21/09/15

Crescimento - paraíso perdido

O crescimento tem vindo a ser visto por alguns, gurus da economia, políticos de todos os quadrantes, principalmente os responsáveis pelos programas de ajustamento, pedintes de troicas e pecs, como a panaceia para resolver os nossos problemas (e os de todo o mundo). É o crescimento mágico, paraíso, a solução "milagrosa"...

A solução do crescimento mágico, tornado realidade-pesadelo, entre outros males, tem rebentado com o equilíbrio ecológico, tem imposto um desnivelamento cada vez maior  entre norte e sul, leste e oeste, entre pobreza e riqueza: deslocalização de empresas e consequente desemprego, degradação de ecossistemas, migrações (mediterrâneo, sudoeste asiático), nacionalismos exagerados, guerras...

Por exemplo, o caso do crescimento de Detroit, teve como consequência a insolvência de Detroit. "Veio mostrar como tudo isto é imprevisível e de como tudo se pode desmoronar quando não é sustentável.
O que se passou com Detroit? A cidade que se tornou no século XX o maior centro mundial da indústria automobilística, na década de 1970, entrou em recessão económica, por causa da crescente concorrência de companhias japonesas produtoras de automóveis, e em 18 de Julho de 2013 a cidade declarou bancarrota, tornando-se a maior cidade dos Estados Unidos a declarar bancarrota.
O valor da dívida, adianta por seu lado o New York Times, não é consensual, variando as estimativas "entre os 18 biliões e os 20 biliões de dólares". 

O automóvel tornou-se objecto fetiche de consumo generalizado, o paraíso automóvel, tornou-se um pesadelo individual e social.


Automóvel - paraíso perdido é uma publicação já antiga (tr. port. de 1974), alertava  para "as raízes de um fenómeno que, a nível individual, faz com que a generalidade das pessoas sintam que viver sem ter o direito reconhecido de coduzir um automóvel não é serem cicidadãos totais da sociedade industrial".
Em texto de Ricardo Abramovay, ninguém nega que "a conquista da mobilidade foi um ganho extraordinário, para as pessoas e para a sociedade. As cidades passaram a ser diferentes "e a sua influência exprime-se no próprio desenho das cidades. Entre 1950 e 1960, nada menos que 20 milhões de pessoas passaram a viver nos subúrbios norte-americanos, movendo-se diariamente para o trabalho em carros particulares. Há hoje mais de 1 bilião de veículos motorizados. Seiscentos milhões são automóveis."


"A produção global é de 70 milhões de unidades anuais e tende a crescer. Uma grande empresa petrolífera afirma em suas peças publicitárias: precisamos nos preparar, em 2020, para um mundo com mais de 2 biliões de veículos.
O realismo dessa previsão não a faz menos sinistra. O automóvel particular, ícone da mobilidade durante dois terços do século 20, tornou-se hoje o seu avesso."

Hoje existem mais de um bilião de veículos no mundo, e dentro de vinte anos, o número vai dobrar, em grande parte, consequência da China e do crescimento explosivo da Índia.
Os especialistas de transporte Daniel Sperling e Deborah Gordon explicam como chegamos a este estado, e o que podemos fazer sobre isso. Sperling e Gordon atribuem a culpa directamente à indústria automobilística, às políticas governamentais de visão curta e aos consumidores.
Alguns  autores têm vindo a chamar a atenção para o problema do crescimento sustentável. Em vez disso, os políticos vêem/lêem empobrecimento, e em vez disso os economista do crescimento vituperam a austeridade. Quando passam à prática não têm alternativas: Hollande em França, Tsipras na Grécia nem sequer um compromisso conseguiu até esta data ...

No entanto, a austeridade continua a ser a má da fita.  É assim que vários teóricos, gurus da economia e simpáticos crescimentistas (ver textos de Tavares Moreira no Quarta República) têm defendido a antiausteridade. De facto, são palavras doces para os ouvidos mas que a realidade desmente..

As universidades embandeiram em arco com esses representantes da antiausteridade que têm consigo a salvação. No meu pequeno país, mas grande em generosidade, Paul Krugman recebeu duma assentada, com grande pompa e circunstância, três galardões - Doutoramento Honoris Causa pelas Universidade de Lisboa,Universidade Técnica e Universidade Nova (2012).
"Reafirmou as suas posições de feroz adversário das políticas de austeridade, o que é simpático para os portugueses e nem tanto assim para o governo; mas reafirmou também que os salários deveriam descer entre 20 e 30%, o que inverte a ordem da simpatia. O que vale – e o que ele provavelmente não sabe - é que já não deve faltar muito para atingir esse desiderato. Valha-nos (mas pouco, porque dentro de poucos anos iremos querer muito ter salários como os deles) que também afirmou que Portugal não tem que reduzir os salários para os níveis chineses.
Ficava no ar um certo tom de contradição: como é que se pode ser contra as políticas de austeridade e defender reduções de salários?"
Por outro lado, Pickety "decretou" que "em Portugal a dívida vai ser reestruturada". Ora, ele é que sabe. E já agora, a folha de excel da troica não é melhor do que os palpites destes crescimentistas ? Isto não é meter-se onde não se é chamado ? A troica é que nos humilhava e os que dão palpites a torto e direito ?

O interessante disto tudo é que a austeridade iniciou-se em Portugal pelo governo PS mas esqueceram-se rapidamente. Em 30/09/2010: "O ministro da Economia, Vieira da Silva, defendeu hoje a importância das medidas de austeridade anunciadas pelo Governo, dizendo que são "fundamentais" para o crescimento económico do país. Julgo que é indiscutível para a maioria dos economistas, que a médio e longo prazo, estas medidas terão um feito positivo", declarou o governante, dizendo ter "a esperança" de que o aumento do IVA e o corte dos salários na Função Pública possam "gerar dinâmica na procura externa".
No final da sua intervenção, que marcou o início da conferência, Vieira da Silva abordou as medidas de austeridade anunciadas na quarta feira pelo Governo para reduzir a despesa pública, entre as quais se inclui a subida do IVA de 21 para 23 por cento e os cortes de 5 por cento na massa salarial da Função Pública.
"As metas que o Governo tem apontado para o crescimento económicos são muito prudentes, não fizemos estimativas baseadas na vontade, mas no realismo", afirmou o governante, justificando assim a convicção de que as previsões de crescimento económico serão concretizadas.
Sobre a contestação que as medidas anunciadas pelo Governo estão já a gerar entre os funcionários públicos e os sindicatos, Vieira da Silva declarou: "a contestação é algo que faz parte da vivência do regime democrático. Ao governo compete fazer o seu trabalho, que é tomar as medidas e chamar a tenção dos portugueses para os riscos que Portugal correria se não as tomasse".

De facto, há alternativas que não são as badaladas pelos simpáticos crescimentistas nem enredadas nas investigações dos peritos. 
Aos países e às pessoas interessa a prosperidade, entendida como algo mais do que o crescimento económico, como refere Tim Jackson: “Definitivamente, não é apenas a capacidade económica de um país, medida pelo PIB”, diz. Segundo ele, quando buscam prosperidade, as pessoas almejam mais do que dinheiro: querem saúde, solidez na família, na comunidade em que vivem… “Todos propósitos que vêm sendo debilitados em nome do crescimento económico”, lamenta. 

Um pequeno exercício sobre crescimento vs austeridade poderá indicar-nos como há crescimento virtuoso e austeridade virtuosa e crescimento vicioso e austeridade viciosa.
1. Mais crescimento e mais austeridade é o que conseguem fazer países com elevado crescimento mas onde a vida das pessoas continua cada vez mais difícil. A existência de matérias primas como o petróleo podia servir para levar mais bem-estar às pessoas e o que acontece é que, em muitos desses países, tudo mudou para pior, sendo a guerra com outros povos ou os conflitos internos que dominam este tipo de sociedades, normalmente não democráticas. Petróleo e paz dificilmente se conjugam.

2. Menos austeridade e mais crescimento é o que têm vindo a apregoar teóricos da economia e políticos crescimentistas de que na Europa os socialistas são um bom exemplo. E é o caminho que vai levar ao desastre: manter o "estado social" (quantas vezes simplesmente não passa de ostentação do estado: ppp rodoviárias, fundações, parque escolar...) com mais dívida.

3. Mais austeridade e menos crescimento tem sido o resultado das políticas aplicadas após a falência de alguns países como na Europa, que levam à necessidade de mais resgates.

4. Talvez reste a possibilidade de uma menor austeridade e de um crescimento menor desde que sustentados. Não vai ser possível continuarmos a viver neste mundo de recursos finitos do mesmo modo que o temos feito. A prosperidade é então uma coisa diferente de consumismo, de consumir para crescer, mas ter padrões de consumo ecológicos, produzir a preços acessíveis, regulados de forma equitativa para todos os países, sem trabalho infantil, sem trabalho sem regras, sem horários descontrolados... que levam à distorção de preços, a concorrência desleal, ao dumping, desemprego, ...

Pode haver "prosperidade sem crescimento".
"Prosperidade sem crescimento foi primeiro publicado em 2009 e colocou em linhas claras um debate de importância vital: para vivermos bem, para sermos «prósperos» e usufruirmos de bem-estar, será realmente necessário que haja crescimento económico? A resposta de Tim Jackson é taxativa: não."

"Mais do que crescimento interessa o florescimento e felicidade. Prosperidade quer dizer que as coisas vão bem para nós. Pergunte às pessoas o que isso significa na prática e elas falarão espontaneamente de sua família, relacionamentos, amigos, segurança. Ter um emprego decente. Sentir-se parte da comunidade. Participar de maneira significativa da sociedade. Prosperidade tem a ver com dar-se bem na vida. Significa florescer - no sentido amplo da palavra."

"O que quer que o futuro nos reserve, uma coisa está clara: a mudança é inevitável. Não existe um cenário confortador no qual simplesmente continuaremos do mesmo jeito. Os que esperam que a economia do crescimento conduza a uma utopia materialista vão se decepcionar. Simplesmente não temos a capacidade ecológica de realizar esse sonho. No final do século, deixaremos nossos filhos e netos com um clima hostil, os recursos naturais exauridos, a perda de habitats, a dizimação de espécies, a escassez maciça de alimentos, a migração em larga escala e a guerra quase inevitável.

"Assim, nossa única chance real é trabalhar para a mudança. Transformar as estruturas e as instituições que moldam o mundo social. Eliminar o pensamento imediatista que assolou a sociedade durante décadas. E substituí-lo por uma visão mais razoável de uma prosperidade duradoura."

"Porque, no fim das contas, a prosperidade vai além dos prazeres materiais. Ela transcende as preocupações materiais. Ela reside na qualidade de nossa vida e na saúde e felicidade de nossa família. Ela está presente na força de nossas relações e de nossa confiança na comunidade. Está evidente em nossa satisfação no trabalho e em nosso senso de significado e propósito compartilhados. Apoia-se em nosso potencial de participar plenamente da vida em sociedade."

"A prosperidade consiste em nossa capacidade de progredir como seres humanos - dentro dos limites ecológicos de um planeta finito. O desafio para nossa sociedade é criar as condições para que isso se torne possível. Essa é a tarefa mais urgente de nosso tempo."


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