1. Quero terminar mais este ano de crónicas a falar dos avós. Da sua importância na família, do seu papel relevante na educação dos netos, do seu papel simbólico, daquilo que são e das expectativas que criam e também do que não devem ser.
A pandemia trouxe muitas dificuldades às famílias e os avós foram dos mais sacrificados neste contexto porque durante alguns meses não puderam estar com os netos e desempenhar o seu papel habitual no seio da família.
Também porque domingo passado, dia 26, foi comemorado o dia dos avós que tem origem na tradição católica.
E, finalmente, porque, mais uma vez, tive a felicidade de ser avô.
2. Muitas vezes há uma visão estereotipada, embora simpática, das relações com os avós: os avós são considerados e representados com uma imagem de bonzinhos, velhinhos, ambos são gordinhos, têm sempre o cabelo branco, ou o avô geralmente é careca e com bigode, ambos usam óculos, vestem roupa fora de moda...
3. Françoise Dolto, médica pediatra e psicanalista, há cerca de 70 anos, escreveu de forma relevante sobre o papel dos avós na educação das crianças.
Para Dolto, as interacções dos avós na família têm que ser vistas nesta dupla perspectiva: pais-filhos da primeira geração, pais-filhos da segunda geração.
Nesta perspectiva, mais ajustada e realista, os avós podem ter dificuldades psicológicas que vêm do seu desenvolvimento psicológico: sentimentos de inferioridade, de culpabilidade, de insegurança...
Nem todos os avós têm competências para educarem os netos e “longe de responderem às necessidades dos pais perante os filhos apenas acrescentam muitas vezes a essas dificuldades as dificuldades que eles também conheceram outrora como crianças, e depois como pais.” (p. 75)
4. Dolto explica-nos o que os pais esperam dos avós e o que a criança espera dos avós.
Os pais esperam dos avós, vivam longe ou perto, coabitem ou não: segurança, autoridade, que vejam os pais como adultos e os deixem evoluir livremente como tal, e que não aliciem as crianças.
Por outro lado, a necessidade de segurança da criança não pode ser “enfraquecida ou contrariada pelo facto dos seus avós considerarem os seus pais como crianças, e os seus pais ficarem ofendidos com esse juízo, ansiosos, feridos, como desequilibrados”. (p.78)
“O papel verdadeiro e social dos avós é o que os torna importantes, papel do fundamento genético da família... sem eles nada existiria porque foi por eles que o bem indispensável mais precioso foi dado: a vida” (p. 79)
“O papel simbólico que desempenham os avós, vivos ou mortos, é muito importante para a criança...
... quando uma criança dos 4 aos 5 anos fala dos seus avós, não se trata de modo nenhum do avô ou da avó reais que existem ou existiram. Trata-se ao mesmo tempo deles e dela própria, uma ela própria da qual não tem consciência ou recordação...” (p. 81)
5. As crianças não vêm com livro de instruções. Os avós também não. É uma aprendizagem e descoberta constantes da família, em que a sabedoria de F. Dolto pode ajudar.
Boas férias, com muita saúde.
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"Os Avós", Françoise Dolto, L' École des Parents, Dez/1950. Texto que integra o livro referido: A criança e a família - Desenvolvimento emocional e ambiente familiar, Cap.6.
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