30/10/14

Nada existiu ainda


1. "Se aos quatro canais generalistas se juntarem os canais de informação portugueses no cabo (RTP Informação, SIC Notícias e TVI24), é possível assistir a 69 horas de comentário político por semana. O equivalente a quase três dias completos em frente à televisão. Marcelo Rebelo de Sousa, José Sócrates e Marques Mendes são alguns dos rostos mais conhecidos de uma lista de, pelo menos, 97 comentadores com presença semanal na televisão portuguesa. Destes, 60 são, ou já foram, políticos."
"O império dos comentadores onde quem manda são os políticos", Filipa Dias Mendes e Pedro Nunes Rodrigues, Público, 12/05/2013

2. Há um tipo de políticos comentadores e de comentadores políticos que passam a vida a arrasar, normalmente o governo na sua totalidade, um ou outro ministro ou serviço, conforme se vão pondo a jeito ou se adivinha a fragilidade. O mesmo acontece à oposição (veja-se o desventurado Seguro).
São os arrasadores.
Claro que andam todos a arrasar-se uns ao outros. Mas aqueles a que acho mais piada são os arrasadores do seu próprio partido quer estejam no governo quer estejam na oposição. 
No que actualmente acontece, não há praticamente uma medida, um item do orçamento que mereça uma nota positiva. O pessimismo é a sua visão do mundo dos outros. Porque a sua visão do mundo próprio, segundo as suas ilusões, é a melhor possível.  
Alguns arrasadores: um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete...

3. Vale a pena pensar com K. Popper, novamente:
"Kreuzer: Esta refutação impressionante de um optimismo ingénuo é motivo para o pessimismo?
Popper: Não. Pelo contrário. Pelo contrário, constitui um desafio para que, o homem veja as possibilidades e aproveite as oportunidades. É isso. Não é motivo algum para pessimismo. É precisamente no pessimismo que eu vejo o maior risco, ou seja na tentativa permanente de dizer aos jovens que vivem num mundo cruel. Considero este o mais grave perigo do nosso tempo, mais grave ainda do que a bomba atómica. O sugerir-se às pessoas que vivem num mundo ruim, num mundo hipócrita e não sei que mais. Nós vivemos, numa perspectiva histórica (esta é a minha opinião), no melhor dos mundos que jamais houve. Naturalmente que é um mundo cruel, uma vez que há um mundo melhor e porque a vida nos estimula a buscar um mundo melhor. E temos que prosseguir essa procura de um mundo melhor. Isto não significa, porém, que o nosso mundo seja mau. Na realidade, o mundo não só é belo como os jovens têm hoje a possibilidade de verem este mundo maravilhoso. E de um modo antes nunca possível. E isto é extraordinariamente importante.
Lorenz: Tal como um médico, é-se muitas vezes forçado a advertir. O que não significa que se seja pessimista. Quando se considera todas as hipóteses de doença e se alerta para elas, tal não significa que se seja pessimista. Eu sou tido por um pessimista da cultura. De facto, se o fosse, dedicava-me apenas aos meus peixes e aos meus gansos e não me preocupava com os problemas da humanidade. Um dos principais perigos, como sublinhou com toda a razão Karl Popper, é o esvaziamento de sentido do mundo para os jovens. E a perda de sentido que Viktor Frankl vê também e contra a qual, muito justamente, luta. Interrogo-me constantemente sobre como fazer-lhe frente e a melhor forma que conheço é o dar a conhecer aos jovens a beleza da natureza. Um indivíduo que conheça a beleza de um bosque na primavera, a beleza das flores, a magnífica complexidade de uma qualquer espécie animal, nunca poderá duvidar do sentido do Universo. A possibilidade de uma evolução superior, insuspeitada e nunca antes atingida está tão em aberto quanto a possibilidade de a humanidade evoluir no sentido de uma comunidade de térmitas da pior espécie.
Kreuzer: Nada existiu ainda.
Lorenz: Nada existiu ainda, e tudo é possível!
Kreuzer: Muito obrigado a ambos."
(O futuro está aberto, pg.41-42)

4. "Nada existiu ainda" e, por isso, contra os arrasadores pessimistas, vale a pena prosseguir na procura de um mundo melhor, talvez, se deixarmos entrar o optimismo no nosso coração.


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