29/09/22

A primeira vez: a entrada na escola (2)



  

A entrada na escola bem sucedida depende essencialmente de dois factores: os pais e os professores. Comecei por falar do impacto que a entrada dos filhos na escola tem para as famílias. Não se pode deixar de reconhecer o outro lado fundamental deste processo inicial: os professores.
Obviamente, as diversas estruturas da escola e o sistema educativo têm impacto na vivência desta crise de forma adaptativa ou não.

A escola é um mundo real onde convivem pessoas concretas, adultos e crianças, professores e alunos, cada uma com a sua visão, diferente da escola real, cada uma com a sua escola imaginária. A nossa escola ideal é, também, um processo inconsciente, faz parte dos desejos e das expectativas, das esperanças e dos sonhos dos pais, das crianças e dos professores.
Umas vezes a escola responde de forma adaptativa a este processo outras vezes nem por isso (1) e esbarra com a realidade concreta de cada criança e a realidade concreta de cada professor.
De facto, a escola forma para os valores humanos como é expresso no projecto educativo de qualquer escola ou agrupamento de escolas. Mas também pode ser ou é um lugar de aprendizagens outras que não conduzem ao caminho previsto pela sociedade para o processo educativo e ou ser origem de problemas e de stress para a criança e sua família.
O futuro educativo ou simplesmente o futuro de uma criança depende muito da forma como este momento crítico é assumido pelos professores. 

Da minha experiência no Serviço de Psicologia e Orientação (SPO), em inúmeras reuniões com professores ou de Conselho de Turma, concluí que a turma (1º ciclo) e o conselho de turma constitui o core de todo o sistema educativo e, portanto, o papel exercido pelos professores é decisivo no processo educativo de cada aluno.
É, por isso, que a gestão da turma é um trabalho árduo, personalizado, principalmente em momentos críticos como a análise da primeira abordagem dos alunos da turma ou em momentos de avaliação qualitativa (compreensiva).
O trabalho da maioria dos professores é sem dúvida intenso e de grande responsabilidade, exige competência técnica, empenho, motivação, capacidade de liderança, cooperação, inteligência emocional, honestidade (2) ... (Claro que, como em todas as organizações, há professores desmotivados e em burnout).

No início do ano lectivo, a inclusão de cada aluno na escola exige estar atento às diferenças que uma vez identificadas e valorizadas permitam a prática de metodologias e estratégias como a necessidade de educação especial, definição das capacidades e fragilidades, da maturidade e precocidade excepcional. 
Desta forma serão ultrapassadas as dificuldades e adquiridas competências comuns a todos os alunos, ou específicas, desenvolvendo-as até onde for possível quando adaptativas.
Para crianças diferentes poderão ser necessários métodos e estratégias diferentes e aqui ganha relevo a metodologia UDL (Desenho Universal para a Aprendizagem). (3)
Como já aqui escrevi “a educação é o professor. É a mudança que falta fazer."
Volto hoje a dizer: investir nos professores é o melhor seguro para o futuro de uma criança, o mesmo é dizer de um país.


Até para a semana.


_________________________

(1) Pennac, Daniel, (2009), Mágoas da Escola, Porto Editora

(2) McCourt, Frank, (2005), O Professor, Ed. Presença

(3) Rose, David e Meyer, Anne, (2002), Teaching Every Student in the Digital Age, Universal Design for Learning, ASCD




15/09/22

A primeira vez: a entrada na escola


M. (6;3) - Pré-escrita. *

(Dois pedidos para o jantar)




Como costumamos dizer há sempre uma primeira vez para tudo. A entrada na escola é a primeira vez de muitas outras que se seguirão. É talvez, no nosso percurso escolar, a primeira vez mais importante que fica na nossa memória.

A minha ficou e lembro-me de que no primeiro dia fui com minha mãe que me apresentou e me entregou à responsabilidade do Sr. professor António Mendes...

e lembro-me de como foi difícil esse primeiro dia apesar de conhecer todas as crianças que entraram naquele ano e naquela sala, da escola dos rapazes.

 

Para os pais a situação não é mais fácil. Fui percebendo, como pai, e agora como avô, como é difícil a separação destes pequenos grandes homens e mulheres de 6 anos, que ingressam no 1º ano.

O 1º ano do 1º ciclo é a primeira grande separação das crianças dos seus pais. 

Como já aqui e aqui escrevi: “O primeiro dia de escola é para a criança um acontecimento importante caracterizado objectivamente pela separação da família e pelo encontro com um novo mundo. É também importante pelas expectativas que lhe foram criadas pelos adultos e pelas outras crianças."

 

Verifico com curiosidade que o governo, ao anunciar algumas medidas para fazer face à crise económica e social actual, usou o lema : “Famílias primeiro”.

Seria motivo suficiente para apoiar incondicionalmente não fosse, como de costume, a suspeita de que se trata apenas de retórica.

As famílias – que para o serem tem que haver uma criança no agregado - deviam, de facto, estar em primeiro lugar, porque ao olhar para elas não podemos deixar de ficar impressionados com as suas fragilidades em contraste com as exigências que são feitas a pais e filhos para frequentarem a escola.

 

A entrada na escola é uma das situações críticas da vida familiar. A família enquanto organização dinâmica sofre mudanças permanentemente, mudanças que são crises normativas como as que já sabemos que vão ocorrer   ou não-normativas se forem imprevisíveis, acidentais e inesperadas.

Podem ainda ser mistas quando ocorrem crises acidentais ao mesmo tempo de crises previsíveis.

Todos os pais conhecem esta crise previsível: a dificuldade de escolha da escola que consideram mais adequada para os seus filhos, pública, particular, social, e das características que oferece: qual o projecto educativo, número de alunos, número de alunos por sala, os horários das aulas, os intervalos, as actividades, os transportes, quem são os professores, os preços...

Depois vem a preparação necessária: os materiais, livros,  a roupa, a farda, os transportes, as refeições, ir levar e buscar... e conjugar tudo com os horários e trabalho dos pais. 

Para que tudo funcione é necessário haver uma rede de confiança nos outros intervenientes para poderem ir trabalhar com alguma tranquilidade e, mesmo assim, com todas as preocupações. É que no mundo e nas comunidades a confiança e segurança não melhorou. Pelo contrário...

Por isso, nada pode ser deixado ao acaso, tudo tem que ser conjugado e articulado com os vários intervenientes que devem ser competentes no seu ofício e cuja personalidade mereça confiança...

 

Finalmente, para as crianças começa esta grande aventura... E os seus pais são os grandes heróis desta etapa da vida familiar por conseguirem ultrapassar esta crise repleta de todos estes problemas e porque, mesmo sabendo de tudo isto e  de todos estas dificuldades, há pais que querem continuar a ter filhos e a amá-los acima de todas as coisas.


_______________

* A pré-escrita é uma etapa do desenvolvimento da expressão gráfica da criança. É, entre outros procedimentos, uma boa indicação de que atingiu a maturidade  necessária para iniciar as aprendizagens escolares.








05/09/22

Felizmente, o mundo continua a parar...

"Love is a many splendored thing" ( 1955)
Realizador:  Henry King.  Com William Holden and Jennifer Jones.
Canção tema: Matt Monro
Roteiro de John Patrick do livro de Han Suyin (1952). 
A canção tema  foi gravada pelo grupo The Four Aces

 

Love is a Many Splendored Thing 


O amor é uma coisa muito esplendorosa Love is a many splendored thing É a rosa de Abril que só cresce no início da Primavera It's the April rose that only grows in the early Spring O amor é a maneira da natureza dar uma razão para viver Love is nature's way of giving a reason to be living A coroa de ouro que faz de um homem um rei The golden crown that makes a man a king Uma vez numa colina alta e ventosa, na névoa da manhã Once on a high and windy hill, In the morning mist Dois amantes  beijaram-se e o mundo parou Two lovers kissed and the world stood still Então seus dedos tocaram o meu coração silencioso e  ensinaram-no a cantar Then your fingers touched my silent heart and taught it how to sing  
Compositores: Paul Webster / Sammy Fain
 

01/09/22

Tempo de diálogo e esperança


Gorbatchov,  2 de Março de 1931 - 30 de Agosto de 2022.

"Escrevi este livro porque acredito no senso comum de toda a gente. Estou convencido de que as pessoas, tal como me acontece, se preocupam com o futuro do nosso planeta. E este é o assunto mais importante.
Devemos encontrar-nos e discutir. Devemos tentar resolver os problemas com espírito de cooperação em vez de com animosidade. Compreendo que nem todos concordarão comigo. Na verdade, nem eu concordo com tudo quanto outros, em diversas ocasiões, dizem. Isto significa que o mais relevante é o diálogo. O meu livro é uma contribuição para isso." (Perestroika, p.17)

Um homem extraordinário, como tentei dizer em: MurosRevoluções, guerras e pessoas; Tempo de esperança. 

Erros? Claro. Releio uma crónica de J. Pacheco Pereira ("Gorbatchov e a Rússia", Vai Pensamento, 2002): 
"É por isso que convém não confundir o papel que objectivamente Gorbatchov teve para acabar com o comunismo e a URSS, com as suas ideias presentes sobre a Rússia, o seu antiamericanismo larvar, o seu apoio a Putin e à guerra da Chechénia. O crescente isolacionismo da política russa que encontrou também uma voz em Gorbatchov. - "não nos dêem lições", "nós é que sabemos do nosso país e da sua complexidade" - funciona como argumento de autoridade para que não haja discussão. Discussão é aliás coisa com que Gorbatchov convive mal, ele que foi educado a ensinar e a debitar a "linha" política, e que tem muitos tiques autoritários da velha política russa. Gorbatchov pode ser um "herói" dos nossos dias como lhe chamou António Barreto mas convinha não assinar de cruz as suas políticas ou as suas opiniões." (p. 242-243)

Para um homem condicionado pela educação do "homem novo", temos de convir que foi um homem extraordinário que originou um tempo de diálogo e de esperança.






29/08/22

"Sei que tenho a honra de ser testemunha de tanta majestade"

 

STARS 
Execução: The Vocal Consort
Direcção: Nelson Kwei

 

STARS

Alone in the night
On a dark hill
With pines around me
Spicy and still

And a heaven full of stars
Over my head
White and topaz
And misty red;

Myriads with beating
Hearts of fire
The aeons
Cannot vex or tire;


Up the dome of heaven
Like a great hill
I watch them marching
Stately and still

And I know that I
Am honored to be
Witness
Of so much majesty



ESTRELAS

Sozinho na noite
Numa colina escura
Com imóveis pinheiros 
ao meu redor

E um céu cheio de estrelas
Sobre a minha cabeça;
Branco, topázio e 
Nublado encarnado

Tantos com corações 
ardentes a latejar
Não há nada que possa
afrontar ou cansar as estrelas; 

Até a cúpula do céu,
Como uma grande colina, 
As vejo em marcha
Imponentes e estáticas 

Sei que 
tenho a honra de ser 
testemunha 
de tanta majestade


20/08/22

Há causas em que a melhor resistência é a desistência

Pano de cozinha (pormenor)


1. Ter um motto pode ser muito importante na vida de cada pessoa. Em particular, em momentos especiais desse percurso temporal pode ser um motivo determinante para tomar uma decisão.
Costumava perguntar aos meus alunos de Orientação escolar e profissional (OEP) se tinham um motto ou, apenas, se conheciam algum.
A maioria tinha ou lembrava-se de pelo menos um. Claro que se tratava de um pequeno pormenor mas servia como interessante complemento, entre outros instrumentos de trabalho, à teoria de J. Holland (RIASEC) sobre a escolha de uma profissão.
Se é verdade que há alguns provérbios inadequados, obsoletos, há muitos outros que são positivos para a vida de cada um, um motivo para continuar, um facilitador na tomada de decisão.
Fazem parte da modelagem e da moldagem, da tradição familiar, do colocar o indivíduo numa genealogia, num contexto familiar cultural e social, uma forma de estar e de ser de uma ou de outra maneira. 
De facto, um motto pode ajudar-nos a compreender muita coisa da nossa personalidade, dos nossos motivos, do que queremos para o futuro, do que esperamos de uma pessoa ou do que esperam de nós, ou não, ou da nossa desilusão em relação a essas pessoas.
O motto, ao contrário do pensamento automático e catastrofista, leva-nos a aceitarmo-nos como somos e a partir para o próximo projecto.

2. A minha saudosa amiga Fernanda Infante*, colega de trabalho com quem muito aprendi, profissionalmente e de coisas simples do quotidiano, sobre o ridículo dos políticos vaidosos, dos clichés sociais, sei lá... quando não valia a pena perder tempo ou ocupar os neurónios com algumas pessoas ou assuntos costumava dizer-me: "Desamassa que o forno caiu".
À medida que vou crescendo, sim, na minha idade ainda se cresce, é mesmo verdade que há situações em que não há nada a fazer e o melhor é mesmo deixar cair, desistir, esquecer que existem.

3. Marta Gautier usa a palavra "rendição", numa entrevista "N'A Caravana", para isso mesmo: "não vale a pena", "rende-te", a energia que gastas é de tal modo desproporcional ao que se afigura como resultado que não compensa qualquer esforço. É uma maneira de aprendermos a ser humildes. Por outro lado, assumir que "eu mereço", mereço umas férias, uma refeição tranquila, contemplar um fim de tarde... "Eu mereço". 
De facto, há pessoas que não valem qualquer tipo de investimento. Gente jovem já esclerosada e gente adulta ainda mais senil do que seria de esperar, como aquelas personagens que o Eça n' O Conde de Abranhos, retratava: certo tipo de pessoas cujo encéfalo como uma tela antiga, quando se estica um bocadinho, parte.

4. Não faz nem canta a música da minha preferência mas é curiosa a experiência relatada por Emanuel, em Alta Definição, mais acertada que a de muitos académicos. Cito de cor: "evitar o confronto" com quem nos trata mal, não vale a pena reagir, os seres humanos não são perfeitos e há pessoas que fazem mal aos outros... Perdoar? Perdoo mas não quero nada com essas pessoas, desvio-me...

5. A questão é saber quando e por quanto é que vale a pena "comprar" uma guerra com alguém ou organização ou simplesmente deixar cair. Sim, há casos em que vale a pena comprar, mesmo cara, uma luta desde que resulte de uma avaliação correcta, avaliação de como ela começa e como vai acabar. 
Sabemos da importância de resistir, "só é vencido quem deixa de lutar", "resistir é vencer", da importância da resiliência, embora agora seja tudo resiliência, do ir à luta, da struggle for life, de tudo isso que aprendemos e nos martelam aos ouvidos, mas não há dúvida de que para a nossa saúde mental, ignorar quem ou aquilo que depois de espremido já deu o que tinha a dar, não deixa de guardar grande significado.
Muitos destes comportamentos e atitudes inscrevem-se num processo de luto de gente e coisas que morreram para nós.

6. Desde o início da "geringonça" (2015), da qual este governo socialista é filho, que aqui escrevi o que podíamos esperar deste governo socialista, de crise em crise, de falha em falha, de desesperança em desesperança, de esperteza em esperteza, servindo-se do poder, para se perpetuar no poder, o nepotismo e as vantagens aos amigos... Com a ajuda de uma oposição, há muito tempo a mijoter ou à espera das migalhas do poder que pudessem cair da mesa socialista, apesar de renascer alguma esperança com o fim da nulidade da intervenção política do último presidente do PSD.

7. Já outros tentaram, antes da nossa geração, mudar alguma coisa mas também eles não conseguiram. "Os Vencidos da Vida" vindos de Coimbra, em 1871, organizaram uma série de conferências no Casino Lisbonense, para discutir temas ligados à literatura, educação, religião e política. As conferências acabaram por ser proibidas pelo governo.
Depois das reuniões, a geração de ouro de Coimbra acabou por não conseguir fazer mais nada, muito menos executar os seus planos de revolucionar o país, e seus integrantes acabaram por se autodenominar "os Vencidos da Vida". (Wikipedia)

8. Por isso, se quem tinha expectativas positivas para os próximos anos as perdeu, faz sentido o motto "desamassa que o forno caiu" e começar a gastar a energia noutra coisa, e, talvez, voltar àquela situação que é sempre a melhor, mesmo contra toda a esperança: carpe diem
Uma falsa solução, ainda assim luta pelo estímulo (Desmond Morris), é ficar no banco de jardim a dar milho aos pombos quando há tantas outras coisas para fazer: ajudar a família naquilo que podemos, como acontece com tantos avós, tomar conta dos netos quando é preciso, tratar da quinta como uma boa e alternativa terapia, frequentar a universidade sénior para quem ainda tem pachorra ou motivação para isso, frequentar as terapias que há um pouco por todo o lado, conversar com os vizinhos na soleira da porta ou jogar à bisca no jardim mas... sempre, sempre ler. Ler ensaios, romances, ler aquilo que sempre ficou adiado, ler até os autores de que não gostamos mas ler, ler sempre e em todos os momentos.

9. Quando dizemos que a vida é uma "luta permanente", coisa que os sindicatos traduzem por "a luta continua" ou de forma fixista, "a luta contínua" que como sabemos é a "luta de classes", estamos também no campo dos lemas impossíveis e mentirosos que nos querem fazer acreditar, como quiseram durante o último século...
A struggle for life é outra coisa, é desistir de lutas inúteis, das "lutas" e dos aproveitamentos políticos e sociais dos outros, não nossos, que sabemos bem quais são os fins últimos que pretendem, e é a melhor forma de resistência porque mantêm o equilíbrio psicológico e nos focaliza naquilo que interessa. Esta resistência é "adaptação" como diria Piaget. E, como dizia a minha mãe, "vale mais perder por encolhido do que por adiantado". 
_________________________
* Coordenou o estudo sobre "Famílias monoparentais" numa altura em que "mãe solteira" era uma espécie de estigma social, e, tanto quanto sei, o primeiro estudo feito em Portugal sobre "Famílias reconstituídas" quando também pouco se sabia, entre nós, sobre estas famílias. Tive a sorte de trabalhar com ela nestes e em outros grupos de trabalho/projectos.




16/07/22

Pais com autoridade 3

1. Makarenko descreve vários tipos de autoridade parental que devem ser evitados. Mas então em que deve consistir a verdadeira autoridade dos pais numa família? *
Esta autoridade baseia-se, em primeiro lugar, na condição de cidadania, de pai e de ajuda, e em segundo lugar, na responsabilidade.
Podemos dizer que o principal fundamento da autoridade dos pais, não pode ser senão a vida e o trabalho dos pais, a sua personalidade de cidadãos, a sua conduta.
Quando as crianças vão crescendo interessam-se sempre por saber onde os pais trabalham, qual a sua posição social. Devem saber de que vivem, em que se interessam, qual o seu ambiente. A profissão dos pais deve parecer aos olhos da criança uma coisa séria e digna de respeito...
O trabalho paterno deve consistir em saber como vive, de que se interessa, do que gosta e o que quer o seu filho. Quais são os seus amigos, com quem joga, o que lê e como assimila o que lê. Qual a sua atitude face à escola, aos professores, quais são as suas dificuldades, como é o seu comportamento nas aulas.
Isto não significa que seja necessário fazer interrogatórios permanentes ao seu filho ou fazer espionagem mesquinha e inoportuna. É necessário que o seu filho fale destes assuntos. Diremos que é necessário o diálogo entre os elementos da família.
Este conhecimento leva à necessidade de ajuda. Na vida de qualquer criança é necessária esta ajuda para saber como se comportar. Esta ajuda não será provavelmente pedida pelo seu filho mas é necessário ir ao seu encontro.
Esta ajuda pode ter a forma de um conselho directo, uma brincadeira, uma orientação directiva, uma ordem. Se se conhece a vida do filho então é possível saber como será a melhor maneira de agir. Pode ser através de um jogo, travando conhecimento com os companheiros do seu filho, falando com os professores, ou com os outros filhos quando existem.
A ajuda dos pais não deve ser inoportuna, enjoativa e fastidiosa. É necessário que a criança às vezes resolva os seus problemas sozinha e que se habitue a ultrapassar dificuldades e resolver questões complicadas. Mas não se pode deixar cair a criança nas dificuldades, no desespero. É necessário que ela saiba que pode contar com a sua vigilância, com a sua atenção e com a sua confiança nas suas forças... Mas o seu filho saberá ao mesmo tempo que se exige qualquer coisa dele, isto é, ele tem que assumir responsabilidades.
A responsabilidade constitui assim o segundo traço essencial da autoridade dos pais, porque respondem pelos filhos face à sociedade e,  por outro lado, essa responsabilidade é também exigida aos filhos.

Para além das formas de autoridade errónea analisadas, M. refere ainda outras: a autoridade alegre, jovial, autoridade erudita, autoridade "bom rapaz"... Mas acontece que os pais não se preocupam em adquirir qualquer espécie de autoridade; vivem de qualquer maneira... Um dia punem o filho por um aspecto sem importância, no dia seguinte fazem-lhe uma declaração amorosa, a seguir punem de novo...
Pode também acontecer que o pai opte por um tipo de autoridade e a mãe por outro. Os filhos neste caso devem ser diplomatas e aprender a andar com rodeios entre o papá e a mamã. Acontece, enfim, simplesmente que os pais não têm qualquer atenção aos filhos e apenas pensam na sua tranquilidade.

2. Quando Makarenko escreveu O livro dos pais - Artigos sobre a educação, dirigia-se à família soviética e a uma sociedade totalitária. Podemos questionar qual a diferença em relação a outras famílias e sociedades de outros países mais democráticas, conservadoras, liberais...
Makarenko procurava chamar a atenção dos pais e da sociedade para os problemas da educação de crianças e jovens na sociedade que integrava com os problemas originados nas vicissitudes de Outubro de 1917 com o cortejo de crianças e jovens sem família, marginais, desorientados e abandonados.
O pedagogo socialista e conselheiro parental que escreve sobre a família soviética escrevia também sobre outra família qualquer, burguesa e capitalista, com as mesmas preocupações de educação dos filhos, seres humanos desenvolvidos, cultos, integrados, críticos, moralmente competentes... 

3. Não há Olimpos pedagógicos. Nem o de Rousseau, nem o de Gorki, nem o de Makarenko, nem o de Rogers ou de Skinner ou de todos os outros que conhecemos da pedagogia e da psicopedagogia mesmo daqueles que nem sequer eram "dados" na faculdade.
Insistir mais na educação baseada no colectivo ou no indivíduo é certamente discutível mas de certeza que não podemos dispensar nem uma nem a outra. Inscrevo o contributo pedagógico de Makarenko nesta perspectiva: Recompensas ou castigos devem ser vistos num contexto de motivação intrínseca. O papel do professor é fundamental e insubstituível na aprendizagem e na relação pedagógica. A educação com base na espontaneidade rousseauniana não é de todo o caminho a seguir mas também não pode ser uma camisa de forças onde o aluno seja manipulado como um autómato da aprendizagem.

__________________________

* Anton Makarenko, Oeuvres en trois volumes, Le livre des parents - Articles sur l'éducation - III, Ed. du Progrès, Moscou (“O livro dos pais - Artigos sobre a educação”). No capítulo  "Sobre autoridade dos pais" (p. 369-378) descreve vários tipos de autoridade parental e coloca a questão sobre a verdadeira autoridade dos pais e como se organiza.
 


11/07/22

Wokismo na educação


A novela da "disciplina" "cidadania e desenvolvimento" - na realidade não é uma disciplina mas uma listagem de assuntos que poderiam ser os que lá estão ou outros -  vai tendo novos episódios mais infelizes do que os anteriores. Para pensar, deixo aqui estas referências:

“Le wokisme c'est ça, prenez l'histoire, vous l’inversez, vous lui faites dire le contraire. Les bons sont les méchants, les méchants sont les bons. Donc c'est la fin de l’histoire, c'est la fin de la raison, c'est l'avènement des raisons le wokisme, et la gauche a dit prenons cette idéologie clé en main, c'est formidable, on va appeler ça être progressiste.” 
"Il y a cette espèce de délire qui consiste à dire: tout est bon dans la sexualité, et puis ce qui est formidable, ce que il faut qu’à 5, 6 ans, dès qu’on scolarise les enfants, on leur parle de sexe, et on leur parle surtout pas d’hétérosexualité.”

Em 1984, já tínhamos lido: "guerra é paz, liberdade é escravidão, ignorância é força"...


Os inquisidores em Famalicão. O MP deseja exibir no pelourinho as consequências de se ter princípios. Não é só a desobediência que perturba o poder: a chatice maior é recusar a ideologia reles que dissimula a natureza desse poder.






10/07/22

Porque hoje é Domingo - a meditação

 

 

Meditar é chique. Meditar está na moda. E ainda bem. É mais ou menos consensual que a meditação é uma terapia possível e necessária no meio das vidas plenas de agitação, maldade, desgraças, guerras, pandemia, falhanços da política nacional e internacional, quando vamos ao fundo e ou quando precisamos de calma... Meditar é  uma prática na qual a pessoa utiliza técnicas e realiza exercícios tendo como finalidade focar a atenção num objeto, num pensamento ou actividade tendo em vista a redução da ansiedade e a melhoria das emoções. Meditar é uma autêntica benção para todos nós, assuma uma ou outra forma, mais próxima da ciência ou mais fora de tudo o que seja racional. Meditar faz bem à saúde do corpo e da mente. Desde que os mecanismos psicológicos da sugestão e da auto-sugestão funcionem quem pode dizer o contrário? Neste ponto só deixo um conselho: não se deixe manipular e não se deixe levar na conversa mole de quem nem de longe nem de perto está interessado na sua saúde mas apenas na sua carteira. Se quiser correr menos riscos convém saber quem é o seu terapeuta. Se não, fique por sua conta e risco e depois não se queixe.
De facto, podemos meditar de várias maneiras. Uma delas é rezar. Sim, rezar é uma forma de meditação. Como foi definido e descrevi em outros locais como o "Terço cantado" e as "Ladaínhas" em S. Miguel d' Acha, no tempo de Quaresma:

Uma vez por semana, uma das melhores formas de meditação é a eucaristia dominical que como o nome indica é reconhecimento e acção de graças.
Para muitas pessoas esta é uma forma de meditação importante ou pelo menos com momentos de meditação importantes. É, aliás, para essas pessoas a única forma possível de a fazer.

Escolha o lugar adequado, depois de se sentar, fique confortável, com as costas direitas  e as mãos em cima dos joelhos, se preferir e puder, pode fechar os olhos.
Enquanto esperamos, podemos experimentar, como refere J. Main, a palavra "Maranata". Pronuncie cada uma das sílabas com igual cadência – Ma-Ra-Na-Ta - escute a palavra à medida que a repete devagar, mas continuamente. Não pense nem imagine nada de espiritual ou de outra ordem. 
Durante a liturgia, as repetições de frases, Kyrie, Sanctus, Agus Dei, a oração extraordinária do Pai nosso - se forem cantados em gregoriano melhor - de cânticos repetitivos de gestos e rituais quase  automáticos, são imprescindíveis para fazer esta meditação. Às vezes basta ouvir o órgão de tubos para sair para outra dimensão. Ou então um cântico repetitivo de um coro bem afinado:

"Nada te perturbe 
nada te espante
quem a Deus tem
nada lhe falta.
Nada te perturbe 
nada te espante
só Deus basta."

Este texto de Sta Teresa de Ávila é dos meus preferidos para este momento de profunda meditação, é repetido várias vezes e quantas mais vezes se repetir mais pode concentrar-se no que está a cantar ou, simplesmente, a acompanhar mentalmente. Até deixar de pensar nisso.
É fácil sentirmo-nos totalmente focados naquilo que estamos a fazer abstraindo de tudo o que nos possa distrair.
A igreja é, aliás, um sítio onde somos solicitados por todo o tipo de pensamentos sobre a nossa vida, dos mais práticos  e importantes aos mais inúteis... por isso estamos em permanente esforço de concentração naquilo que é o foco da actividade em que participamos. É, de facto, o sítio mais inadequado para virem ter connosco todos os pensamentos comuns ou obsessivos e automáticos que encontram ali o local propício para fugirem do inconsciente...
Mas, sendo assim, com esforço conseguimos, calmamente, voltar ao centro da nossa atenção: é o local e o momento de nos encontrarmos connosco e de nos perdoarmos a nós próprios e aos outros.
Sai de certeza de lá muito mais calmo, com uma tranquilidade inexplicável...

Quando se está envolvido neste ambiente deixa de ter relevo compreender o mistério da transubstanciação porque nunca vai saber racionalmente do que se trata, coisa que Maria Filomena Mónica questiona e parece ser determinante para a decisão de ter fé ou ser católica. Não se deixa de ser guiado e defensor do espírito científico e racional porque, neste caso, basta saber que Jesus disse o que disse.
Podemos fazer este exercício em qualquer ponto da fé em que nos encontremos, como catecúmenos, como cheios de fé ou em vias de perdê-la. Podemos esquecer-nos de tudo isso e pura e simplesmente passarmos uma hora de meditação.
Podemos meditar na leitura de hoje: quem é o meu próximo? A resposta veio em jeito de parábola:

Naquele tempo, um mestre da Lei levantou-se  e, querendo pôr Jesus em dificuldade, perguntou: “Mestre, que devo fazer para receber em herança a vida eterna?”
Jesus disse-lhe: “O que está escrito na Lei? Como lês?” Ele então respondeu: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração e com toda a tua alma, com toda a tua força e com toda a tua inteligência; e ao teu próximo como a ti mesmo!”
Jesus  disse-lhe: “Tu respondeste correctamente. Faze isso e viverás”.
Ele, porém, querendo justificar-se, disse a Jesus: “E quem é o meu próximo?”
Jesus respondeu: “Certo homem descia de Jerusalém para Jericó e caiu na mão de assaltantes. Estes arrancaram-lhe tudo, espancaram-no, e foram-se embora, deixando-o quase morto.
Por acaso, um sacerdote estava descendo por aquele caminho. Quando viu o homem, seguiu adiante, pelo outro lado.
O mesmo aconteceu com um levita: chegou ao lugar, viu o homem e seguiu adiante, pelo outro lado.
Mas um samaritano, que estava viajando, chegou perto dele, viu e sentiu compaixão. Aproximou-se dele e fez curativos, derramando óleo e vinho nas feridas. Depois colocou o homem em seu próprio animal e levou-o a uma pensão, onde cuidou dele. No dia seguinte, pegou duas moedas de prata e entregou-as ao dono da pensão, recomendando: ‘Toma conta dele! Quando eu voltar, vou pagar o que tiveres gasto a mais’”.
E Jesus perguntou: “Na tua opinião, qual dos três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?” Ele respondeu: “Aquele que usou de misericórdia para com ele”. Então Jesus lhe disse: “Vai e faze a mesma coisa”.

É de facto inacreditável: um samaritano! É mais uma provocação de Jesus. que nos apela a construir um mundo de convivência entre todos e a melhorar as nossas emoções e sentimentos relativamente aos outros o que significa melhorarmos em relação a nós próprios.

Se ainda não sabia, e eu não sei muito bem porque sou apenas aprendiz, ficou a saber que não precisa de ir muito longe nem de gastar muito dinheiro para poder meditar. Não precisa pertencer a nenhum grupo organizado, nem fazer meditação expressamente com esse objectivo. Pode fazê-la sozinho num dos locais mais tranquilos que encontra no seu caminho.
Não funcionou consigo ? Não tem importância, tente de novo. 


01/07/22

"O mapa não é o território"

A frase, de Alfred Korzybski, explica como apesar de termos semelhanças estruturais como seres humanos, cada pessoa tem o seu próprio mapa sobre o funcionamento do mundo. De facto, o mapa não é o território. Existem territórios, verdade físicas, do mesmo modo que existem crenças e convencimentos pessoais.

“Uma crença é uma teoria sobre o mundo, porém não é o mundo. Chamamos-lhe precisamente crença porque ainda que só consista numa pressuposição, é algo que nos convence a nós mesmos, que nós acreditamos, mesmo se isso nos limita"... “O conhecimento implica verdade; a crença, pelo contrário, não.” (Xavier Guix, Ni me explico, ni me entiendes - Los laberintos de la comunicación, p. 28-29)
As crenças podem ser irracionais (limitantes) ou racionais. As crenças têm origem na educação recebida durante a infância, nas experiências e situações vivenciadas, induzidas por líderes sociais e políticos ou veiculadas pela propaganda e publicidade que nos fazem acreditar em realidades inexistentes ou em falsas necessidades. Como quase todas as condutas humanas, também as crenças se fazem por aprendizagem social ou modelagem. (Bandura)
Muitas vezes estas crenças impedem-nos de fazer o mapa da realidade que nos permita viver de uma forma equilibrada,  enfrentar novos desafios  e desenvolver novas capacidades. 

O filósofo Epicteto afirmou, no ano 80 da nossa era, que não são os acontecimentos que perturbam os homens mas a perspectiva que têm deles. O psicólogo Albert Ellis considerou que não era suficiente ter consciência dos problemas uma vez que resolvendo um problema o paciente colocava outro no seu lugar. (O Livro da Psicologia, p. 142-145)
Perante as adversidades, temos tendência para tirar conclusões negativas dos acontecimentos da nossa vida. Reagimos automática e irracionalmente o que reforça o modo de pensar. Convencemo-nos de que está justificada a má opinião de nós mesmos e do mundo.
Mas também podemos considerar respostas novas e racionais que nos podem ser úteis e benéficas. O pensamento racional tem, assim, efeito contrário ao pensamento automático, sendo benéfico para o Eu.
 
Perante uma adversidade como ficar sem trabalho, o pensamento irracional é: “não valho nada”, “não voltarei a encontrar trabalho”, “estou deprimido e angustiado”...
Em vez disso, o pensamento racional diz-me que posso encontrar outro trabalho e não é razão para ficar assim.
Numa desilusão amorosa a pessoa pode sentir-se triste e rejeitada. No entanto, coisa bem diferente é criar um sistema de crenças em que a pessoa se deprima e se auto-avalie como incapaz de resolver a situação.  
 
O mapa não é o território, remete-nos para um problema de comunicação.
Por muito que custe a crer que os outros não vêem as coisas como eu vejo, o certo é que cada um de nós experimenta a vida segundo o seu mapa convertendo-se na sua verdade.  
Daí que seja tão difícil comunicar quando cada um tem o seu mapa que não corresponde à realidade, ao território. 
Se o mapa não é o território para quê empenhar-me tanto em que os outros vejam as coisas como eu ou estejam de acordo comigo? (X.G.) Por que não experimentar colocar-me no ponto de vista do outro, colocar-me nos sapatos do outro? A realidade é a mesma embora possamos usar mapas diferentes para a compreender.