01/02/23

Porque hoje é domingo - O palco* das bem-aventuranças


1. O Evangelho do passado Domingo falava das bem-aventuranças. Em 2014, disse  aqui que as bem-aventuranças eram as Regras para uma vida feliz.

Esta perspectiva remete-nos para a Exortação Apostólica Gaudete et Exsultatede  19 de Março de 2018, do Papa Francisco, sobre a chamada à santidade no mundo actual e onde apresenta cada uma das bem-aventuranças como um caminho de felicidade para qualquer pessoa.


2. Martin Seligman é um dos meus psicólogos inspiradores e tenho aqui dedicado muito tempo a espalhar as ideias sobre "felicidade autêntica" e "bem-estar" que podemos resumir nas seis virtudes e nas vinte e quatro forças de carácter que integram a nossa personalidade.

Permitam-me que vá buscar a ideia de forças de assinatura e  integre no inventário de Seligman esta ideia de bem-aventuranças. 

Como refere Francisco: “64. A palavra «feliz» ou «bem-aventurado» torna-se sinónimo de «santo», porque expressa que a pessoa fiel a Deus e que vive a sua Palavra alcança, na doação de si mesma, a verdadeira felicidade.

Ou seja, não se é feliz por se ser pobre ou por chorar ou se sentir injustiçado... a última palavra não é da pobreza, nem da tristeza, nem da injustiça mas da possibilidade que temos de ser felizes no desapego, na mansidão, na compaixão, na justiça, na misericórdia, na pureza do coração e na paz:

- a felicidade da pobreza em espírito e do desapego...

- a felicidade da mansidão num mundo de discussões, agressões, violências...  

- a felicidade que vem da compaixão, de sermos solidários com os que sofrem e de partilhar  as suas dificuldades e as suas dores. 

- «Fome e sede» de justiça que correspondem a necessidades primárias, de sobrevivência. A justiça é, assim, uma necessidade básica nas relações sociais e políticas. 

- A felicidade da misericórdia é o caminho da ajuda, do serviço dos outros, da compreensão e do perdão.

- A pureza de um coração que sabe amar.

- A felicidade que vem do caminho da paz. 

Os bem-aventurados, as pessoas felizes, vivem com autenticidade, questionam e incomodam a sociedade com a sua vida. 

 

3. Ao mesmo tempo, nesta semana, discute-se o palco da Jornada Mundial da Juventude, a pala, o happening, a requalificação, revalorização de uma zona degradada de Lisboa e Loures,  as coisas básicas da vida, como a limpeza, os wc, a água, a comida... e os milhões envolvidos.

Mais uma vez apareceu a falha na organização de um evento desta magnitude. Nada de novo. Simplesmente o espelho da nossa desorganização caseira, dos interesses mesquinhos, político-partidários, de aproveitamento para justificar as próprias posições...   Penso no que esconde a máscara de cada um, desde os responsáveis directos pelas decisões que têm sido tomadas até ao último dos jovens que estão a dar o seu melhor para participarem nesta Jornada. **

O que será que interessa nesta Jornada? Tudo, portanto.  Mas o sentido tem de ser o do caminho que se abre à juventude, do acesso à sua felicidade e bem-estar, numa vida com sentido como o traçado pelas bem-aventuranças.

 

Até para a semana.

 

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* "Ao ver a multidão, subiu a um monte, e, depois de Se ter sentado, aproximaram-se d'Ele os discípulos. Tomando então a palavra, começou a ensiná-los, dizendo..." (Mt, 5)

** Que modelagem temos para apresentar a estes jovens ?

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26/01/23

A dor humana e a saúde emocional

Enxaqueca ocular e visual: causas e sintomas | All About Vision


Vivemos numa permanente crise das instituições de saúde (1) a par da nossa própria fragilidade resultante da idade, da doença, das preocupações próprias das várias etapas da vida.

Esta incerteza acrescenta ansiedade às nossas actividades, emoções, sentimentos... Adoecer é, verdadeiramente, ansiogénico. E não me refiro à nosofobia ou à hipocondria.

Obter um diagnóstico reduz a ansiedade a menos que o prognóstico seja pessimista. A tranquilidade  que pode vir de um diagnóstico ou da compreensão dos nossos sintomas, do nosso sofrimento, pode ser libertadora e tranquilizadora. (2)

 

A dor no peito é das mais ansiogénicas por ter origens muito diversas e ser um sinal de maior ou menor perigo para a saúde e para a vida. Pode ser, por exemplo, de causa cardíaca, resultar de refluxo gastroesofágico... ou resultar de ansiedade. Pode acontecer que ao fim de muito tempo e de muitas dores, consiga perceber o que se passa consigo e obter um diagnóstico correcto.

Entretanto, viverá em grande ansiedade, passará, eventualmente, por situações de pânico (DSM), até que seja feita a compreensão do seu problema e a origem do seu sofrimento. 

Tal como acontece com o rendimento escolar, a ansiedade afecta o rendimento escolar e, por sua vez, a falta de rendimento provoca ansiedade. (Ansiosa-mente, Pilar Varela)

 

Sabermos lidar com a nossa dor depende muito da compreensão do que lhe dá origem, do diagnóstico clínico e, se necessário, de uma segunda opinião. (3) É isso que os doentes procuram nos serviços de saúde: uma explicação para o que se passa com a sua saúde/doença. Muitas vezes não obtêm resposta. Mas, como disse Galileu, "E pur si muove". Ou seja, a dor está lá.

Às vezes, os comentários de pessoas, familiares e de profissionais de saúde não são razoáveis: “Pois você nao tem nada”, “isso é psicológico” ou, traduzido em termos populares, "isso são manias"... que são outras tantas maneiras de ser insensível a quem sofre.

Mesmo que o problema seja psicológico, o sofrimento psicológico é real e as pessoas têm que ser compreendidas e respeitadas no seu sofrimento.

 

Se a pessoa toma a decisão de arriscar ir às urgências, ainda menos razoável é a culpabilização de estar a atrapalhar o serviço com uma “falsa urgência”. (4)

Haverá alguém que tenha prazer em ir à urgência, passar uma tarde, uma noite, uma manhã no hospital, ser picado para análises, colocar um catéter... ver o sofrimento, o choro, os gritos, os gemidos dos outros doentes... no fundo o ser humano em sofrimento que é o que para mim se passa numa urgência ?

Na realidade, estas pessoas não têm alternativa, não têm médico de família, não têm consulta nos Centros de Saúde ou USF, ou nos médicos particulares, vivem momentos de dúvida sobre o que fazer... não têm quem as ajude a suportar a sua dor física ou psíquica... (5)

 

A dor é uma experiência sensorial e emocional extremamente desagradável e perturbadora do equilíbrio pessoal e social. (6)

Pode ser evitada e ultrapassada em muitas situações e, por isso,  Já era tempo de criar as condições técnicas, financeiras e humanas para cumprir o direito à saúde previsto na Constituição. (Artº 64.º )

 

Até para a semana.

 

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(1) Todos os dias há notícias (por ex.) sobre o encerramento de maternidades, a falta de médicos ginecologistas, as listas de espera para exames e cirurgias, a falta de profissionais nas equipas, das imensas horas de espera para  marcação de consultas nos Centros de Saúde... 


(2) Um exemplo pessoal. Eu não sabia o que é uma aura visual. Foi assustador até ao dia em que percebi que havia enxaquecas sem dor. Como é o caso da aura visual que de vez em quando, nos momentos mais díspares, me assustava e assusta, não me deixa ver com nitidez e ler fica difícil, durante 15-30 minutos.


(3) Este direito está descrito no Código Deontológico dos Médicos assim como na Carta dos Direitos e Deveres dos Doentes. Contudo, um circuito de segundas opiniões não está ainda totalmente definido, como tem vindo a tentar fazer o Ministério da Saúde. 

E era muito importante. Evitava alguns diagnóstico errados e poupava dinheiro ao sistema de saúde, quando por exemplo pode resolver o problema com soluções menos intrusivas muito mais facilmente reabilitáveis e muito mais baratas.


(4) O sistema de triagem de Manchester  nao poderá ser alterado e ou melhorado? É o que parece indicar a  investigação do Hospital de S. João que desenvolve protótipo de monitorização de dados vitais dos utentes em espera na Urgência.

Ou não será possível melhorar a organização do sistema de saúde ? Pelos vistos é: O Diretor da urgência do Santa Maria alerta para falhas no encaminhamento de doentes. Claro que a montante o funcionamento deveria ter outra eficiência...


(5) Um Centro de Saúde que obriga um doente a deslocar-se para a bicha, às 5 ou 6 horas da manhã, para marcação de uma consulta não é concebível nos dias de hoje. Para além de desumano é o cúmulo da incompetência... Até para fazer a inspecção  de um carro se é mais bem atendido. Para marcar uma inspecção de um carro basta telefonar ou com dois ou três cliques fazer a marcação pela internet. Tenham dó!

 

(6) A Organização Mundial de Saúde (OMS) define saúde emocional como um estado de bem-estar onde o indivíduo realiza suas próprias habilidades, lida com os fatores estressantes normais da vida, trabalha produtivamente e é capaz de contribuir com a sociedade.

 


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19/01/23

Abide with me


Abide With Me (King's College Choir, Cambridge)

Compositores: Henry Francis Lyte / Will Henry Monk




Fica comigo, cai rápido o entardecer 
Abide with me, fast falls the eventide 
A escuridão  aprofunda-se Senhor, fica comigo 
The darkness deepens Lord, with me abide 
Quando outros ajudantes falham e os confortos fogem 
When other helpers fail and comforts flee 
Ajuda dos desamparados, oh, fica comigo
Help of the helpless, oh, abide with me
Rápido ao seu fim diminui o pequeno dia da vida 
Swift to its close ebbs out life's little day 
As alegrias da Terra diminuem, suas glórias passam 
Earth's joys grow dim, its glories pass away 
Mudança e decadência ao redor eu vejo 
Change and decay in all around I see 
Ó Tu que não mudas, fica comigo
O Thou who changest not, abide with me
Não temo nenhum inimigo, contigo à mão para abençoar 
I fear no foe, with Thee at hand to bless 
Os males não têm peso e as lágrimas não têm amargura 
Ills have no weight, and tears no bitterness 
Onde está o aguilhão da morte? 
Where is death's sting? 
Onde, sepultura, tua vitória? 
Where, grave, thy victory? 
Eu triunfo ainda, se tu permaneceres comigo
I triumph still, if Thou abide with me
Segura Tua cruz diante dos meus olhos fechados 
Hold Thou Thy cross before my closing eyes 
Brilha através da escuridão e aponta-me para os céus 
Shine through the gloom and point me to the skies 
A manhã do céu rompe e as vãs sombras da terra fogem 
Heaven's morning breaks, and earth's vain shadows flee 
Na vida, na morte, ó Senhor, fica comigo 
In life, in death, o Lord, abide with me 
Fica comigo, fica comigo
Abide with me, abide with me



18/01/23

A ética e a habituação



Ética (do grego ethos) e moral (do latim mores), têm o significado de costume. Estão relacionadas e associadas mas também têm sentidos distintos: os seres humanos, enquanto seres sociais, regem-se pelos valores morais do grupo a que pertencem, valores transmitidos de geração em geração e impostos como uma obrigação; a ética como reflexão sobre a moral, pode aprovar ou contestar esses valores.


Na nossa vida, perante as várias dimensões da realidade, temos necessidade de tomar decisões e de praticar determinados actos, de forma livre  e  consciente, que estejam de acordo com valores morais e éticos que são o critério da acção.

Normalmente, ao longo da vida, passamos de uma moral heterónima para uma moral autónoma, como refere a psicologia do desenvolvimento humano. Ao desenvolver a capacidade de discernir os valores éticos e morais presentes na acção humama espera-se que o comportamento de um adulto seja diferente do de uma criança e se situe pelo menos num estádio de desenvolvimento moral característico do grupo etário a que pertence. Cada adulto pode posicionar-se em estádios de desenvolvimento inferiores ou superiores à sua idade. Há adultos que parecem crianças e crianças já demasiado adultas em relação aos valores morais.


O que é mais difícil de perceber é que haja pessoas que pelo facto de terem uma determinada posição sócio-política, possam definir-se, como os comunistas que se afirmam de um escol moralmente superior ao dos outros, ou os socialistas que  sempre que é necessário puxar das credenciais da moralidade, se afirmem possuídos por uma  ética republicana.

A realidade tem mostrado que não é pelo facto de perfilhar uma determinada ideologia ou de pertencer a uma associação politica que se é moralmente  inferior ou superior. O comportamento moral e eticamente responsável depende mais de cada um de nós do que da pertença a um partido político, a um grupo social, a uma visão da sociedade. A parábola do bom samaritano ilustra de forma maravilhosa este ponto de vista... 


O desenvolvimento moral (Piaget, Kohlberg) não é estático, faz-se lentamente ao longo do tempo, passando de um nível pré-convencional e convencional para um nível pós-convencional, ou seja, a ética e a moral  de um indivíduo podem estar num estádio de desenvolvimento consentâneo com as normas e as leis da sociedade - Nivel convencional, estádio 4 -  mas  nem tudo o que é legal pode ser considerado dentro da ética, estando, por isso, fora do nível de desenvolvimento normal que se espera.

 

Também é difícil de perceber que quem se diz da ética republicana, também diga: “habituem-se” à actual governação. A ética republicana é compatível com o “habituem-se?”

A habituação é uma forma poderosa de aprendizagem, considerada como uma segunda natureza (Aristóteles); os hábitos das pequenas ou grandes coisas podem  trazer mudanças na nossa vida para o bem ou para o mal, conforme se trata de bons ou maus hábitos.

Aquilo que é sugerido como “habituem-se” pode ser traduzido, mais ou menos como: ver-ouvir-comer-calar. Ora este não é um bom hábito. É um vício  imoral e de falta de ética, é um processo de aprendizagem de comportamentos de submissão a uma doutrina política.

Ao contrário, os bons hábitos a aprender serão a autonomia, a independência, a crítica rigorosa, a solidariedade, a justiça...  em resumo, os direitos humanos que devemos habituar-nos a respeitar.


Concluindo, a ética não é compatível com a habituação à obediência cega e irracional. Pelo contrário, a  ética é a prática dos bons hábitos e costumes. 

Agora entendam-se: se temos ética republicana não nos digam: "habituem-se". Ou se querem que a gente se habitue esqueçam a ética republicana e, de certeza, a ética, simplesmente.

 

 

Até para a semana.





 





31/12/22

Bento XVI - Por amor


" O amor é a vida. O amor é síntese, a morte é dissolução. Quem encontrou o amor pode dizer: "Encontrei a vida". A inversão do processo da morte, numa passagem para a vida, realiza-se na conversão da cupidez ao amor. O Cristianismo é conversão ao amor divino, portanto, ao amor fraterno e, por conseguinte, passagem da morte à vida."



24/12/22

Nesta noite de Natal


Marc-Antoine Charpentier
Excerto do concerto do Coro Comtradição, em 17-12-2022, Direção: Rui Teixeira
na Igreja de S. João de Deus, Lisboa.

Bem casado está José
com a filha de Jessé.
Grande novidade era
Ser virgem e mãe que espera.
Deus bem sabe que assim é:
Bem casado está José.

Joseph est bien marié
à la fille de Jessé.
C'était chose bien nouvelle
D'être mère et pucelle.
Dieu y avait opéré:
Joseph est bien marié.





17/12/22

"A vida apenas, sem mistificação" (2)




A Assembleia da República aprovou  a semana passada (9-12-2022) a lei que  regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível, conhecida como prática da eutanásia.

Assim sendo, continuo a defender o direito à vida como já aqui  fiz  algumas vezes ("A vida apenas, sem mistificação" e Morrer). 


Como sabemos, há diversas posições sobre o assunto. Hoje refiro uma delas, a de Lucien  Israël, médico oncologista  e não crente, que no livro “Contra a eutanásia” explica porque não podemos aceitar a eutanásia. 

No original, o livro tem o título de “Os perigos da eutanásia”; trata-se de ser contra a eutanásia  mas, mais do que isso, de apontar para os perigos que ela representa.

Um desses perigos é a normalização: convenciona-se que há um grupo de pessoas  que podem ser excluídas da sociedade através da eutanásia e o assunto  passa a ser uma questão normal para a sociedade.

Para Lucien Israël, e cito, é “o desabamento da cultura ocidental... a eutanásia  legalizada representa a rutura do laço simbólico entre gerações: filhos e netos e, doravante, bisnetos – já que vamos tornar-nos uma sociedade a quatro gerações - saberão que podem desembaraçar-se dos idosos. No momento em que esta perspectiva se admitir e se tornar objecto de uma forma de consenso social, os mais jovens não poderão deixar de considerar os mais velhos como objetos para deitar fora.” (p. 98) *

E continua:

“Quanto a mim vejo em tudo isto o reflexo de um enfraquecimento dos laços existentes, não só entre indivíduos mas também entre as gerações e os grupos sociais. Hoje estão em perigo precisamente os valores que tornam  possível a sociedade. Existe algo indizível que é indispensável à coerência de uma sociedade;  revelador deste indizível é o respeito devido  à  vida e a necessidade de estender até ao fim os esforços para prolongá-la.”

Claro que há uma distinção entre obstinação terapêutica que é procurar todos os meios para manter a vida e o encarniçamento terapêutico quando já não há nada a fazer e que é de rejeitar.

 

Critica aquilo que parece ser moda: “o pedido da eutanásia faz parte do politicamente correto, cujo campo de aplicação se vai ampliando cada vez mais. Agora em alguns ambientes, é boa regra pronunciar-se a favor da eutanásia porque ela constituiria um quadro satisfatório na relação com o próximo.” (p. 102)

 

O utilitarismo continua a fazer estragos; porque um ser humano deixou de ser útil e se torna um encargo para a sociedade passa a fazer parte dos descartáveis.

Sabemos os custos económicos que os idosos, e o seu tratamento, quando adoecem, exigem da sociedade; porém ninguém pode aceitar que a eutanásia seja uma solução económica para resolver um problema da sociedade que, no fundo, está por trás daquilo que alguns chamam uma morte digna.


Neste debate, refere Lucien Israël, “Percebe-se uma incrível arrogância e a certeza de que sabem melhor que os outros o que é conveniente para a espécie humana. Consideram que todos os seus adversários estão de má fé e chegam até a pensar que os médicos que rejeitam a eutanásia escondem uma forma de sadismo que deve ser combatida com veemência.” (p. 114)

Para Lucien Israël, médico e não crente, o médico tem não só o dever de não se render à morte mas também deve infundir no seu paciente a esperança, a confiança, a vontade e a força de lutar. Porque existem doenças incuráveis, mas não existem doenças intratáveis.

 


Até para semana.


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* Como diz Michel Houellebecq: «Uma civilização que aceita a eutanásia não merece qualquer respeito». (Le Figaro, 










07/12/22

Para além da crise e dos especuladores...

 


... As primeiras cegonhas chegaram, hoje, a Castelo Branco.




 

Livros


A época de Natal é também, no calendário anual de eventos de consumo, um tempo privilegiado de que fazem parte os livros. Por esta altura, costumamos oferecer livros de presente, aos amigos e em particular às crianças.  Fui sempre apaixonado por livros e desde muito cedo me interesso pelo saber, conhecimento, novidade, emoção, cultura e tudo o que eles nos transmitem.


Montaigne (1533-1592) dedica um dos seus Ensaios - “Dos livros” - ao assunto. A esta distância temporal, mais de 4 séculos, escreve aquilo que todos nós continuamos a fazer em relação aos livros. Gostamos de uns e não de outros, alguns pomos de lado, por não corresponderem às nossas expectativas, outros, quando chegamos ao fim, achamos que foi tempo perdido... Mas é esta liberdade que importa: podermos escolher e ler o que queremos. Não estarmos sujeitos a qualquer index (1).  Podermos criticar, ler ou deixar de ler...

Escreve Montaigne: “Se quando leio, encontro dificuldades não roo as unhas por isso: após duas ou três investidas deixo-as onde estão...

“Se um livro me aborrece, pego no outro, e só volto a ele nos momentos em que o fastio de nada fazer começa a apoderar-se de mim.”

 

Eça de Queirós (1845-1900), em Cartas de Inglaterra, escreve sobre livrosum capítulo  “Acerca de Livros" e outro sobre “Literatura de Natal”.

Eça escreve que em Inglaterra há uma época (season) para tudo... Como seria de esperar, havia uma book-season, a época do livros. Já nessa altura, Eça se admirava com a quantidade de livros que se publicavam sobre tudo e nada: "Aos romances nem aludo: montes, montanhas - e monturos!"  (p.22) 

Sobre literatura para crianças, escrevia Eça: "Uma das coisas encantadoras que nos traz o Natal, são esses lindos livros para crianças, que constituem a literatura de Natal." (2) 

Os livros mudam as pessoas? Há livros que me mudaram? Em suma, os livros mudam o mundo?  

Dietrich Schwarnitz (1940-2004) em Cultura - inteligência, talento e criatividade, vol. 6, elaborou uma lista de “livros que mudaram o mundo”. Li uma ínfima parte desta lista de livros. Mas li outros. Cada pessoa tem que encontrar a sua lista; são listas subjectivas, como não podia deixar de ser.

É curioso que também apresenta uma lista de “livros para ir lendo” o que faz lembrar a antibiblioteca de que fala Umberto Eco.

Para além da leitura, só por si  terapêutica (biblioterapia), há livros que têm como objectivo a auto-ajuda e nos permitem compreender e mudar o nosso comportamento.

Quando compro livros ando à procura de respostas para o que me preocupa nesse momento. Tenho sempre grande expectativa em ver até que ponto essa preocupação é resolvida ou se aprofunda e debato-me com os caminhos abertos por esse aprofundamento.

 

Claro que hoje há recursos que não havia no tempo de Montaigne ou de Eça de Queiroz. Hoje podemos ver no cinema ou na TV grandes obras de grandes autores que também lemos nos livros como “Doutor Jivago” ou “E tudo o vento levou”, ou um documentário sobre Freud,  o filme do Rei Leão ou a série Spidey e a sua Superequipa...

Mas isto já é outra conversa.

 

 

Até para a semana.

 

 

 

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(1) O Index Librorum Prohibitorum, de 1559, é  considerado por Schwanitz como um dos “livros que mudaram o mundo”; manteve-se em vigor até 1966.

O controle do pensamento não terminou nessa altura, vem até aos dias de hoje. A censura de livros não é apenas do tempo do Index...  é de hoje através do wokismo e do politicamente correcto, da reescrita da história e das estórias, da censura nas redes sociais, Facebook, Twitter,... como se tem visto e que leva o nome de cancelamento.

 

(2) Eça de Queirós tem uma visão desenvolvimentista das crianças e jovens  e, justamente, os livros devem ser adequados aos diversos grupos etários, acessíveis a todos. É o que se passava em Inglaterra:

"Aqui, apenas o bebé começa a soletrar, possui logo os seus livros especiais: são obras adoráveis que não contêm mais de dez ou doze páginas, intercaladas de estampas, impressas em tipo enorme, e de um raro gosto de edição... 

Depois, quando o bebé chega aos seus oito ou nove anos proporciona-se-lhe outra literatura. Os sábios, a barrica, os trambolhões, já o não interessariam; vêm então as histórias de viagens, de caçadas, de naufrágios, de destinos fortes, a salutar crónica do triunfo, do esforço humano sobre a resistência da natureza. 

Tudo isto é contado numa linguagem simples, pura, clara - e provando sempre que na vida o êxito  pertence àqueles que têm energia, disciplina, sangue-frio e bondade...

Depois vêm ainda outros livros para os leitores de doze  a quinze anos: popularizações de ciências; descrições dramáticas do universo; estudos cativantes do mundo das plantas, do mar, das aves; viagens e descobertas; a história; e, enfim, em livros de imaginação, a vida social apresentada de modo que nem uma realidade muito crua ponha no espírito tenro securas de misantropia, nem uma falsa idealização produza uma sentimentalidade mórbida." (p.34-35)


 










01/12/22

"A razão dos avós"





Nos dias que correm educar uma criança é uma tarefa difícil. Não sei se mais difícil do que no passado. Não o seria a pensarmos nas inovações que num lar estão ao nosso dispor mas a vida moderna trouxe consigo novas dificuldades e necessidade de adaptação.

Há um ditado africano que diz: para educar uma criança é necessária toda a aldeia. E assim é.  

O papel dos avós é inestimável e muitos  estão a dar o seu contributo para essa educação como podem, directa ou indirectamente, apoiando financeiramente tomando conta dos netos, levando os netos ao colégio ou à escola, a passear na rua, ao parque infantil...

Por vezes, na rua, cruzo com pessoas que suponho serem avós com os netos e sorrio... Comigo, quando vou com os meus netos, acontece o mesmo e sinto recompensa pelo sorriso destas pessoas. Creio que, no fundo, comunicamos: “está certo o que estás a fazer,  estás a desempenhar uma tarefa linda e importante”. Muitas vezes é uma opção. Encontramos nos netos a nossa missão principal como  ocupação da nova vida de reformados. É também uma grande viagem à volta de nós próprios. E ainda sobra tempo para fazer turismo, passear por aí, fazer hortiterapia e estar com os amigos...

 

Estar com os netos, traz também uma grande compensação ao vermos  como crescem e se desenvolvem, de que fazem parte momentos difíceis e fáceis, de prazer e alegria, de tristeza e ansiedade, de emoção e afeto, de negação e birras. A alegria dos primeiros passos, as primeiras corridas, as primeiras palavras, as primeiras letras, os primeiros números, o  primeiro amigo. 

Como escrevia  Walt Whitman, em tudo isto o menino se transforma e passa a fazer parte dele. 

É a nossa vida que passa para a vida deles. É a continuidade que vem dos antepassados e que está ali a renovar-se em cada dia. Nada paga esta experiência, esta sensação de que fazemos parte da cadeia, somos um elo vital fundamental mas que nos faz aprender a ser humildes perante tanta dádiva de Deus e da Natureza que nos inunda os dias de felicidade.

 

Revemo-nos nas palavras de Daniel Sampaio em A Razão dos avós: “Um momento significativo ocorre quando os avós vão buscar os netos à escola. É curioso observar como o fazem: sem pressas, com tranquilidade, por vezes com algum excesso de gratificação. Contrastam com a ansiedade de alguns pais que chegam a deixar o carro mal estacionado e se precipitam em recomendações e perguntas a que as criança respondem como podem. Os avós chegam cedo, esperam a hora de saída e passam pela pastelaria da esquina onde oferecem o lanche ou contribuem com uns euros para a coleção de cromos.”(p.86)

 

Os avós vivem agora mais tempo e com mais qualidade de vida. Já não correspondem muitas vezes às imagens dos livros e as novas tecnologias são ferramentas que muitos dominam. 

Há toda uma interacção benéfica para ambos – avós e netos -  e não podemos dispensá-la da educação das crianças deste tempo.

 

 

 

Até para a semana.