23/02/11

A transição dos alunos com NEE para o ensino secundário




A Lei n.º 85/2009, de 27 de Agosto, estabelece o regime da escolaridade obrigatória para as crianças e jovens desde os 5 anos de idade até aos 18 anos.
A escolaridade obrigatória de 12 anos aplica-se também aos alunos com NEE (nº2)
As estatísticas divulgadas na altura indicavam cerca de 35 mil jovens que abandonavam a escola antes dos 18 anos.
Trata-se de abandono. Porém, sabemos que o nível de insucesso no 10º ano é elevadíssimo, rondando os 50%. O problema não está apenas nos alunos que abandonam no 3º ciclo e não entram no secundário.  Está também no número dos que não completam o secundário.
Temos dos piores resultados no que refere ao abandono escolar, com taxas de 36,3 % , em 2007 (Relatório de 2008 sobre os sistemas de educação da União Europeia sobre os objectivos para a Educação até 2010, definidos na Estratégia de Lisboa, Portugal).
Por outro lado, em Portugal só 53,4 por cento da população portuguesa entre os 20 e os 24 anos completou o secundário (Relatório referido).
A desqualificação do ensino técnico e profissional e o ensino cada vez mais livresco (veja-se a desqualificação das áreas de expressões e tecnológicas) faz com que uma “falha” dificilmente reparável tenha conduzido à falta de qualificações em termos de quadros médios, intermédios e de profissões técnicas diferenciadas.
Mas, para o poder parece que temos todas as condições para integrar esses alunos. O poder achaque num universo de cerca de 1,2 milhões de alunos, 35 mil jovens não parece ser problema. ”Temos todas as condições para isso, quer em meios humanos, quer em meios físicos".
Estamos a cair no mesmo erro de considerar que temos as condições físicas, escolas secundárias,
e apoio financeiro às famílias com a atribuição de bolsas de estudo, no secundário,   sendo que os alunos do primeiro e segundo escalão vão ter uma bolsa cujo valor será igual a duas vezes o abono de família.
Mas porque será que há pessoas que colocam em causa coisas tão boas como 12 anos de estudo, escolas novas, auto-estradas, alta velocidade…. Não são os inimigos do progresso ?
Quer o poder queira quer não, é legítimo levantar dúvidas sobre a validade do objectivo do Governo de fixar a escolaridade obrigatória nos 12 anos.
No estado actual do país temos dúvidas em relação a esta promessa de apoio financeiro à família. Esperemos que não seja como a promessa do subsídio pelo nascimento de cada filho…
Temos dúvidas como, António Nóvoa que apelou aos membros do Governo para que "actuem" sobre "o essencial", os primeiros seis anos de escolaridade, medida que defendeu ser mais importante do que fixar objectivos nos 12 anos de escolaridade.
Além disso, “alguns países europeus sem uma escolaridade obrigatória tão longa apresentam melhores resultados do que Portugal”.
E, finalmente, uma questão fundamental a que é necessário responder: como vai ser a integração dos alunos mais problemáticos. O que vai acontecer aos alunos com NEE ?
Vão frequentar as escolas secundárias ou vão para os centros de formação.
Quais centros de formação? Com que apoios ? Com que recursos humanos ?
Estamos a falar de crianças com dificuldades cognitivas, motoras, sensoriais, multideficientes que vão de níveis mais ligeiros até muito graves…
Como vai ser a integração de alunos com outras culturas relativamente à escola quando sabemos que a taxa de abandono é praticamente total na transição para o secundário ?
Como se vai fazer cumprir a escolaridade obrigatória para todos os alunos?
De facto, quem  está no terreno não faz ideia. E quem não está ainda menos ideia faz...

16/02/11

“Reconstruir os nossos olhares”

Era uma vez uma menina que nunca estava quieta e não aprendia praticamente nada na escola. Se esta menina vivesse nos dias de hoje seria provavelmente diagnosticada como hiperactiva.
Gillian Lynne tinha fraco desempenho na escola, então a sua mãe levou-a ao médico e explicou a sua instabilidade e a falta de interesse.
Depois de ouvir tudo o que disse a mãe, o médico disse a Lynne que precisava falar com a mãe em particular, por um momento.
Ele ligou o rádio e saiu. O que aconteceu em seguida foi extraordinário: Lynne estava a dançar ao som do rádio.
O médico constatou que ela era uma dançarina, e incentivou a mãe de Lynne para que frequentasse as actividades de dança.
Lynne, afinal, tinha um dom para a dança.
Gillian Lynne, nascida em 20 de Fevereiro de 1926, foi bailarina, actriz, directora teatral, directora de televisão e coreógrafa. É conhecida pela sua coreografia de teatro popular associado a musicais como Cats e O Fantasma da Ópera.

Era uma vez um menino, Alan Rabinowitz, que cresceu em Nova Iorque. Na escola as coisas também não corriam bem . Foi colocado numa classe especial por causa de ter gaguez.
Hoje sabe-se que as dificuldades de linguagem dependem de problemas genéticos e não são apenas problemas psicológicos o que não acontecia há alguns anos.
A sua gaguez era tão grave que o seu corpo se contorcia e tinha espasmos quando ele tentava falar.
Não era possível comunicar com seus colegas e professores. Rabinowitz desistiu de tentar conversar com outras pessoas.
Em vez disso, quando voltava da escola e regressava a casa, cada dia, escondia-se no armário e conversava com os seus animais de estimação: tartaruga, camaleão, que, também ele percebeu, não podiam falar.
Quando visitava o parque zoológico com o pai, ficava sozinho com o jaguar e falava com ele …
O menino falava com o jaguar porque tinha dificuldade em falar com as pessoas porque tinha gaguez.
Foi então que nesta fase da sua vida, Rabinowitz fez uma promessa: havia de usar a sua voz em defesa dos animais que não tinham voz como era o caso do jaguar.
Hoje, Rabinowitz é porta-voz da Fundação para a gaguez. Além disso, dedica a sua vida à Sociedade para conservação da vida selvagem (Wildlife Conservation Society). Dirige a Associação Panthera, dedicada à protecção da vida selvagem.

A escola muitas vezes não tem a resposta. Mas a resposta pode estar nos pequenos sinais que a criança nos dá e na sensibilidade dos professores e técnicos não só na aprendizagem do currículo formal mas nas reais capacidades da criança.
É por isso, que há mais educação para além da escola…
Quem trabalha com crianças com dificuldades tem que aprender que as crianças demonstram capacidades  em que vale a pena apostar.
Os rótulos de preguiçosos, disléxicos, hiperactivos, etc. devem merecer a precisão de um diagnóstico correcto mas também a constatação de que as crianças com dificuldades podem atingir níveis de excelência em áreas das ciências e das artes que não fazem parte do currículo escolar mas que se encontram na comunidade educativa.

09/02/11

As dimensões do ser humano



Na Universidade ensinaram-nos que o homem é um ser bio-psico-social. Certamente. Esta definição é repetida vezes sem conta em livros e escritos de toda a ordem. É, talvez, uma simplificação.
O homem tem também as dimensões de um ser cultural e espiritual.
Por isso educar uma criança passa também pelo desenvolvimento cultural e espiritual.
A criança é um corpo que cresce em interacção com uma mente que se desenvolve, a realidade biológica e psíquica. Podemos dizer que ainda não sabemos tudo sobre esta interacção e sobre as potencialidades que cada criança vai manifestando no seu desenvolvimento. Mas sabemos que essas potencialidades dependem de condições que possibilitam que a criança encontre o seu próprio caminho, e a realização máxima da sua personalidade: são as dimensões sociais, culturais e espirituais.
"A primeira ideia que uma criança precisa ter é a da diferença entre o bem e o mal. E a principal função do educador é cuidar para que ela não confunda o bem com a passividade e o mal com a actividade."
Cada criança tem o seu próprio ritmo de trabalho e um  aluno da turma não deve sujeitar-se ao ritmo dos outros, isto é, nem deve acertar o passo pelo último e também não deve ser obrigada a seguir o primeiro.
Não necessita desenvolver sistematicamente o espírito de competição. Pelo contrario, deve-se oferecer oportunidades para ajuda mútua e cooperativa.
A criança pode assim habituar-se a ter comportamentos de sua livre escolha, sem coerções nem sentimentos de inferioridade e outras experiências capazes de deixar marcas negativas no decorrer de sua vida.
A criança aprende, assim, a cultura dos valores, necessária ao desenvolvimento do ser humano.
De outro modo, diz Montessori, para que servirá a cultura se ela não consegue tornar o homem melhor para si próprio e para os outros ?
Para que servirão as forças do progresso se o ser humano não progride, como podemos comprovar todos os dias pela comunicação social e pela nossa experiência, com o regresso à barbárie da violência hard ou soft (Lipovetsky).
Vale a pena o progresso quando um povo fica poderoso para poder submeter outro povo mais fraco ?
“Hoje a humanidade está vencida e escravizada pelo seu próprio ambiente, permanecendo fraca (Montessori, Formação do homem, pág. 16).
Montessori já tinha descoberto que as forças do progresso, afinal, servem para nos tornar escravos. Não foi aqui que chegámos ?
Não é apenas desta geração, infelizmente, aquilo que uma canção toca por aí (Deolinda):
Que parva que eu sou!
E fico a pensar,
que mundo tão parvo
onde para ser escravo é preciso estudar.
O que falta então? O importante é desenvolver a totalidade da personalidade da criança e não somente as
suas capacidades intelectuais.
A educação deve preocupar-se também com a capacidade de iniciativa, de decisão e de escolha independente e com as capacidades emocionais.
A educação deve exigir do professor e do aluno a capacidade de auto-avaliação que o leve a renunciar à tirania. Deve tirar do coração a ira e o orgulho e em seu lugar colocar a bondade e o perdão.
Nesse caso, vale a pena estudar porque torna os homens livres.

03/02/11

O lugar da desordem: movimentos sociais e revoltas dos jovens

Ciclicamente, surgem fenómenos como os que estão a acontecer em alguns países do norte de África e do médio oriente.
Sem a pretensão de fazer qualquer análise política ou sociológica, interrogo-me sobre os fenómenos que vão acontecendo neste nosso mundo, com um sentimento de déjà vu.
Alguns, de forma imprevisível, afloram nas mais diversas sociedades, com novas formas de enquadramento, devido ao fenómeno de globalização e das tecnologias de informação.
Muitas destas revoltas são revoltas de jovens. Como no passado. E surgem não só em ditaduras mas em sociedades democráticas.
Se é expectável que em ditaduras, mais tarde ou mais cedo, isso venha a acontecer, porque a falta de liberdade acaba por despertar com maior acuidade a necessidade de revolta, mais difícil será entender o que acontece em sociedades com governos democraticamente eleitos.
Os movimentos sociais vêm pôr em questão as teorias da mudança social existentes. Acima de tudo, fica sempre posta em causa a capacidade dessas teorias para prever este tipo de acontecimentos.
Como diz Joaquim de Aguiar "a realidade expulsa a ilusão" (entrevista a Maria João Avilez). E, para R. Boudon, "importa não interpretar os modelos (sobre as mudanças sociais) de maneira realista, não lhes atribuir um poder de previsão que não têm: o real ultrapassa sempre os limites do racional, principalmente se se tratar de fenómenos particularmente complexos como são os fenómenos sociais."
Alguns movimentos sociais nem sempre são progressistas. E alguns dos modelos fazem-se acompanhar de grande desilusão.
Olivier Rolin (entrevista ao DN de 23/4/2006) mostra a desilusão ao cair na realidade. Compara Maio 68 com o movimento anti-CPE (contrato primeiro emprego), "o  movimento do maio 68 era revolucionário, utópico e radical… enquanto que o movimento anti-CPE, é conservador, quer segurança laboral. Não é um movimento que deseja uma sociedade nova. É um movimento que quer agarrar-se a formas antigas da sociedade." E acrescenta que "os jovens de hoje não têm ideologia e é melhor assim. As ideologias são uma forma de deformação e mentira."
O problema é que também não há ideais.
Mas o que é que verdadeiramente significa movimento social revolucionário ou conservador? Que um foi positivo e o outro não ?
Afinal o que ficou, qual foi a herança, se Maio 68 foi revolucionário e deixou esta herança:
"Acho que não teremos deixado nada de positivo, não deixámos uma conquista, destruímos o ensino. Eu penso que um dos grandes males actuais da França é que o ensino não funciona, no seu conjunto, não forma cidadãos."
Nestes movimentos sociais, nas revoltas dos jovens, encontramos as mais diversas motivações, dificilmente conciliáveis, como por exemplo:
- Contestação da autoridade: Em todas as épocas houve jovens ligados às contestações, revoltas e críticas à autoridade, independentemente dos regimes políticos e das religiões.
- Os problemas das universidades: A recusa das condições de existência que lhes são dadas. Vontade de reformas universitárias.
- A vida quotidiana: às vezes são os acontecimentos mais vulgares que subitamente mobilizam os jovens.
- Os contágios: A rapidez da informação leva a crises em série, o que prova, de resto, uma certa identidade de situações. Isto tinha grande importância em 68. O que dizer do momento actual com as redes sociais ?
Há prós e contras relativamente às revoltas dos jovens ou simplesmente às revoltas. Nem sempre há progresso nem sempre retrocesso.
Mas, entre outros, os problemas da vida dos jovens e dos jovens universitários com poucas saídas profissionais e precariedade é um fenómeno que diz respeito a toda a sociedade.
Não somos capazes de prever quando e como podem cair no lugar da desordem.

Para uma revisão curricular



30/01/11

A negação

Queriam um discurso magnânimo, tipo "nós por cá todos bem" ou, no mínimo, "porreiro pá".
Por acaso, já aqui nos tínhamos interrogado sobre outro discurso virulento, de verdadeira "vil baixeza" que definia bem quem o fazia.
O que não é justo é que um "cosmopolita" ministro, que devia ser magnânimo e cosmopolita, diga coisas destas. Como já tinha feito com o "malhar" e com o "salivar".
Em 23 de Janeiro, como disse Cavaco Silva, foi uma vitória difícil de conseguir e por isso histórica. Pelos vistos, foi também difícil de aceitar a alguns. Foi a primeira vez que vi que com maioria de votos se podia perder. Como entender, por isso, as opiniões que por aí vão: desde as classificações de "pequena vitória" até à de perda, uns negando mais profundamente a realidade do que outros?
Aqui, muito bem, dá-se conta dessa dificuldade de aceitar a realidade.
A negação é um bom mecanismo de defesa para justificar  o que aconteceu. Há quem continue a não querer aceitar que com Mário Soares  e  Ramalho Eanes, Cavaco Silva faz parte do grupo de estadistas que merecem  a nossa consideração. O povo sabe que assim é e, por isso, assim votou. O resto pouco importa. Provincianos  e cosmopolitas ? Quem ?

28/01/11

Homero, os ricos e a equitação

Ilustrações de Martins Barata

Tive alguma esperança de que pudéssemos mudar alguma coisa a sério na educação.
Começo a desesperar de que isso venha a acontecer .
Tomando a culpa dos problemas orçamentais, o estado não quer uma educação para ricos.
Rico, palavra maldita, como conservador, como globalização, como privado, liberal, americano… e, pelos vistos, também, piscinas, golfe e equitação.
O problema é saber o que abrange o conceito de rico.
A Odisseia, de Homero, na versão de João de Barros, começa de forma diferente: "Os gregos eram ricos e gostavam de ser ricos. Mais estimavam, porém, a beleza. E por isso Helena, esposa de Menelau, rei de Esparta, que era a mulher mais linda da Grécia, e cuja formosura deslumbrava o Mundo inteiro, resguardavam-na como tesouro sem par".

Será uma educação para ricos ter dois professores na disciplina de EVT, ter mais horas para educação musical e educação física, ter desporto escolar ?
Estas foram disciplinas que perderam horas ou vão perder um professor.
As críticas que se fizeram ao par pedagógico e às áreas curriculares não disciplinares, foram feitas no pressuposto de que se mantinham os dois professores em EVT e que as horas das áreas não disciplinares seriam devolvidas às disciplinas a que foram retiradas como EVT e  Música.
A crítica que se fez foi à falta de mais tempo para as artes e não menos.
Como se podem desenvolver trabalhos nas disciplinas como Educação Visual e Tecnológica com a manipulação de materiais e ferramentas que podem ser perigosas quando sabemos que há turmas que têm alunos com alguma instabilidade e com problemas de comportamento.
Só confunde público com gestão do estado quem quer. Como se não houvesse capitalismo de estado, como se a gestão do estado fosse limpa, como se as empresas públicas fossem de uma gestão perfeita, como se as empresas municipais fossem de mediana transparência… Como se mil milhões de euros de computadores Magalhães, apresentados com pompa e circunstância e servindo-se das crianças não fosse comportamento de um país de ricos. ..
Como se a utilização das crianças das escola para toda a espécie de mercantilismo que passa nas escolas não existisse, incluindo utilizar os alunos em campanhas de publicidade e de propaganda, a comporem o cenário, ou a fazerem peditórios de rua para algumas ONGS ou IPSS e tudo isto com a melhor das intenções.
Só um grande equívoco faz deslizar o discurso para a facilidade das palavras malditas.
Os equipamentos sociais são todos públicos. O que acontece é que uns são geridos pelo estado e outros são geridos por empresas ou particulares com diversas formulações jurídicas.
Concordo com Ramiro Marques: "O que está verdadeiramente em causa não é a redução da despesa pública, mas a vontade de controlar, punir e vigiar os projectos educativos que saem da alçada do Governo e que, ano após ano, mostram resultados que fazem inveja ao organismo estatal que dirige directamente a rede de escolas estatais: o Ministério da Educação."
"...  Na média da União Europeia, as escolas privadas representam 16% da Rede Pública de Educação. Por exemplo: Na Holanda, 70% das escolas públicas são de gestão privada, na Bélgica 55,9 da rede pública é composta por escolas privadas, em Espanha 30% são escolas privadas e na Suécia 30% das escolas públicas no ensino obrigatório já são escolas privadas - Fonte:  Education at a Glance 2010.
Em Portugal temos 93 escolas o que nem deve chegar a 1% da rede pública escolar."

Um dia, como Homero, havemos de poder dizer: os portugueses são ricos e gostam de ser ricos mas a beleza é a sua maior riqueza.  

20/01/11

A escola é a solução


"A escola tem muitos problemas. Mas a escola não é o problema. A escola é a solução."

Comunicação de José Antonio Caride Gómez (Universidade de Santiago de Compostela), A Pedagoxia Social nas instituições escolares: Realidades e desafios do futuro, Colóquio na ESE de Castelo Branco.