22/09/23

"A ilusão da eutanásia"


Faço uma longa citação do artigo do Dr. A. Lourenço Marques "Ilusão da eutanásia - Sobre as más condições em que geralmente se morre em Portugal, há um panorama trágico que urge ultrapassar", que de preferência deve ser lido na íntegra em Reconquista, 21-9-2023.

"...Deixar a morte natural acontecer - estando presentes, solidariamente, em tudo o que isto tem de significado, e cuidando - já pode ter outro sentido. Esta última opção é uma via que tem as marcas da ciência e do humanismo. Verdadeiramente, nestas situações, a aplicação da Medicina, no estado atual da Arte, com o mesmo vigor e empenho com que se aplica quando se pretende o resultado da cura que é viável, pode ter uma resposta positiva do ponto de vista humano. Porque a Medicina é ampla. Com uma história muito antiga, está em permanente progresso, e chegou, hoje, a importantes conquistas que contribuem substancialmente para a melhoria da vida das pessoas que adoecem, e em qualquer fase da doença: curando, quando é possível; aliviando, que é um imperativo; e sempre confortando. A medicina vai até ao fim. A especialidade dos Cuidados Paliativos, os cuidados específicos no sofrimento das pessoas com doenças que determinam a morte natural, assumiu a envergadura de qualquer outra especialidade médica. Só que, na nossa organização, em Portugal, predominantemente arquitetada para a doença aguda, o cuidado apropriado do tempo do fim da vida com doença crónica (período variável) tem penetrado com muita dificuldade. A avaliação disponível que temos, é que num universo de cerca de 90 mil pessoas, necessitadas de Cuidados Paliativos, que morrem, anualmente, entre nós, menos de 30 mil têm acesso aos cuidados indicados pela Arte. Pensemos, por exemplo, que de todos os doentes com indicação para cuidados intensivos, em Portugal, só 30% teriam acesso! Seria um sonoro escândalo! 
Em meados do século passado, os Cuidados Paliativos começaram no Reino Unido. No mesmo país, cerca de 20 anos depois, em 1987, ganharam o estatuto de especialidade médica. 
Portugal está atrasado. A primeira iniciativa concretizada com internamento para doentes terminais com cancro, data de 1992, no Hospital do Fundão. Portanto, 25 anos depois do pioneiro Reino Unido. O percurso, cá, cheio de embaraços. E só em 2014, a Ordem dos Médicos concluiu o primeiro passo do reconhecimento profissional, que foi a atribuição do grau de competência médica à Medicina Paliativa. Ora, sabendo que a Lei da Eutanásia é feita para um país em que esta condição básica, que é a universalidade do acesso aos Cuidados Paliativos, não está cumprida, tenho o direito de julgar que essa Lei é inoportuna. E mais. Acho mesmo que cria a ilusão de que estamos no caminho certo da solução do sofrimento dos doentes, com doenças incuráveis, que se aproximam da morte, quando, na realidade, de tudo o resto (que está universalmente consensualizado) para responder a esta questão, estão arredados, grosso modo, dois terços dos potenciais candidatos. Do meu ponto de vista, o meio político dominante tem dado ares de não ter convicções sobre o que verdadeiramente está em causa. Lamento!"






20/09/23

Erros que os professores não cometem com os seus filhos


Deixem-me fazer uma breve nota sobre a minha participação neste programa de “Opinão” da Rádio Castelo Branco (RACAB). Em 2007, iniciei esta rubrica de colaboração. Há, portanto, 16 anos. Vamos continuar a falar de psicologia, de pedagogia ou simplesmente de assuntos do quotidiano vistos numa perspectiva psicológica ou educativa ...

No mês de Setembro é o regresso à escola. É nesta altura que muitas questões se colocam sobre os papéis da família, dos professores e dos alunos e sobre o relacionamento entre família e escola. 
“Os pais e os professores lutam pelo mesmo sonho: tornar seus filhos e alunos felizes, saudáveis e sábios. Mas jamais estiveram tão perdidos na árdua tarefa de educar.” (Augusto Cury, Pais brilhantes, Professores fascinantes)
O pais e os professores... Provavelmente, porque também se preocupam cada vez mais com a educação dos filhos e alunos e também porque a colaboração entre a escola e a família se afigura cada vez mais como uma necessidade para melhorar os resultados do desenvolvimento e aprendizagens dos alunos. *

Foram perguntar a alguns professores que também têm filhos alunos que erros não cometeriam com os próprios filhos depois de terem trabalhado como professores.** Se em casa de ferreiro espeto de pau, como diz o ditado, será que podemos ver a sua opinião como uma referência para melhorar esse relacionamento? Estou em crer que sim.

1. A superprotecção e desresponsabilização da criança
Não ser um pai ou uma mãe helicóptero pairando sobre os filhos à espera de intervir sempre que sentirem necessidade. “É claro que, quando as crianças são pequenas, precisam de mais envolvimento dos pais, mas o objetivo é que os pais – e os professores – atribuam cada vez mais responsabilidades aos alunos à medida que vão crescendo”.

2. Opor-se sistematicamente ao professor
Trata-se aqui de um problema de modelagem. Podemos ter uma opinião desfavorável de um professor ou até estarmos zangados com um professor, mas o seu filho nunca deveria saber exatamente como a mãe ou o pai se sente nem envolver o filho na questão. 
Se desrespeitar um professor, é provável que seu filho o imite. 
Infelizmente sabemos como este comportamento é frequente nas nossas escolas.

3. Não se envolver e não apoiar os filhos
Ao contrário do que fazem os pais helicóptero, é importante responsabilizar as crianças, fazê-las ganhar autonomia e confiar nos professores. No entanto, continua a ser essencial o forte apoio dos pais, ou seja, não perder o interesse, não relaxar, se surgirem dificuldades nas aprendizagens tentar entender como fazê-las melhorar.

4. Fazer promessas vazias e falsas
Conhecemos a alegria e o entusiasmo de alguns dos alunos ao falar sobre um evento especial prometido por seus pais mas também sabemos da decepção quando não cumprem as promessas. Este comportamento repetido leva à desconfiança dos pais e ao descrédito nas suas promessas.

5. Outro erro é os filhos não acompanharem a família quando os pais têm alguns dias de férias, a menos que de todo seja impossível. Estes dias de faltas à escola são recuperáveis... e a experiência e o tempo com a família são muito mais importantes.

Até para a semana. 


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E é ainda por isso que não faz sentido continuar a haver quem ache que a família educa e a escola ensina. Como tenho escrito, há muitas áreas do currículo em que deve haver colaboração, ou seja, em que há aspectos específicos da responsabilidade dos pais ou dos professores mas também aspectos comuns: o que se pode fazer em casa é completar o que faz a escola e, noutros casos, a escola complementa o que se faz na família.


 
 
Rádio Castelo Branco


 

04/09/23

Jovens que gostam de música antiga


Fui ao concerto final, em 2 de setembro, dos Cursos Internacionais de Música Antiga - CIMA 2023, na Sé de Idanha-a-Velha

Não deixa de ser curioso que no meio de tanta agitação, diversidade de apelos do que está na ordem do dia, do consumo, dos media, e do vazio... haja jovens que se interessem e gostem de música antiga e que venham estudar num sítio longe dos grandes roteiros turísticos de Verão. Um grande aplauso só por isto.

"Barroco. Esta palavra vaga, de ressonâncias pejorativas, encontra-se revalorizada, nos nossos dias, sob a forma mais autêntica e mais refinada. Mais ou menos conhecida do público, antes de 1950, a música barroca tornou-se o objecto mais precioso de deleite do amador esclarecido: encontram-se contrastes inesperados, coros de anjos, timbres raros, e a indústria do disco procura nela best-sellers." (História da Música Clássica, vol I, Barroco e Classicismo, pag. 27)

Do programa fizeram parte:
Valentini, Giuseppe (1681-1753)
Hotteterre, Jacques-Martin (1674-1763)
Telemann, Georg Philipp (1681-1767)
Senaillé, Jean Baptiste (1687-1730)
Boismortier, Joseph Bodin de (1689-1755)
Monteverdi, Claudio (1567-1643)
Leclair, Jean-Marie (1697-1764)
Chedeville, Nicolas (1705-1782)
Bach, Johann Sebastian (1685-1750)
Rameau, Jean-Philippe (1683-1764)

Uma das peças apresentadas foi "Les Indes Galantes" ("Forêts paisibles") de Jean-Philippe Rameau.





28/08/23

A lei da saúde mental – justiça e segurança


A lei da saúde mental (Lei 35/2023, de 21 de Julho) entrou em vigor a 20 de Agosto, substituindo a Lei n.º 36/1998, de 24 de Julho. O governo publicou esclarecimentos (perguntas e respostas) sobre as consequências da entrada em vigor desta lei, o que é de grande utilidade para tirar dúvidas e também reduzir a preocupação face ao possível alarme social que possa estar implicado na execução da lei.
Uma das consequências diz respeito às pessoas inimputáveis a cumprir medidas de segurança de privação de liberdade, resultante da revogação do n.º 3 do artigo 92.º do Código Penal, eliminando a possibilidade de prorrogação indefinida da medida de segurança de internamento de inimputáveis.
O governo diz também que “está em avaliação um conjunto amplo de respostas, buscando-se sempre a mais adequada às necessidades individuais de cada caso": reinserção em meio familiar, pela instalação em estruturas residenciais, pela colocação em instituições de saúde ou em unidades da rede de cuidados continuados integrados de saúde mental, ou ainda, para quem não disponha de residência nem de apoio familiar, por uma resposta habitacional através da Segurança Social.
No caso das pessoas que necessitem de manter acompanhamento de saúde mental, este será sempre assegurado pelos serviços locais de saúde mental da área da residência.
Nos casos em que, devido à doença mental e à recusa de tratamento, a pessoa possa representar um perigo para si própria ou para a sociedade poderá ser decretado pelo tribunal uma medida de tratamento involuntário, incluindo internamento involuntário.

A nível nacional, há 432 cidadãos considerados inimputáveis, seja no âmbito prisional ou em hospitais públicos. Com a entrada em vigor da lei, e por decisão dos tribunais, vão ser libertadas 46 pessoas internadas.
Embora haja ainda um estigma sobre a doença mental, o problema é real, grave e sempre o mesmo: haver respostas sociais e de saúde nas comunidades onde estas pessoas são integradas que possam garantir a coexistência de uns com os outros, de vítimas e agressores.
Se 75% dos reclusos regressam ao crime, podemos avaliar o muito que há a fazer na comunidade quer nos casos de imputabilidade quer nos casos de pessoas condenadas a pena de prisão e de segurança. Ora, como sabemos, a nível da saúde e da saúde mental há falhas generalizadas no atendimento das pessoas com perturbações mentais perigosas ou não. Assim sendo, pode dar-se como adquirido o pressuposto de que a estabilidade do sistema de saúde esteja garantida? Temos que acreditar que os serviços e técnicos estão a tratar o assunto de forma exigente, articulada e completa tendo em vista a paz social. 

As neurociências, as terapias farmacológicas e psicológicas têm feito progressos mas, como refere António Damásio, "a tragédia actual é o facto de estarmos ainda a começar a entender estas facetas das doenças neurológicas e de muito pouco termos a oferecer em termos de tratamento.“ (A. Damásio, (2010), O livro da consciência - A Construção do Cérebro Consciente, p. 348)
“O facto de haver explicações biológicas para os comportamentos sociais anormais não significa que a sociedade não se deva proteger.” (Hanna Damásio, 3(2003), “O Cérebro e as alterações do Comportamento Social, in OA, nº 29 Especial, O cérebro entre o bem e o mal, p. 28.)
E, por isso, se fazem sentido alterações à lei para que haja justiça para estas pessoas quando chega ao fim a sua pena, e a sua doença mental está estabilizada, não devemos esquecer a criação e articulação de respostas sociais e de saúde eficientes e eficazes, para que não haja roturas no seu acompanhamento e possa haver confiança e garantia de estabilidade na comunidade.




Rádio Castelo Branco




10/08/23

Redes sociais - que fazer ?


"O perfil do utilizador com dependência online severa tem entre os 16 e os 21 anos, é homem, com frequência do secundário, começou no mundo online aos oito anos, não pratica exercício físico, tem um rendimento escolar mais baixo, não namora, está mais de seis horas diárias na internet, envia e recebe dados íntimos (sexting), joga online e é vítima ou agressor (cyberbullying)." (Estudo coordenado por Ivone Patrão)

Para enfrentar esta realidade e para fazer respeitar os direitos das crianças é necessário criar instrumentos que ajudem as famílias a utilizar os meios digitais.
O ambiente digital, as redes sociais, têm vindo a ganhar maior influência junto de crianças e adolescentes. As mensagens de ódio, o ciberbullying, os comportamentos de risco que estão envolvidos na utilização das redes sociais exigem que se tomem medidas de prevenção e educação nas famílias para que se possa utilizar os meios digitais de forma saudável. Esta plataforma é um desses instrumentos.


"Da iniciativa de investigadores com pesquisa sobre a área dos meios digitais e de comunicadores de ciência, a plataforma Crianças e Adolescentes Online (CriA.On) visa incentivar o diálogo com famílias e com profissionais de educação, de saúde e bem-estar, juristas e todos os que acompanham crianças e famílias nas suas áreas de atuação."

Este parece ser o caminho certo para, responsavelmente, cada indivíduo, cada família, possa saber como autodirigir-se em relação aos meios digitais. A censura, a polícia da linguagem e do pensamento, a falsa comunicação inclusiva, a monitorização dos discursos de ódioa nova censura, são falsas soluções, tão perigosas para a liberdade e a democracia como aquilo que se quer evitar.


 

28/07/23

Os sonhos dos jovens



 

Acontece por estes dias a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), não só em Lisboa mas por todo o país mesmo nas aldeias mais recônditas. 

Conforme refere a Organização da Jornada, a “Jornada Mundial da Juventude (JMJ) é um encontro dos jovens de todo o mundo com o Papa. É, simultaneamente, uma peregrinação, uma festa da juventude, uma expressão da Igreja universal e um momento forte de evangelização do mundo juvenil. Apresenta-se como um convite a uma geração determinada em construir um mundo mais justo e solidário. Com uma identidade claramente católica, é aberta a todos, quer estejam mais próximos ou mais distantes da Igreja.”


Há 37 anos (1986) realizou-se a primeira JMJ. Os adultos de hoje foram os jovens dessa Jornada. Entretanto, aconteceram grandes mudanças principalmente a nível da comunicação. Para o pior e para o melhor. Será que motivação idêntica caracteriza os jovens dessa altura e os de hoje? O que é ser jovem em 2023? O que mudou e se mantem nos sonhos dos jovens? 

Como nesse tempo, os jovens estão perante opções de vida fundamentais, hoje ainda mais difíceis de tomar do que antes. As armadilhas em que tropeçam são muitas e oscilam entre as falinhas mansas de que a felicidade está ao virar da esquina e as profecias climáticas, culpando tudo e todos e negando-lhes o futuro, entre o facilitismo na educação em que deixa de haver exame a matemática num curso de ciências e a ideologia de género dizendo-lhes que eles podem ser aquilo que quiserem, e a incultura woke que lhes proíbe as suas raízes culturais e pratica o cancelamento, a higienização, a censura, a proibição de livros e o proselitismo.


Não sabemos muito bem o que é a juventude e o que são os jovens. A “juventude” é segundo a ONU uma categoria fluida e mutável. Ser jovem pode variar muito em todo o mundo. O critério etário não é preciso, se "jovens" são pessoas entre 15 e 24 anos, por outro lado também define criança até aos 18 anos. Por vezes considera-se a juventude até aos 29/30 anos... 

Segundo a ONU os jovens manifestam a imaginação, a criatividade e a energia que são vitais para o desenvolvimento contínuo das sociedades. 


Seja como for, aquilo que continua a ser importante, antes e agora, é que os jovens sejam capazes de atingir estádios de desenvolvimento cognitivo e moral (estádio das operações formais e estádio pós-convencional) que lhes permitam ter capacidade para determinar o certo e o errado, com base em parâmetros sociais democraticamente pré-estabelecidos, compreender que as leis são como contratos sociais e não imposições rígidas e imutáveis feitas seja por quem for, políticos, influencers, gurus, wokistas, e ainda ter a capacidade de resistir à arregimentação e às investidas do proselitismo.

Se a JMJ contribuir para o desenvolvimento da autonomia dos jovens de forma a permitir que emocional e racionalmente se tornem pessoas dirigidas por princípios éticos universais, a JMJ terá valido a pena. Os sonhos dos jovens serão realizados se esta sólida formação moral estiver nos seus objectivos.

 

 



20/07/23

A contribuição audiovisual (CAV) e as galinhas


taxas de licenciamento de televisão em vários países. A avidez de qualquer Estado por impostos e aumento de impostos, taxas e taxinhas, é bem conhecida de todos os contribuintes e não pode ser ignorada pelo orçamento. Habituaram-se a taxar tudo o que mexe, como diz a cantiga dos Beatles "Taxman". O taxman é muito competente mesmo para aqueles serviços  que pouco ou nada têm a ver com o estado como é o caso das auto-estradas, das empresa municipais de água e saneamento, de estacionamento, de gestão de parques piscinas, da cultura...

Em Portugal, a contribuição para o audiovisual é paga através da EDP. E isso torna-a diferente da taxa existente anterior a 1992 uma vez que o pagamento ficou dependente de ter electricidade "em casa". Na realidade, afinal, não é so em casa. Como se sabe a taxa surge discriminada na factura da electricidade e custa € 2,85 (€ 3,02, com IVA), por mês, ou o dobro se recebe a conta de dois em dois meses. Por ano, são 36,24 euros.
Há isenção só para consumos muito reduzidos. Os consumidores com um consumo anual de energia até 400 kWh estão isentos de contribuição audiovisual.

Porque será que a taxa de televisão (CAV) passou a ser paga desta forma, ou seja, através da factura de electricidade? Só há uma razão: fazer com que não haja evasão da taxa de licenciamento de TV.
O mesmo se pode perguntar em relação à falta de pagamento das taxas de autoestrada: porque têm as finanças de se meter no assunto e não o serviço de contencioso da respectiva empresa?

O partido Iniciativa Liberal elaborou o Projeto de Lei n.o 285/ XV/ 1.a - proposta de eliminação desta contribuição audio visual (CAV) para baixar a factura da electricidade.
A proposta da IL de eliminação da contribuição audiovisual (CAV) pode fazer sentido  pelo  motivo  invocado pela IL (baixa da factura de electricidade) mas também por outros motivos: 
a) Se calhar já não faz sentido haver televisões e rádios generalistas estatais e devia pertencer a um sistema estatal apenas aquilo que respeita a arquivos e documentação (rtp memória), um canal cultural (como a rtp2/antena 2) ou um canal tipo parlamento... tudo o que não acrescente ao privado nada de substancial é porque deve ser privado. Ou então pago pelo Estado ou pela publicidade. Mas, ah e tal... não há mercado para tantos canais, não há publicidade que torne a empresa sustentável ... Ah bom! isso então é outra coisa e, portanto, devem ser as nossas "contribuições" a pagar? Ok, tudo bem mas então fiquem com esse ónus...
b) Há pessoas que não têm tv e também não ouvem rádio porque não querem porque não gostam, porque não lhes interessa. Muitas pessoas subscreveram serviços de comunicações multimedia (meo, nos...) muitas outras pessoas também pagam Internet e, além disso, pagam canais de televisão por assinatura e serviços de streaming (Netflix...) e vêem apenas a informação que elas próprias seleccionam de forma activa.
Assim, a grande maioria das pessoas já paga o fornecedor de tv e internet e ainda tem que pagar a tv estatal já que os outros canais vivem com as suas próprias receitas.
c) Além disso, há pessoas que não é só "em casa" que têm electricidade. Há pessoas que além da casa têm uma garagem, uma horta...  e têm que pagar taxa de cada um dos contadores eléctricos. Na horta pode ser suprimida mas é necessário ter um projecto agrícola!
d) "Em suma, parece não ser defensável que a CAV seja de facto uma taxa, da mesma forma que me parece improcedente que sobre um imposto incida outro imposto, ou seja, a CAV é, na verdade, pela sua concepção, tal como hoje a conhecemos, um imposto em que não se adivinha ser passível de lhe acrescer um outro, como seja o IVA." (Sérgio Guerreiro, Observador, 16-2-2023) 

Se a proposta da IL não vingar, como era acertado que acontecesse, então o pagamento da taxa/imposto devia ser alterado. Em vez de se pagar por contador eléctrico podia ser, por exemplo, por agregado familiar, com eliminação do IVA.
O descaso desta situação leva-me até a pensar em instalar uma televisão no galinheiro da horta onde vivem as criaturas que podem aproveitar com a excelente programação e aborrecer-se menos com a vida.







06/07/23

Construir boas memórias




A nossa mente vai construindo, ao longo do tempo, memórias boas e más ou, se quisermos, positivas e negativas, da nossa vida. Há memórias que se mantêm durante muitos anos. Outras são apagadas e não fica rasto delas. 
Sem dúvida, é de relevar o papel que a memória tem na nossa saúde mental. As memórias recorrentes, involuntárias, intrusivas, perturbadoras fazem parte do quadro de sintomas da perturbação de stress pós-traumático. São memórias de vivências negativas que não nos deixam dormir, que não nos deixam viver a vida de forma activa, criativa, e que pelo seu peso perturbador exigem acompanhamento psicológico.
A emoção tem um papel crucial na construção das nossas memórias. A emoção não é o único factor que afecta a memória e não afecta apenas a memória. Mas face a um estado emocional intenso todo o sistema cognitivo (percepção, atenção, memória, raciocínio, linguagem e tomada de decisão) é afectado.

Ao relevarmos os efeitos negativos, esquecemo-nos da importância que as memórias positivas podem ter na nossa felicidade: como a memória, quando éramos pequenos, da comida feita pela avó, do cheiro das árvores da quinta, dos momentos especiais de convívio com os amigos...
É isso - as boas memórias - que faz juntar as pessoas em encontros periódicos. O encontro anual é um bom exercício de memória, como penso que são todos os encontros em que comemoramos o tempo de vida em comum, encontros de ex-militares, de ex-colegas de liceu....
Por isso, é tão importante (re)lembrar e reviver as boas memórias de tempos e espaços emocionais tão intensos, ao mesmo tempo que reforçamos a recordação dessas memórias.

Uma das boas memórias que todos sentimos passa pela música e pelo muito tempo que permanece connosco... Em Musicofilia (Oliver Sacks) vemos como mesmo quando aparecem doenças como a doença de Alzheimer, permanece a memória da música e somos capazes de a interpretar.
As memórias que mais perduram são as que estão ligadas a uma vivência emocional intensa e a música está relacionada com as emoções.

É também isso que faz juntar "Os Leões de Madina". Madina Mandinga, uma mensagem de paz e amor no meio da guerra, como atesta o Cancioneiro de Madina de que o hino da Companhia é o melhor exemplo: 
Nós somos Primavera 
Gostamos de cantar!
Nos somos juventude 
Nascemos para amar!
Nós queremos Amar
Toda a gente da terra!
Não queremos mais fome 
Não queremos mais guerra!

Boas memórias são a presença dos que se reencontraram em Tarouquela mas também a presença dos ausentes, dos lugares vazios: os que já não se sentam à mesa, os que não resistiram na caminhada, e também os que não se sabe onde estão ou nunca tiveram interesse em participar.
Como tive oportunidade de dizer, este foi um dia muito feliz para mim por ter reencontrado tanta gente boa, mesmo que esquecendo alguns dos seus nomes, que não de momentos inesquecíveis. Fui lá recordar memórias felizes e ver como as emoções tão intensas daquele tempo nos vincularam até aos 49 anos da comemoração. E, acreditem-me, interessam-me apenas essas boas memórias. Sim, o sofrimento, as separações, fizeram parte delas mas o tratamento humano que era regra naquela Companhia, relevam em relação a todos os episódios que cada um de nós tenha na sua memória mesmo que tenham sido apagados na memória dos outros. Foi um dia bonito e feliz e isso é que conta para a vida. 

Como me senti confortável com esta gente com quem partilhei aqueles momentos de 1973/74!  Como foi bom rever todos aqueles companheiros em quem sentíamos apoio e superação no esforço de todos os dias para sobrevivermos à guerra que nos roubava a juventude. 
E agora tantos anos depois, cada dia é mais uma prova de superação das dificuldades que uns vivem mais do que outros mas que também radicam lá no passado.
Como fiquei grato por me terem dado a honra, juntamente com o ex-alferes Baptista, de ter partido e partilhado o bolo de mais este aniversário!







26/06/23

Terapia da natureza



Parque da Cidade - Mata dos Loureiros - Castelo Branco



Viver em meio rural pode ser uma desvantagem mas também um privilégio: a natureza está mesmo ao pé da porta. Basta andar umas dezenas ou centenas de metros e temos a natureza em pleno, nas hortas e nas quintas que dão continuidade ao espaço urbano.
Os cientistas têm vindo a investigar a influência da natureza no nosso cérebro, concluindo que o tempo passado ao ar livre não é um luxo, mas sim uma necessidade básica dos seres humanos - e até pequenas «doses» de natureza podem tornar-nos mais criativos e deixar-nos mais bem-dispostos. (Florence Williams, A Natureza Cura)
O que nos faz deslumbrar perante um pôr-do-sol, acalmar sob a refrescante sombra de uma árvore, relaxar perante uma paisagem ou quando olhamos o azul do mar? O que nos faz acalmar ao ouvir o canto dos pássaros?
Todos já tivemos essas experiências e sabemos que estas situações possibilitam o descanso do cérebro, geram em nós equilíbrio, chamam tranquilamente a nossa atenção.
“As cenas naturais embalam-nos num “suave fascínio” ajudando a fazer descansar as nossas faculdades de atenção direta ... Com esta recuperação, ficamos mais descontraídos, podendo depois realizar melhor as tarefas do foro mental.... a exposição aos ambientes naturais consegue diminuir de imediato os níveis de ansiedade e tensão podendo nós depois pensar com maior clareza e ficar mais alegres.” (p. 60) Sem dúvida, a natureza cura, a natureza torna-nos mais felizes, mais saudáveis e mais criativos.

As vantagens físicas e mentais de viver a vida ao ar livre são evidentes. Há, actualmente razões validadas pela investigação (Maria Pinheiro, "O ar livre faz bem à saúde: 8 razões para sair de casa", PH+, nº 20), de que a vida nos espaços exteriores têm vantagens para a nossa saúde: 
- Estimula a produção de vitamina D. 
- Melhora a saúde mental.
- Diminui o stress. 
- Aumenta a concentração e potencia o desempenho académico. 
- Melhora a visão. 
- Reduz a inflamação e estimula o sistema imunitário. 
- Melhora a qualidade do sono. 
- Retarda o envelhecimento. 

A ecoterapia, ou terapia natural, baseia-se no conceito de usar a natureza para nos ajudar a curar, especialmente psicologicamente. 
A prática desta terapia é tanto mais importante quanto sabemos a dificuldade que temos em deixar de estar online e de nos libertarmos do audiovisual - tv, videojogos... podendo em vez disso beneficiar do ambiente natural.
A responsabilidade de viver de acordo com este ambiente natural, é essencialmente nossa...
No entanto, as autarquias têm aqui uma particular responsabilidade. Não podem ignorar estes dados relativamente à qualidade de vida que pode ser devolvida pela natureza quando cuidamos dela, criando espaços verdes, zonas de lazer, que são autênticos espaços terapêuticos. *
Nas zonas rurais, quando éramos crianças, tudo isto era mais natural e havia uma integração social e comunitária que permitia aproveitar os benefícios que a natureza oferecia. 
Entretanto, as condições sociais mudaram drasticamente e, por isso, a criação de equipamentos colectivos quando necessários deve ter em conta as novas realidades, principalmente, a nível da segurança... 
Estamos no Verão e as férias estão a chegar. Podemos aproveitar os benefícios que a natureza nesta altura é tão pródiga em nos oferecer.


Boas férias, com muita saúde.

 

 

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 * Isto não significa que, por questões eleitoralistas, se deva cair na tentação de implantar determinados equipamentos apenas porque é moda: piscinas,  ciclovias,  passadiços, roteiros pedestres, hortas urbanas e comunitárias... que se vão replicando um pouco por todo o lado.

 


Rádio Castelo Branco