05/09/13

Prós e contraprós




- Odorico, eu recebi seu chamado, vim correndo - lldásio Paranhos não disfarça a sua estranheza - mas confesso que ainda não entendi...
- Coronel lldásio - Odorico põe a mão sobre o ombro do vice-prefeito para dar mais ênfase - é uma missão muitissimamente importante, que carece de uma pessoa de sua gabaritagem política. Quero que o compadre esteja em Brasília amanhã. Já marquei pelo telefone, o nosso deputado vai receber o compadre às três da tarde.
- E o que é que eu vou conversar com ele?
- Oxente, o coronel vai ter uma confabulância político-sigilista sobre nossas candidaturas, a minha a governador e a do compadre a prefeito.
- E pra isso é preciso que eu saia daqui assim às carreiras?- pergunta Ildásio, ainda confuso com a inesperada missão.
- É que o nosso deputado também vai entrar em campanha - procura explicar Odorico. - Não sendo amanhã ele só vai poder receber o compadre daqui a seis meses.
-Tá bom. Então eu vou ver se pego o avião em Salvador ainda hoje. Mais alguma recomendação?
-Faça assentamento dos prós e dos contraprós que o deputado levantar concernentemente à problemática candidatória. - Odorico passa o braço sobre os ombros largos de Ildásio, leva-o até à porta do gabinete.    - E não tenha pressa de voltar. Aproveite bem Brasília... tem lá uns motéis com quarto espelhado, cama redonda, cine privê...
- É mesmo?.. - O corpo balofo do Coronel lldásio se sacode todo numa gargalhada obscena. - Até a volta.
- Até a volta, compadre. - Odorico fecha a porta, volta-se para Dorotea Cajazeira e Dirceu Borboleta, que presenciaram toda a cena. - Pronto a primeira parte do nosso plano está cumprida. .
- O senhor acha que precisava mesmo afastá-lo de Sucupira? - Dorotéa levanta-se, questionando ainda o plano de Odorico.
- Ele é vice-prefeito, se eu renuncio, ele é empossado.
- Mas ele é também candidato a prefeito. Se tomasse posse não podia mais se candidatar.
- Lá isso é verdade - confirma Dirceu - a lei não permite reeleição.
- Sei disso, mas seguro morreu de velho e desconfiado inda tá vivo. Pode ser que ele prefira cumprir o resto do meu mandato a uma candidatura que pode ser mal sucedida. Mais vale uma pomba na mão...
- Mas o senhor não vai renunciar de verdade, não é? - Dirceu se mostra receoso... - É só um golpe...
- Golpe de mestre - afirma Dorotéa, já plenamente ganha para a jogada do prefeito.
- Temos que tomar todos os acautelatórios. - Odorico pega uma carta sobre a mesa. - Aqui está a carta de renúncia, já escrevi. Esta carta vai ficar com o senhor, seu Dirceu.
- Comigo? - Dirceu se assusta com a responsabilidade.
- É. Amanhã, sexta-feira, dia de lobisomem, depois que eu partir com destino ignorado, o senhor vai reunir a imprensa marronzista e amarelista e comunicar que eu renunciei. Pode mostrar a carta e até mesmo ler alguns trechos. Mas não entregue a ninguém.
- Isso é importante - sublinha Dorotéa - deve ser depois de encerrada a sessão da Câmara.
- Mas não convém se arriscar. Sei de um que se estrepou por causa disso... - lembra Odorico. - O melhor é dizer que não houve tempo de entregar a carta ao presidente da Câmara e que então só segunda-feira a renúncia será apreciada pelos vereadores.
- Teremos então o sábado e o domingo para levantar o povo. - Dorotéa anda pela sala, agitada, duas manchas de suor aparecendo sob as axilas.
- Marque uma concentração popular para domingo. Seu Dirceu, providencie faixas e cartazes. No dia seguinte à minha renúncia, a cidade deve amanhecer enfaixada e encartazada de ponta a ponta: QUEREMOS ODORICO, VOLTE, ODORICO, TODO O PODER A ODORICO e outras que tais.
- E na segunda-feira, quando abrir a Câmara, o que é que eu faa... faaço com esta carta? - Dirceu gagueja, a carta parece engasgá-lo.
- Aí eu já estarei de volta, nos braços do povo.
- E eu duvido que algum vereador se atreva a votar contra o crédito especial - conclui Dorotéa, sentindo que precisa ir ao banheiro passar desodorante.
 - Não terei mais adversários, nem aqui, nem alhures. Passarei como uma motoniveladora por cima de todos eles.
(Pags. 39-41)

Hoje, 5-9-2013, o TC decidiu.

Actualizado (6-9-2013). 
- Não sei se "vai acabar mal" mas ficou a perder a transparência, já não falo em transparência radical, ficou a perder a renovação, já não digo regeneração, ficou a perder a possibilidade de introduzir um factor de regulação na componente executiva do poder, já não digo da democracia.
- O dinheiro corrompe ? O poder corrompe ? O poder absoluto corrompe absolutamente ?  Depende do território ?
- E diz o dinossauro (o bem-amado): "somos interpelados na rua para que não os abandone!" 

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