei dizer em: MurosRevoluções, guerras e pessoas; Tempo de esperança. 

Erros? Claro. Releio uma crónica de J. Pacheco Pereira ("Gorbatchov e a Rússia", Vai Pensamento, 2002): 
"É por isso que convém não confundir o papel que objectivamente Gorbatchov teve para acabar com o comunismo e a URSS, com as suas ideias presentes sobre a Rússia, o seu antiamericanismo larvar, o seu apoio a Putin e à guerra da Chechénia. O crescente isolacionismo da política russa que encontrou também uma voz em Gorbatchov. - "não nos dêem lições", "nós é que sabemos do nosso país e da sua complexidade" - funciona como argumento de autoridade para que não haja discussão. Discussão é aliás coisa com que Gorbatchov convive mal, ele que foi educado a ensinar e a debitar a "linha" política, e que tem muitos tiques autoritários da velha política russa. Gorbatchov pode ser um "herói" dos nossos dias como lhe chamou António Barreto mas convinha não assinar de cruz as suas políticas ou as suas opiniões." (p. 242-243)

Para um homem condicionado pela educação do "homem novo", temos de convir que foi um homem extraordinário que originou um tempo de diálogo e de esperança.