26/09/12

A inclusão dos alunos com NEE: aquém e além da lei

Fotografia de Fernando Oliveira
Organização da C.M.do Fundão e APPACDM do Fundão
 

A Declaração de Salamanca consagrou o princípio fundamental das escolas inclusivas. Ele
consiste em todos os alunos aprenderem juntos, sempre que possível, independentemente das dificuldades e das diferenças que apresentem. Estas escolas  devem reconhecer e satisfazer as necessidades diversas dos seus alunos, adaptando-se aos vários estilos e ritmos de aprendizagem, de modo a garantir um bom nível de educação para todos, através de currículos adequados, de uma boa organização escolar, de estratégias pedagógicas, de utilização de recursos e de uma cooperação com as respectivas comunidades. É preciso, portanto, um conjunto de apoios e de serviços para satisfazer o conjunto de necessidades especiais dentro da escola.

 A lei portuguesa (DL 3/2008) consagra igualmente a escola inclusiva para as crianças com NEE e define quais os apoios especializados que visam dar resposta a essas crianças.
No entanto, a própria lei cria modalidades específicas de educação:
- a educação bilíngue de alunos surdos.
- a educação de alunos cegos e de baixa visão
- unidades de ensino estruturado para a educação de alunos com perturbações do espectro do autismo
- unidades de apoio especializado para a educação de alunos com multideficiência e surdocegueira congénita.
Estas unidades são consideradas pela Declaração de Salamanca, em nosso entender, como “medidas excepcionais”. O que aconteceu é que se criou uma rede de unidades desta natureza, ou seja, não são excepcionais… 
Antes e depois desta lei, no nosso país tem vindo a ser feito um grande esforço para que a inclusão escolar seja uma realidade. É uma obra notável que tem sido levada a efeito pelas escolas e pelos professores do ensino regular e da educação especial e técnicos de educação.
Contrariamente ao que algumas pessoas pensam não basta haver uma lei para haver inclusão. Todos sabemos que a lei pode ser muito bonita, e é uma condição para que possa haver inclusão, mas a diferença está nas práticas das escolas.
Que interessa se a lei prevê a inclusão se depois as escolas arranjam sempre desculpas para não admitirem crianças com necessidades educativas especiais ?
Que importa se a lei diz que todos os alunos devem ter as respostas necessárias ao seu desenvolvimento e aprendizagem se depois falham os recursos humanos, se faltam meios pedagógicos ?
Que interessa defender a inclusão se, culturalmente, alguns professores e pais ainda não entenderam que a inclusão é um processo que diz respeito a todos e é para todos ? Quantas vezes continuo a ouvir: "este aluno não anda aqui a fazer nada".
Mas há também pessoas que vão para além daquilo que a própria declaração de Salamanca e a lei prevêem.
Foi até necessário que a assembleia da república aprovasse a lei 21/2008, que veio definir que
a educação especial se organiza segundo modelos diversificados de integração em ambientes de escola inclusiva e integradora, garantindo a utilização de ambientes o menos restritivos possível, desde que dessa integração não resulte qualquer tipo de segregação ou de exclusão da criança ou jovem com necessidades educativas especiais.
Nos casos em que a aplicação das medidas previstas nos artigos anteriores se revele comprovadamente insuficiente em função do tipo e grau de deficiência do aluno, podem os intervenientes no processo de referenciação e de avaliação constantes do presente diploma, propor a frequência de uma instituição de educação especial.
A lei 21/2008 raramente é referida quando se fala de necessidades educativas especiais, porque creio que ela foi feita em contraposição à visão maximalista de que a inclusão tinha que ser feita apenas na escola... Mesmo que em salas ou unidades especializadas mais ou menos segregadas, na realidade.
No entanto, ela existe. E a realidade e o bom senso têm demonstrado que os fundamentalismos nesta matéria não se transformam em benefícios para os alunos. Os pais têm tomado muitas vezes nas suas mãos a defesa daquilo que consideram a melhor resposta de integração educativa e social para os seus filhos. Às vezes vejo-me “forçado” a concordar com eles em algumas situações em que a escola tem ela própria dificuldades em assegurar as respostas que são necessárias. 
Não deixa de ser sintomática a distinção entre inclusão essencial e inclusão electiva  feita por David Rodrigues: 
chamamos a inclusão eletiva no sentido em que a pessoa depois de ter assegurada as condições básicas de participação social a todos os níveis (inclusão essencial) pode optar por formas mais restritas, especializadas e situadas de participação dependente da sua motivação e projeto de vida. Precisamos assim de continuar a lutar denodadamente para que as Pessoas com deficiência (PCD) tenham todas as condições da Inclusão essencial para que livremente possam optar pelas modalidades de inclusão electiva.

Foi por isso que muitas escolas optaram por realizar parcerias com os centros de recursos para a inclusão (CRI), ou dito de outra forma, com instituições de apoio a pessoas com deficiência, dado que apesar da sua autonomia, o ministério da tutela é também o ministério da educação. Essa parceria é constituída para a realização de actividades, a frequência de equipamentos especiais e consultas com técnicos especializados que poderão não haver nas escolas.
O alargamento da escolaridade obrigatória para 12 anos de escolaridade ou 18 anos de idade, com a publicação da Lei n.º 85/2009, de 27 de Agosto, cujo regime jurídico foi desenvolvido pelo Decreto -Lei n.º 176/2012, de 2 de Agosto, trouxe às escolas  a necessidade de desenvolver currículos individuais que privilegiem a componente funcional e isto veio complexificar o problema como aliás interrogamos aqui: "o que vai acontecer aos alunos com NEE?"
O que se sabe é que
Em 1995 a percentagem de jovens entre os 20 e 29 anos de idade que não atingira uma qualificação a nível do ensino secundário era de cerca de 30% (Eurostat). Esta percentagem é ainda mais elevada para os alunos com necessidades educativas especiais. É difícil calcular o número de alunos que abandona a educação logo a seguir à fase obrigatória, mas é possível afirmar que muitos não prosseguem estudos para além dessa fase. Os dados, embora não sejam muito precisos, revelam que um grande número de alunos com necessidades educativas especiais inicia o ensino secundário, mas um grande número não o termina (OCDE, 1997). Em alguns países quase 80% dos adultos com deficiência, ou não progrediram para além do ensino primário, ou podem ser considerados analfabetos funcionais (HELIOS II, 1996a).

O Ministério de educação veio finalmente dar uma resposta com a Portaria n.º 275-A/2012, que regula o ensino de alunos com currículo específico individual (CEI) em processo de transição para a vida pós-escolar, mediante a implementação do Plano Individual de Transição (PIT), que de acordo com o disposto no artigo 14.º do Decreto -Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro, deve iniciar-se três anos antes da idade limite da escolaridade obrigatória.


Para isso as escolas poderão proceder à construção dos currículos específicos individuais e dos planos individuais de transição, procede-se à definição de uma matriz curricular que se pretende estruturante, de modo a garantir que os currículos individuais integrem as áreas curriculares consideradas fundamentais, mas simultaneamente dotada da flexibilidade necessária a uma abordagem individualizada capaz de respeitar e responder às especificidades.
Ora bem, mais uma vez os maximalistas da inclusão vêm criticar esta legislação. Pois, ao contrário, eu quero aplaudir. Por vários motivos:
- Face àquilo que existia que era nada ou quase, ou melhor, cada escola tentava organizar as respostas que podia, já me parece um progresso, é pelo menos uma primeira resposta.
- Não me parece que um regime de parceria não seja desejável e não possa ser inclusivo. Neste tipo de trabalho faz todo o sentido um regime de parceria em que cada instituição pode partilhar o que tem de melhor para responder melhor ao aluno.  
- A transição para outras etapas da vida pode ser facilitada com esta parceria, seja para o emprego normal, para emprego protegido ou para o CAO, uma vez que que alguns destes centros já são geridos por estas instituições.
- Estamos a falar de alunos com 15 anos de idade ou mais que tiveram durante a sua escolaridade um currículo funcional (CEI) e que até agora saíam do sistema educativo no final do 3º ciclo sem qualquer resposta educativa ou social a seguir.
- Esta resposta pretende ser estruturante mas ao mesmo tempo remete para a flexibilidade que, nestes casos, é bem necessária tendo em conta quer as características específicas dos alunos quer as realidades locais em que eles vivem.
- Vai, certamente, implicar a contratação de outros profissionais e reduzir o desemprego mesmo que seja uma gota de água no oceano.
- Parece-me que os pais e encarregados de educação têm aqui uma resposta possível às suas angústias relativamente ao futuro dos seus filhos.

Desta vez, entre ficar aquém ou além da lei, o Ministério da educação vai pelo sítio certo.
 

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