José Tolentino Mendonça escreveu "o inapagável som do silêncio" (A Revista do Expresso, 3/9/2016) a partir da canção de Paul Simon “o som do silêncio” ela própria, inicialmente, votada ao silêncio, e que uma nova versão com os músicos de Bob Dylan deram origem ao sucesso que conhecemos.
"De facto, o mundo, este mundo que nos habituamos a identificar como estridente caixa sonora que nunca dorme, é atravessado por uma corrente de silêncios à espera de serem escutados. Há uma malha delicadíssima que segura silêncios milenares e recentes, silêncios indefinidos das profundezas e silêncios cuja morfologia se deteta na pele, silêncios siderais que abrem para o enigma dos grandes espaços e silêncios que costuram o mistério e a biografia do pequeno, do parcelar, do pessoal."
A nossa vida familiar e social é pontuada por crises normais e também por outras imprevisíveis. São crises de felicidade e crises de tristeza e luto. É nessas crises que se faz sentir com mais ou menos impacto o "som do silêncio".
A nossa vida familiar e social é pontuada por crises normais e também por outras imprevisíveis. São crises de felicidade e crises de tristeza e luto. É nessas crises que se faz sentir com mais ou menos impacto o "som do silêncio".
Helena Sacadura Cabral em E nada o vento
levou, conta algumas histórias de vida que são sublinhadas pelo silêncio:
1) o silêncio dentro de nós como, por exemplo, o silêncio no divórcio e separação:
1) o silêncio dentro de nós como, por exemplo, o silêncio no divórcio e separação:
"Nunca tinha reparado que no silêncio havia
som, até que numa determinada noite percebi que ele existia mesmo. Tinha 30
anos e o meu marido acabava de levar os últimos livros da nossa casa. Tudo o
resto já saíra... Passaram 50 anos e eu nunca mais esqueci o som do silêncio.
Em especial daquele que veio, talvez, quem sabe?, de dentro de mim!" (p.
18)
2) e também a necessidade de silêncio dentro de
nós que pode vir da meditação, da contemplação ou até do desejo pontual de
vazio” (p. 47)
3) o silêncio que constrói o olhar:
"Aprendemos na infância a ver com os olhos. Depois, à medida que vamos
crescendo, vem a aprendizagem do olhar,que se faz com a nossa família, com os
amigos e com aqueles que cruzam a nossa vida. Este olhar formata-se também nas
ideologias que professamos - religiosas, sociais ou políticas - e que o irão
inevitavelmente «condicionar»... O meu olhar, como o de outros, também se
construiu através das artes, dos livros e do silêncio. Não se discute a
importância dos dois primeiros. Mas dá-se menos valor ao silêncio, quando
afinal, em muitos casos, os ultrapassa. É nesse silêncio que despojamos a vista
de tudo o que é secundário e que conseguimos usá-la como se voltássemos a ser
crianças." (p. 44)
4) o silêncio das palavras: "Todos os
conhecemos, esses silêncios que falam encerrados num olhar, num gesto de
ternura, numa mão que limpa uma lágrima, num abraço forte que se dá ou recebe e
que mais não são do que formas de dizer a uma pessoa que a amamos e que não
queremos vê-la sofrer. Ou, também, que ficamos felizes com a sua felicidade.
Sendo a palavra o meio de comunicar por
excelência, o facto é que este tipo de gestos contém, dentro de si um mundo de
silêncios que se sobrepõe a tudo o que poderia ser dito por palavras."(p.
95)
Mas há outros silêncios na vida familiar,
originados ou acompanhados por fortes emoções como a vingança e a manipulação.
Há pessoas que usam o silêncio para se vingarem ou para castigarem o marido, a
esposa, os filhos.
O silêncio do casal passa muitas vezes pela prova
do silêncio que começa com o que se chama “prender o burro” e acaba em
comportamentos sado-masoquistas. Eu sofro em silêncio mas também te faço sofrer
a ti.
É um jogo (Eric Berne) em que se procura permanecer em
silêncio para ver quem cede primeiro e fala, como se o primeiro a ceder
fosse o derrotado.
Há silêncios tão complicados... quando resultam
da vergonha e do medo da revelação de alguns comportamentos e acontecimentos
problemáticos: o silêncio que envolve a violência doméstica, o abuso sexual e o
silêncio da violência contra pessoas mais frágeis como as crianças e os idosos.
Os silêncios que violam os direitos humanos como certas
tradições e os casamentos forçados ou as adopções
forçadas. Estes silêncios não falam apenas, são silêncios que
gritam. É preciso que alguém oiça.
Voltando a Tolentino Mendonça: “O que ouvimos não
esgota a extensão de tudo aquilo que neste momento nos está a ser dito. E pode
mesmo acontecer que a parte mais significativa da conversa que cada um de nós
mantém com a vida seja, neste momento, aquela que fica por escutar.”
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