20/09/15

Terapia cognitiva


Lamento saber que sofres frequentemente de gripe, e daquelas febres ligeiras e irritantes que as gripes prolongadas, e já quase ininterruptas, arrastam consigo. E lamento-o  tanto mais quanto eu próprio também experimentei esse tipo de doença. A principio não me preocupei: a minha juventude era ainda capaz de aguentar as maleitas e de resistir bravamente aos ataques da doença! Mas por fim fui-me abaixo, e cheguei ao ponto de ficar quase tuberculoso e reduzido a uma extrema magreza. Muitas vezes senti vontade de pôr termo à vida. O que me reteve foi a avançada idade do meu muito querido pai. Em vez de pensar no ardor com que seria capaz de enfrentar a morte, decidi pensar antes como ele desejaria ardentemente que eu não morresse! Assim, impus a mim mesmo a obrigação de viver. E a verdade é que por vezes continuar vivo é dar mostras de coragem!
Antes de dizer-te como é que me consolava da doença, dir-te-ei apenas isto: o próprio facto de me resignar a estar doente já me servia de remédio. De facto, formas dignas de consolação acabam por tomar-se medicamentos; e tudo quanto nos fortalece a alma transforma-se em benefício para o corpo. Os meus estudos restituíram-me a saúde. É à filosofia que devo a minha convalescença, a minha recuperação; a ela devo a vida - aliás, a menor dívida de gratidão que tenho para com a filosofia. Também  contribuíram para eu recuperar a saúde os meus amigos:  nos seus conselhos, na sua companhia, na sua conversa encontrei uma grande consolação. Lucílio, meu excelente  amigo, nada ajuda tanto um doente a recuperar como a  afeição dos amigos, nada é mais eficaz para afastar de nós a expectativa e o medo da morte. Digo-te: eu imaginava que continuaria a viver, não já na companhia deles mas através da sua memória; dava-me a sensação de que não exalaria definitivamente a alma, mas sim que a confiaria  nas suas mãos. Estes pensamentos deram-me a força de vontade para me ajudar a mim mesmo e para suportar  todos os sofrimentos. O cúmulo da infelicidade seria, isso sim, ter perdido a vontade de morrer e, simultaneamente, não ter coragem para viver!
Recorre tu também a remédios idênticos a estes. O médico há-de indicar-te até que ponto podes andar a pé ou fazer exercícios, ele te dirá que não caias na indolência  que é o que a falta de forças tem tendência a fazer; prescrever-te-á que leias  em voz alta, como forma de exercícío para as tuas vias respiratórias bloqueadas; que andes de barco para o balanço ginasticar  os teus pulmões; dir-te-á o que podes comer, quando é que deverás beber vinho para ganhar força ou quando o deves evitar para não provocar e aumentar a tosse. O remédio que eu, por minha parte, te receito é válido não apenas para a tua doença, mas  para toda a tua vida: despreza a morte. Nenhum motivo de tristeza pode haver quando nos libertamos de morrer. 
Em qualquer doença há três factores importantes a ter em conta: o medo de morrer, a dor física, a proibição temporária dos prazeres.
...

Lúcio Aneu Séneca, Cartas a Lucílio, (Tr. J. A. Segurado e Campos), 2007, 3ª ed, Fundação Calouste Gulbenkian, Livro IX, Carta 78, pág 328-329. Sublinhados meus.


Sem comentários:

Enviar um comentário