02/10/20

Desculpas pelo susto climático

Recentemente, “a primeira edição do Prémio Gulbenkian para a Humanidade distinguiu a activista ambiental Greta Thunberg." (1)
O pensamento único sobre alterações climáticas antropogénicas domina a cena política e social a nível mundial, não há, por isso, nada de novo neste quadro “mainstream” assustador.
Porém, como Régio, não vou por aí.
Limpar a ideia de que uma das fontes de financiamento da Gulbenkian veio do lucro do petróleo da Partex não apaga o passado desta instituição, em muitas vertentes de excelência, como, por ex.,  no âmbito cultural e educativo (2) em que supria o estado incumbente... e por isso, merece o apreço de todos os portugueses.
O que é lamentável é que seja mais um caso de revisão da história.

Por outro lado, é precisamente numa altura em que há cada vez mais dúvidas sobre as causas das alterações climáticas que a Gulbenkian atribui um prémio aos assustadores e demagógicos das alterações climáticas antropogénicas...
A área ambiental e a área climática não são minha especialidade mas tenho vindo a interessar-me sobre este assunto e ...”vemos , ouvimos e lemos”...
Em Portugal, os professores Delgado Domingos e Rui Moura, perceberam estas inverdades sobre o clima e, por isso, sofreram dificuldades ao defenderem posições contrárias e críticas ao pensamento único que grassa por todo o mundo. 

Também não deixa de ser curiosa a coincidência da publicação do livro de Michael Shellenberger “Apocalipse nunca: por que o alarmismo ambiental nos prejudica a todos”,  de que li apenas o resumo em artigo que o mesmo elaborou sobre o assunto. (3)
É um livro a pedir desculpa. Escreve Schellenberger: “Em nome de ambientalistas de todos os lugares gostaria de pedir desculpa formalmente pelo susto climático que criámos nos últimos 30 anos. A mudança climática está acontecendo. Não é o fim do mundo. Nem é o nosso problema ambiental mais sério. Eu posso parecer uma pessoa estranha por estar dizendo tudo isso. Sou activista do clima há 20 anos e ambientalista há 30."
"Aqui estão alguns factos que poucas pessoas sabem: 
-Os seres humanos não estão causando uma "sexta extinção em massa" 
- A Amazónia não é "os pulmões do mundo" 
- A mudança climática não está piorando os desastres naturais 
- Os incêndios caíram 25% em todo o mundo desde 2003 
- A  quantidade de terra que usamos para produzir carne - o maior uso da terra pela humanidade - diminuiu numa área quase tão grande como o Alasca 
- O acúmulo de combustível para madeira e mais casas próximas às florestas, não as mudanças climáticas, explica por que existem mais e mais perigosos incêndios na Austrália e na Califórnia.
- As emissões de carbono estão diminuindo na maioria dos países ricos e vêm diminuindo na Grã-Bretanha, Alemanha e França desde meados da década de 1970
- A Holanda ficou rica, não pobre, ao se adaptar à vida abaixo do nível do mar 
- Produzimos 25% mais alimentos do que precisamos e os excedentes de alimentos continuarão a aumentar à medida que o mundo aquecer 
- A perda de habitat e a matança direta de animais selvagens são ameaças maiores para as espécies do que as mudanças climáticas 
- O combustível da madeira é muito pior para as pessoas e a vida selvagem do que os combustíveis fósseis 
- Prevenir futuras pandemias requer mais e não menos agricultura “industrial”.

É isto. Neste momento, há quem atribua prémios por inverdades e quem peça desculpa por essas inverdades. Não é difícil saber a quem atribuir o prémio para a Humanidade.

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(1) A notícia de que a F. C. Gulbenkian tinha premiado a menina Greta levou-me a comentar o acontecimento como "Um nojo!", em 20 de Julho no FB, em relação a um post de Miguel Castelo Branco: "Efeitos colaterais da pandemia. Se o ridículo matasse!.
Também em relação ao post de João Gonçalves: “Decidimos dar um sinal à sociedade, lançando este prémio para a humanidade”, sem a mancha do petróleo a turvar o caminho, contou Isabel Mota.” Quem tem vergonha da biografia notável da instituição a que preside, até repugna as empregadas de limpeza. Um nojo, não o texto mas o que ele revela.Um nojo!", escrevi:
O artigo de Michael Schellenberger censurado pela Forbes, republicado no Quillette, sobre o seu livro «Apocalypse Never: Why Environmental Alarmism Hurts Us All» apresenta alguns FACTOS inconvenientes...
Um nojo!
Schellenberger pede desculpa, Delgado Domingos e Rui Moura, lá do sítio onde estão, devem desmanchar-se a rir!
(2) Sou do tempo das bibliotecas itinerantes da FCG que levavam a cultura possível a todo o país...
(3) Schellenberger escreve um livro a pedir desculpa, atitude rara, mas intelectualmente honesta, num meio em que ninguém pode ter dúvidas e se tiver está sujeito às penalizações dos novos totalitários.









24/09/20

A liberdade de educação é uma questão de cidadania


1. As leis e convenções internacionais e a legislação portuguesa prevêem o direito à liberdade de educação. (1)

2. Desde o início da aplicação da lei de bases do sistema educativo (Lei 46/86, de 14/10) que a instabilidade curricular se tem verificado ao sabor dos governos que entram e saem conforme os resultados eleitorais ou a conjugação de forças políticas daí resultantes.
Foi o que aconteceu com a Área-escola que, em 2001, foi substancialmente alterada, com a criação de três áreas curriculares não disciplinares: Formação Cívica, Área de Projecto e Estudo Acompanhado e, depois, em 2018, novamente alterada com a “disciplina” de “cidadania e desenvolvimento”. 

3. Obviamente não está em questão a cidadania. É anedótico quando dizem que “a cidadania não é facultativa”. Pois não, não é. E é para ser exercida. E por isso mesmo é que faz todo o sentido que haja debate e contestação.

4. Tenho defendido (2) a importância da cidadania activa como um direito de todos os cidadãos, inclusive dos mais desfavorecidos que em certos casos – porque igualdade não é justiça – devem ter acesso a condições especiais de apoios económicos, educativos...

A designação de uma "disciplina" com este nome seria indiferente, não fosse o conteúdo este conjunto de temas, diverso e controverso, imposto centralmente por um governo que, como outro governo qualquer, tem uma determinada ideologia ... (3)

A cidadania é de facto  um aspecto fundamental da nossa vida democrática em que tudo é cidadania  e não apenas uma “disciplina” onde se incluiu uma amálgama de temas tão diversa como o clima ou a educação sexual...

 

5. A contestação tem a ver com a liberdade de educação e a objecção de consciência (4) face aos temas tratados.

Brevemente, vejamos alguns exemplos:

- Basta olhar para o mundo e ver o que se passa na área dos direitos humanos  e da paz em Cuba, nos EU ou na China...

Basta olhar para a visão sobre a paz defendida pelo Conselho Português para a Paz e Cooperação.

O assunto não é novo, depende de modas, lembram-se de quando havia placas na estrada que diziam concelho “livre de armas nucleares” e os pins “no nukes” ?

- As alterações climáticas antropogénicas não são assunto adquirido, embora queiram impor essa ideologia como dominadora de toda a nossa vida desde a alimentação, do bife ao abacate...

- A identidade é sem dúvida um tema importante. A começar na identidade nacional e terminar na identidade individual.

No entanto, sabemos que  subjacente à identidade de género está apenas a  ideologia de género. (5)

 

6. Um conjunto de temas não pode ser considerada em termos curriculares uma “disciplina”.

A construção do currículo é dinâmica mas esta área foi introduzida no currículo exactamente porque o poder actual (a geringonça) considerou que era importante para a sua ideologia.

 

7. Em educação, o diálogo faz sempre sentido, a crítica é fundamental e o exercício da cidadania activa não é apenas um slogan.

O produto curricular a que se chegou não  merece  outra coisa que não seja o exercício da crítica como ponto de partida para melhorar o curículo escolar.(6)

 

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(1) Art. 2° , Direito à instrução, "A ninguém pode ser negado o direito à instrução. O Estado, no exercício das funções que tem de assumir no campo da educação e do ensino, respeitará o direito dos pais a assegurar aquela educação e ensino consoante as suas convicções religiosas e filosóficas." (Protocolo adicional à Convenção de Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais ) 

(2)  Há dez anos, em a resposta vem no dia seguinte  no contexto em que se encontrava a educação, a existência de uma "disciplina" de cidadania, em meu entender, não era problemática, discordando que as chamadas NAC retirassem às artes parte do horário, já de si escasso para educação visual, educação musical... Bem, mas o que não me ocorria era a involução que viria a seguir sobre alterações climáticas antropogénicas, manipulação de comportamentos de consumo e da vida pessoal, ideologia de género, etc... 

(3) No comentário à Lei de bases do sistema educativo, Eurico Lemos Pires refere que o princípio "do impedimento para o Estado de programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas "é um dos princípios constitucionais mais "ridículos", pelo que é de paradoxal e contraditório. A afirmação por exemplo de que "o Estado não está subordinado a directrizes ideológicas", é em si mesmo um paradoxo, pois a afirmação constitui já em si uma directriz ideológica..." Estes princípios "outra coisa não representam senão um conjunto de directrizes filosóficas, políticas e até religiosas (pela não confessionalidade do ensino público)... "(p.25)
 
(4) Sobre a questão da objecção de consciência ver em "Porta da Loja" : "o clube do jornalismo jacobino e progressista de toca a aviar".

(5) Ver António Proa, "ideologia de género e doutrinação nas escolas", Sol21 de Março 2019.

(6) Se não é assim, qual é o papel dos pais e encarregados de educação? Como não terem as atitudes e acções de que fala Benjamin Spock como referi em "o povo é quem mais ordena" ?
 







21/09/20

O segundo passo

Bem-vindos a mais um ano em que espero estar convosco aqui nesta rádio (RACAB), à quinta-feira, com a minha opinião sobre os acontecimentos do quotidiano que tento compreender principalmente do ponto de vista psicológico.

 

Estamos em tempo de grandes mudanças como de resto aconteceu em outras épocas. A vida é feita de mudança e a sobrevivência depende da nossa capacidade de adaptação.

A pandemia veio destapar aquilo que já se sabia como resultado principalmente da política de cativações dos governos Costa /Centeno.

Já todos sabíamos que não era possível responder adequadamente a qualquer crise quando os serviços e equipamentos já eram  deficientes em recursos materiais e humanos com relevo para o sistema de saúde, educação e segurança social...

Acima de tudo, revelou a incapacidade de organização e gestão dos recursos: as listas de espera  cada vez maiores, agendamentos excessivamente burocráticos, teletrabalho nem sempre justificável ...

Por exemplo, sabíamos que no sector da saúde já era complicado haver respostas atempadas,  num contexto de  pandemia covid 19 tudo ficou pior. 

É verdade que os médicos, enfermeiros e restante pessoal fazem o que podem e são merecedores do nosso respeito pelo profissionalismo e humanismo que têm demonstrado.

Mas ficou pior porque a afluência à urgência, tal como o número de intrervenções diminuíram drasticamente. 

Não por serem falsas urgências mas pelo receio dos utentes e pela falta de resposta dos serviços.

Aliás, a questão das falsas urgências é  uma falsa questão.

 

A medicina e a psicologia lidam com o sofrimento do ser humano. O  sofrimento é contra a vida,  tira  o prazer da vida, e, por isso, deve ser eliminado imediatamente.

Bom, mas o sofrimento existe e,  ao contrário do que muitas vezes se diz, não é uma provação de Deus ou um castigo de Deus.

Infelizmente, muito desse sofrimento deve-se ao impasse em que vivemos ou às opções erradas que tomamos. Em vez de nos focarmos na descoberta da cura ou da vacina para a covid,  anda-se numa competição desenfreada para se saber quem é o primeiro a tê-la, quem deterá as patentes e, com isso, fará negócios de muitos milhões.

 

O homem existe para ser feliz, o sofrimento deve ser passageiro e as respostas dos que governam têm que ser rápidas para evitar esse sofrimento.

Temos duas maneiras de reagir ao nosso sofrimento e ao que se passa à nossa volta: aceitação ou resignação.

O estado de resignação significa que não há nada a fazer, a não ser ter um comportamento fatalista. A resignação leva à inacção e o organismo não reage à agressão que sofre.

Pelo contrário, pela aceitação “o doente aceita a realidade e desde logo estabelece a estratégia para combater o mal, o invasor, o problema, a desgraça."

"Quando o indivíduo não aceita a realidade entra em processo de revolta, de raiva, de ódio, de mágoa, o que são condições mentais e físicas  altamente maléficas  e extremamente prejudiciais à cura."

"A diferença gritante entre aceitação e resignação está... no passo seguinte. O resignado não tem um segundo passo. Resignou-se, parou. Aquele que aceita a realidade como ponto de partida, necessariamente dará o segundo passo e os seguintes..." (p.21)*

 

Até para a semana.


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* Lauro Trevisan, Jesus - o grande psicanalista, Dinalivro.








 



30/08/20

Ernesto Melo e Castro


Trabalhei com Melo e Castro no Gabinete de Defesa do Consumidor, na Direcção de Serviços de Orientação de Consumos. Gostei deste tempo maravilhoso. Gostei de trabalhar com ele. Por isso é de tristeza que me queixo da sua ausência. 
Foi ele que me alertou para o livro "A manipulação dos espíritos" (Dir. Alexandre Dorozynski) e com ele aprendi que havia um caminho estreito entre "orientação", neste caso de consumos, e "manipulação". Como hoje se tornou tão evidente com a política execrável de políticos que gosta(va)m de nos "orientar" em relação a tudo o que fazemos, bebemos, comemos... a toda a nossa vida íntima, social, cultural.
Sempre me deixou liberdade para trabalhar nos projectos que era necessário elaborar. Foi assim que colaborei com Manuel Barão da Cunha e escrevi um pequeno opúsculo sobre a prevenção do tabagismo.
E depois havia a poesia, experimental, mas sempre poesia, erótica mas poesia, visual mas poesia, concreta mas poesia... 
Engenheiro têxtil e engenheiro das palavras.
"... magnífica vida que tem sempre uma respiração em cada hora,
um contentamento em cada ser
e uma sempre nova promessa no ar não respirado." 
Autologia (pag. 36).

Até sempre.








15/08/20

13/08/20

Bilac: Tempo, Ventura e Desgraça

                                                                O TEMPO
                                  Sou o Tempo que passa, que passa,
                                  Sem princípio, sem fim, sem medida!
                                  Vou levando a Ventura e a Desgraça,
                                  Vou levando as vaidades da Vida! 
                                  A correr, de segundo em segundo,
                                  Vou formando os minutos que correm . . .
                                  Formo as horas que passam no mundo,
                                  Formo os anos que nascem e morrem.
                                  Ninguém pode evitar os meus danos . . .
                                  Vou correndo sereno e constante:
                                  Desse modo, de cem em cem anos
                                  Formo um século, e passo adiante. 
                                  Trabalhai, porque a vida é pequena,
                                  E não há para o Tempo demoras!
                                  Não gasteis os minutos sem pena!
                                  Não façais pouco caso das horas!

                                                        Olavo Bilac 

04/08/20

Hoje é dia de ouvir Marilyn

Marilyn Monroe (Norma Jeane Mortenson1 de Junho de 1926 —  4 de Agosto de 1962)  
Diamonds are a girl's best friend



NA MORTE DE MARILYN

Morreu a mais bela mulher do mundo
tão bela que não só era assim bela
como mais que chamar-lhe marilyn
devíamos mas era reservar apenas para ela
o seco sóbrio simples nome de mulher
em vez de marilyn dizer mulher
Não havia no fundo em todo o mundo outra mulher
mas...

....

Toda a mulher que era se sentiu toda sozinha
julgou que a não amavam todo tempo como que parou
quis ser até ao fim coisa que mexe coisa viva
um segundo bastou foi só estender a mão
e então o tempo sim foi coisa que passou


Antologia poética, Ruy Belo - Cidadão de longe e de ninguém, Círculo de Leitores, pags. 119-120.

29/07/20

Hoje é dia de ouvir R. Schumann


Schumann - 8/Junho/1810 - 29/Julho/1856
Robert Schumann - Kinderszenen Op. 15, "Scenes From Childhood", 1838. 
Vladimir Horowitz in Vienna, 1987
00:38 Scene No.1 | Von fremden Ländern und Menschen (Of Foreign Lands and Peoples) 
02:09 Scene No.2 | Kuriose Geschichte (A Curious Story) 
03:15 Scene No.3 | Hasche-Mann (Blind Man's Bluff)
03:48 Scene No.4 | Bittendes Kind (Pleading Child)
04:38 Scene No.5 | Glückes genug (Happy Enough)
05:17 Scene No.6 | Wichtige Begebenheit (An Important Event)
06:09 Scene No.7 | Träumerei (Dreaming) 
08:43 Scene No.8 | Am Kamin (At the Fireside)
10:02 Scene No.9 | Ritter vom Steckenpferd (Knight of the Hobbyhorse)
10:43 Scene No.10 | Fast zu ernst (Almost Too Serious)
12:12 Scene No.11 | Fürchtenmachen (Frightening)
13:52 Scene No.12 | Kind im Einschlummern (Child Falling Asleep)
15:31 Scene No.13 | Der Dichter spricht (The Poet Speaks)

O papel dos avós na sociedade actual





1. Quero terminar mais este ano de crónicas a falar dos avós. Da sua importância na família, do seu papel relevante na educação dos netos, do seu papel simbólico, daquilo que são e das expectativas que criam e também do que não devem ser. 
A pandemia trouxe muitas dificuldades às famílias e os avós foram dos mais sacrificados neste contexto porque durante alguns meses não puderam estar com os netos e desempenhar o seu papel habitual no seio da família.
Também porque domingo passado, dia 26, foi comemorado o dia dos avós que tem origem na tradição católica.
E, finalmente, porque, mais uma vez, tive a felicidade de ser avô.


2. Muitas vezes há uma visão estereotipada, embora simpática, das relações com os avós: os avós são considerados e representados com uma imagem de bonzinhos, velhinhos, ambos são gordinhos, têm sempre o cabelo branco, ou  o avô geralmente é careca e com bigode, ambos usam óculos, vestem roupa fora de moda... 

3. Françoise Dolto, médica pediatra e psicanalista, há cerca de 70 anos, escreveu de forma relevante sobre o papel dos avós na educação das crianças.
Para Dolto, as interacções dos avós na família têm que ser vistas nesta dupla perspectiva: pais-filhos da primeira geração, pais-filhos da segunda geração.
Nesta perspectiva, mais ajustada e realista, os avós podem ter dificuldades psicológicas  que vêm do seu desenvolvimento psicológico: sentimentos de inferioridade, de culpabilidade, de insegurança...
Nem todos os avós têm competências para educarem os netos e “longe de responderem às necessidades dos pais perante os filhos apenas acrescentam muitas vezes a essas dificuldades as dificuldades que eles também conheceram outrora como crianças, e depois como pais.” (p. 75)

4. Dolto explica-nos o que os pais esperam dos avós e o que a criança espera dos avós.
Os pais esperam dos avós, vivam longe ou perto, coabitem ou não: segurança, autoridade, que vejam os pais como adultos e os deixem evoluir livremente como tal, e que não aliciem as crianças. 
Por outro lado, a necessidade de segurança da criança não pode ser “enfraquecida ou contrariada pelo facto dos seus avós considerarem os seus pais como crianças, e os seus pais ficarem ofendidos com esse juízo, ansiosos, feridos, como desequilibrados”. (p.78)

 “O papel verdadeiro e social dos avós é o que os torna importantes, papel do fundamento genético da família... sem eles nada existiria porque foi por eles que o bem indispensável mais precioso foi dado: a vida”  (p. 79)
 “O papel simbólico que desempenham os avós, vivos ou mortos, é muito importante para a criança...
... quando uma criança dos 4 aos 5 anos fala dos seus avós, não se trata de modo nenhum do avô ou da avó reais que existem ou existiram. Trata-se ao mesmo tempo deles e dela própria, uma ela própria da qual não tem consciência ou recordação...”  (p. 81)

5. As crianças não vêm com livro de instruções. Os avós também não. É uma aprendizagem e descoberta constantes da família, em que a sabedoria de F. Dolto pode ajudar.

Boas férias, com muita saúde. 

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"Os Avós", Françoise Dolto, L' École des Parents, Dez/1950. Texto que integra o livro referido: A criança e a família - Desenvolvimento emocional e ambiente familiar, Cap.6.









22/07/20

Currículo e ideologia




Artur Guimarães é pai de seis filhos, cinco rapazes e uma rapariga. Os mais novos frequentaram, este ano, o 7º e 9 ano de escolaridade. Os filhos têm sido alunos brilhantes, com média de 5.
Por decisão do pai e da mãe, encarregados de educação, os filhos não frequentaram a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, disciplina essa criada em 2018-19.
Por não terem frequentado esta disciplina, o sr secretário de estado da educação João Costa, fez um despacho em que decidiu que os alunos ficariam retidos dois anos, e voltavam ao 5º ano e 7º ano, respectivamente, levando a anular a acta do conselho de turma de 2018/19 e este ano não tiveram nota na pauta.

Para este pai e esta mãe, esta disciplina “condiciona a consciência e invade o nosso espaço educativo, invade o espaço de consciência” e, acrescenta, “esta disciplina aponta para a "percepção do mundo, do que é o homem, do comportamento do homem".
Este pai "já luta sozinho nesta batalha desde 2008, altura em que usou o seu direito de objeção de consciência para não autorizar os seus filhos a frequentarem esta disciplina (Educação Sexual)”, baseando-se no “ Artigo 36 da Constituição Portuguesa que diz que “os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos.” (Julie Machado, "Alunos de Quadro de Honra chumbados", Observador)

Sabemos que um currículo também é baseado na ideologia. Refere José A. Pacheco (Currículo: teoria e práxis, Porto Editora): “Enquanto projecto cultural, social e politico, o currículo só pode ser construído na base de ideologias ou de sistemas de ideias, valores, atitudes, crenças tudo isto partilhado por um grupo de pessoas com um peso significativo na sua elaboração.
Com o advento do estado moderno, o currículo torna-se um instrumento ideológico com diferentes orientações (Eisner, 1992) que regula as relações entre a sociedade e a escolarização. Por isso, esclarece Kemmis (1988), o currículo é do interesse do Estado e a escolarização é um assunto público, enredada em enormes sistemas burocráticos para controlar todo o sistema educativo porque os professores numa escola de massas, já não seriam facilmente controlados como acontecia numa escola de elites.” (pags. 57-58)
Portanto, a ideologia está presente na elaboração do currículo e é também por isso que os currículos são revistos, reorganizados, alterados e devem ser contestados pelos agentes de educação como professores e famílias...

Por outro lado, o Estado/Governo também deve cumprir as leis, desde logo a Constituição que determina que incumbe ao Estado, para proteção da família, cooperar com os pais na educação dos seus filhos (Artº 67 da Constituição). Ou seja, “a escola está para ajudar a família no que for preciso para a educação (procura da Verdade) das crianças, e não para ultrapassar os seus limites e coagir pelo medo à frequência duma disciplina que vai contra a consciência dos pais.” (J. Machado)
A liberdade de educação inscrita na Constituição, no artº 43 refere:
1. É garantida a liberdade de aprender e ensinar. 
2. O Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas.
"Também a lei de bases do sistema educativo (LBSE)  refere que o Estado deve: “assegurar o direito à diferença, mercê do respeito pelas personalidades e pelos projectos individuais de existência, bem como da consideração e valorização dos diferentes saberes e culturas”... (J. Pacheco, pag.58-59)

Artur Guimarães teve a coragem de confrontar o Ministério da Educação para defender valores e princípios legais e éticos. Porque o Estado não é dono das consciências. 



Até para a semana com muita saúde.