30/06/10

"Chover no molhado"


Podia ser a actualidade nacional: "o problema do sucesso dos alunos que entram na universidade", "o futuro das escolas rurais", "os novos directores", "a nova escola primária", "o recrutamento dos professores", "os alunos são felizes na escola ?" ...
Não é. É Outubro de 1990, em França. A agenda é a mesma vinte anos depois em Portugal.
A mesma ideia de passar as culpas: no 2º e 3º ciclo a culpa é do 1º ciclo, no secundário é do básico, e na universidade é do secundário. O cliché de que, hoje, os alunos não sabem ler, escrever, fazer contas, colocava-se há vinte anos noutros países. E se se pensasse em programas para apoiar os alunos, para apoiar os alunos que não podem pagar explicações ?
"Ajudar os alunos a ter sucesso, é possível. Em vez de acusar a preparação "insuficiente" ou o "mau" secundário destes jovens, algumas universidades - ainda pouco numerosas, é verdade  - criaram dispositivos para melhorar sensivelmente as suas performances."(C. Bédarida).

Os planos de melhoria fazem sentido em qualquer nível de ensino.  O que não faz sentido é avaliar e verificar as dificuldades e deixar que tudo continue na mesma ou com as mesmas soluções que, já se percebeu, não resultam. É "chover no molhado". 


27/06/10

O currículo na era digital


O projecto curricular de turma pode ser um instrumento importante para que todos os alunos possam aprender na escola.
A diversidade de alunos que constituem, hoje, qualquer turma exige a diferenciação pedagógica em todas as etapas de ensino-aprendizagem e, desde logo, no diagnóstico da turma.
Cada um de nós aprende de maneira diferente e tem pontos fortes e pontos fracos que é necessário identificar.
A partir daí é possível que a diferenciação curricular faça sentido para cada um dos alunos da turma, por exemplo, para o aluno com sobredotação, aluno "médio", aluno com NEE, aluno com hiperactividade, com dislexia ou com discalculia.
O interessante desta proposta é que não rejeita qualquer outra metodologia ou instrumento que seja adequado à educação do aluno.
Em cima, um exemplo do perfil de aprendizagem da turma. 
D. Rose apresenta alguns destes instrumentos no livro já referido.
Mas o que é verdadeiramente impressionante é o conjunto de ferramentas que são disponibilizadas na internet  e que podemos adaptar ao nosso trabalho.

O currículo na era digital


As tecnologias da informação e comunicação vieram modificar muitos aspectos da nossa vida. De uma maneira geral melhoraram o nosso quotidiano. O que tem sido possível realizar a nível da eliminação de barreiras no caso das deficiências motoras e sensoriais, visuais e auditivas, das ajudas técnicas, são bons exemplos dessa realidade.
Temos vindo a descrever as potencialidades que as tecnologias da informação e comunicação podem acrescentar ao desenvolvimento do currículo. Mas os progressos da tecnologia trazem também outros problemas  nas interacções humanas como as novas formas de violência.
Maior velocidade na internet devia levar a maior possibilidade de aproximação das pessoas mas muitas vezes leva ao seu afastamento.
O Plano tecnológico da educação pode servir para essa aproximação ou para esse afastamento, em banda larga, isto é, em grande velocidade. 
E de certeza que as novas tecnologias não substituem a relação humana nem, mais especificamente, a relação pedagógica da sala de aula. Nenhuma banda larga substitui o estreito relacionamento, face a face, professor-aluno.

25/06/10

O currículo na era digital


Chapter 1: Education in the Digital Age
Chapter 2: What Brain Research Tells Us About Learner Differences
Chapter 3: Why We Need Flexible Instructional Media
Chapter 4: What Is Universal Design for Learning?
Chapter 5: Using UDL to Set Clear Goals
Chapter 6: Using UDL to Support Every Student's Learning
Chapter 7: Using UDL to Accurately Assess Student Progress
Chapter 8: Making Universal Design for Learning a Reality

Os princípios UDL dão uma visão inovadora acerca do currículo e da possibilidade de educar cada criança (TES).
Estes princípios são aplicáveis a todos os alunos em sala de aula porque há uma incompatibilidade fundamental entre a população estudantil de hoje e o currículo padronizado.
A uniformidade do ambiente escolar — um sistema de fábrica desde a revolução industrial — significa que todos os alunos têm livros didácticos padronizados, aprendem com os planos de curso padronizado e sentam-se em mesas padronizadas, não obstante as diferenças individuais.
O UDL é o reconhecimento de que este ambiente já não é produtivo; é vital — e, com a tecnologia de hoje, possível — reconhecer as diferenças entre os alunos.
O design universal para a aprendizagem (UDL) é feito de duas maneiras principais:
- aplicando a ideia de flexibilidade incorporada ao currículo do ensino.
- apoiando não só a melhoria do acesso às informações dentro da sala de aula, mas também a melhoria do acesso à aprendizagem.

Já todos estamos mais ou menos sensibilizados para o problema das barreiras arquitectónicas. Há manifestações, protestos, concursos para a sua eliminação.
Mas as barreiras estão por todo o lado e não são apenas arquitectónicas.
As barreiras do currículo são tão importantes como as arquitectónicas. Por isso este design foi elaborado a partir da ideia da eliminação daquelas. É possível fazer no currículo o mesmo que nas barreiras arquitectónicas.
É possível porque na era digital temos instrumentos que podem fazer com que todos tenham, de alguma forma, acesso ao currículo ou pelo menos consigam ir mais longe do que até agora se conseguia fazer.
Temos ferramentas à nossa disposição que antes das novas tecnologias da informação e comunicação não existiam.

As investigações de David H. Rose e equipa vêm permitir responder a muitas problemas educativos que temos na sala de aula e na escola.
Somos diferentes porque o nosso cérebro é diferente no Reconhecimento (aprender “o quê”) na Estratégia (Aprender ”como”) e no Afecto (aprender “porquê”).
O cérebro que aprende é constítuido por:
Redes de reconhecimento são especializadas nos sentidos e atribuem significado a padrões que vemos; elas permitem-nos identificar e compreender os conceitos, ideias e informações.
Redes estratégicas são especializadas para gerar e supervisionar os padrões mentais e motores. Elas permitem-nos planear, executar e monitorizar acções e habilidades.
Redes afectivas são especializadas para avaliar os padrões e atribuir-lhes significado emocional; elas permitem-nos envolver com tarefas e aprendizagem e com o mundo que nos rodeia.


24/06/10

O menino com a água do banho

Sigo com muito interesse o ProfBlog e concordo com quase tudo o que por ali passa.
Mas desta vez parece-me que lá vai “o menino com a água do banho”.
É verdade que inventaram muitas coisas inúteis mas não é o caso do Projecto curricular de turma (PCT), dos planos de melhoria e, em certos casos, dos planos de desenvolvimento e de enriquecimento. Quanto ao resto, enfim…
Aliás, uma das piores invenções é essa do "eduquês".

23/06/10

Terra média

A avaliação, no ensino básico, no final do ano lectivo, vem pôr em evidência muitas das fragilidades do sistema educativo.
É a hora de debater a regulação das aprendizagens. E o que acontece no sistema de avaliação das aprendizagens é que essa regulação é feita muitas vezes através da repetência. No entanto, a repetência deve ser o último instrumento da regulação das aprendizagens e não o primeiro ou preferencial.
Os eternos esquecidos das nossas escolas e do sistema educativo são os alunos com dificuldades de aprendizagem. Estes alunos não são alunos NEE e não são alunos que façam a escolaridade sem sobressaltos. Não são ricos nem pobres, são remediados do ponto de vista das suas capacidades e recursos intelectuais. São personalidades às vezes com altas capacidades no campo das artes ou do desporto.
São alunos aos quais se aplicam classificações que muitas vezes são ofensivas que mais facilmente se integram nas categorias de preguiçosos, pouco trabalhadores, distraídos, só joga computador, futebol...
São, genericamente, crianças de meios familiares, sociais e ou culturalmente desfavorecidos que não têm poder reivindicativo ou estão culturalmente conformados com a sorte que lhes cabe resultante das dificuldades dos filhos.
Por outro lado, há quem não acredite em dificuldades de aprendizagem:
- há os que acham que é apenas um problema de leitura e escrita
- os que acham que um bom professor resolve
- os que acham que é tudo inventado pelos especialistas
- os que acham que os alunos são preguiçosos
- os que acham que com umas explicações se consegue
- os que acham que com uns medicamentos para a atenção, para "abrir" a memória, para ficar sossegado isso passa,
- os que acham que é imaturo e com a idade melhora…
São os alunos que se enquadram na média ou abaixo da média nas escalas de avaliação do desenvolvimento psicomotor ou cognitivo. São a maioria dos alunos.
É neste grupo que estão os candidatos às repetições, e em consequência ao abandono precoce da escolaridade. É normalmente o grupo esquecido do sistema educativo.
Sabemos que somos todos diferentes. Mas depois não levamos isso em conta.
Sabemos que do ponto de vista sensorial, das estratégias e das emoções somos todos diferentes mas em relação às aprendizagens  têm que aprender da mesma forma e serem avaliados da mesma forma.
No sistema alguma coisa apesar de tudo tem vindo a mudar e essa mudança abre caminho para a escola do futuro.
No gráfico abaixo podemos identificar algumas respostas formais que se distribuem de acordo com o desenvolvimento cognitivo e que a escola já pode oferecer aos alunos que a frequentam.
Mas esta graduação é ainda mais específica se tivermos em conta a personalidade das pessoas, os estilos cognitivos, as emoções.
São estes alunos que vão ser, mais tarde, bons trabalhadores, úteis à sociedade e que merecem ter sucesso necessitando para isso de estratégias e respostas educativas cada vez mais diferenciadas de acordo com as suas capacidades e potencialidades.
A escola para todos deve ser também sucesso para todos.


19/06/10

Heranças


Há quem herde quintas e há quem herde malmequeres selvagens e poemas de Walt Whitman que é de toda a humanidade.


Ao atravessar a erva das pradarias

               Ao atravessar a erva das pradarias, ao respirar o seu especial odor,
               Exijo dela a sua correspondência espiritual,
               Exijo o mais copioso e estreito companheirismo dos homens,
               Exijo que as lâminas de erva se ergam de palavras, actos e seres,
               Aqueles que atravessam a atmosfera limpa, rudes, cheios e sol,
                                  frescos e nutritivos,
               Aqueles que seguem o seu caminho, erectos, que caminham com
                                  liberdade e autoridade, que chefiam e não seguem os
                                  outros,
               Aqueles que têm uma audácia nunca reprimida, uma carne suave e
                                  vigorosa, sem mácula,
               Aqueles que olham descuidadamente para a cara dos presidentes e
                                  governadores como que a dizer-lhes: Quem sois vós ? 
               Aqueles cuja paixão nasce da terra, simples, nunca constrangidos,
                                  insubmissos,
               Aqueles que são do interior da América.

                                        Walt Whitman, Folhas de Erva

16/06/10

Vale a pena repetir o ano ?

             
Uma das questões que nesta altura do ano se coloca a muitos pais diz respeito à avaliação final do ano lectivo e tem a ver com a transição de ano ou retenção no mesmo ano.
O parecer do Conselho Nacional de Educação (nº8/2008), refere o assunto e merece uma aturada reflexão …
"Nos países da OCDE as repetições têm um carácter residual ou só existem em final de ciclo". Para o Conselho Nacional de Educação “O problema das repetições assume, em Portugal, proporções catastróficas para os alunos e para o sistema”.
E acrescenta: “Portugal não é o único país em que os alunos encontram dificuldades, mas é um dos poucos países da Europa que não consegue apoiar de modo eficaz os seus alunos, penalizando-os pela ineficácia do sistema.
Para o CNE, “ a repetição não é um meio pedagógico adequado, porque os alunos vão encontrar dificuldades acrescidas …. Além disso “a repetição não é, também, na maioria dos casos, um instrumento de justiça como muitas vezes se afirma. Confrontados com sistemáticas avaliações negativas e sem capacidade para estudar e ultrapassar os problemas, alguns alunos não estudam porque não são capazes de o fazer, muitas vezes porque não compreendem sequer o que lhes é ensinado.”
Este resultado agrava -se ao longo do percurso educativo, tendo -se verificado que a repetência precoce é uma situação gravemente penalizadora para a criança.
O parecer volta à questão sócio-económica para justificar o insucesso, referindo “que um aluno com um estatuto sócio-económico fraco tem três vezes e meia mais probabilidades de ter resultados medíocres em matemática do que um aluno com um estatuto sócio-económico elevado.”
Mas o problema tem outras dimensões talvez mais importantes.
A nossa experiência tem-nos mostrado que, salvo raras excepções que confirmam a regra, os alunos repetentes encontram-se no ano seguinte com as mesmas dificuldades e número de negativas do ano anterior e muitas vezes até com maior insucesso.
O que acontece é que muitas vezes na falta de diagnóstico, o culpado é sempre o aluno, ou o aluno e a sua família, com justificações pouco adequadas como: ser preguiçoso, desinteressado, não estudar, não trabalhar…
Parece que hoje não há dúvida acerca da existência de problemas como a dislexia a discalculia, a pertubação de hiperactividade com défice de atenção, a perturbação de comportamento, os défices cognitivos resultantes de sindromas neurológicos conhecidos, mas muitas vezes défices de etiologia desconhecida, as deficiências sensoriais, etc.
Então para que serve repetir o ano ? Um aluno com problemas destes tem algum benefício com a repetência ?
Por exemplo, um aluno com dislexia, devidamente diagnosticada, tem benefício na retenção ? Claro que não. “Repetir anos de escolaridade não ajuda a ultrapassar as dificuldades, pelo contrário, pode criar dificuldades acrescidas a nível afectivo e emocional: sentimentos de frustração, ansiedade, desvalorização do auto-conceito, e da auto-estima” (Paula Teles)
O problema, diz o parecer, é que “não faz sentido que sejamos quase o único país na Europa que não encontrou soluções para apoiar os alunos e para se co-responsabilizar pelas aprendizagens.”
Podemos não querer aprender com a experiência dos outros mas podemos aprender com a nossa própria experiência.

“Small is beautiful”

A ministra da educação Isabel Alçada recebeu uma pesada herança. Creio que alguns dos dossiers que herdou estavam e estão inquinados.  O do fecho das escolas com menos de 21 alunos parece-me um deles. O mesmo me parece quanto aos mega-agrupamentos.
No entanto, só o facto de ela falar e sorrir para as pessoas já indicia um estilo de gestão mais humano.
Fechar escolas com menos de 21 alunos (o “rigor” de 21 é interessante !) parece-me que apenas se justifica porque é necessário “encher” os parques escolares e os mega-agrupamentos.
Tal como no livro de Schumacher (1) um estudo da economia em que as pessoas também contam, na educação é preciso levar em consideração que as pessoas também contam, ou seja, as crianças e as suas famílias também contam.
Na acepção de Schumacher “a educação é o mais essencial de todos os recursos”. Mas “como a civilização ocidental se encontra em estado de crise permanente, não será extravagante sugerir que possa haver qualquer coisa de errado na sua educação.
Para Schumacher” a tarefa da educação seria, antes de mais e acima de tudo o mais, a transmissão de ideias de valor, do rumo a traçar às nossas vidas. Sem dúvida que também é necessário transmitir know-how, mas deve deixar-se isso em segundo lugar, porque, evidentemente, é assaz temerário colocar grandes poderes nas mãos das pessoas antes de haver a certeza de que elas têm uma ideia razoável do que hão-de fazer com eles.
Presentemente, não pode haver muitas dúvidas de que toda a humanidade se encontra em risco mortal, não porque tenhamos falta de know-how científico e tecnológico, mas porque tendemos a usá-lo de maneira destrutiva, sem bom senso nenhum. Ora mais educação só nos pode ajudar se criar maior soma de bom senso” (pag 71).
A intervenção educativa deve ser feita o mais precocemente possível e faz sentido que as tarefas da educação se façam dentro de ambientes variados do ponto de vista sensorial e em contextos enriquecidos do ponto de vista social. Mas também em contextos enriquecidos do ponto de vista afectivo.
A criança, aos 6 anos, tem já elevada autonomia para poder ser introduzida em ambientes mais desprotegidos do que até essa idade. Mas uma criança com 6 anos, retirada à família, diariamente, ficando sem o contacto dos pais excepto nos fins de semana, a pretexto da sua socialização, não parece que venha produzir vantagens importantes no seu desenvolvimento.
O afecto é a energia que faz funcionar as aprendizagens e o contexto tem que ser rico afectivamente para que tenhamos crianças saudáveis do ponto de vista da saúde mental.
Os estudos que conhecemos provam que assim é. Não há máquina nenhuma que posa substituir o afecto dos pais. Podem ter muitos brinquedos, muitos computadores e play-stations, muito inglês... mas nada tem a força do carinho dos pais.
A realidade é diversa e por isso as respostas não podem ser megalómanas nem monolíticas mas é necessário responder com a diversidade educativa.
É por isso que também em educação podemos dizer, contra a ideia dos mega-agrupamentos, que “small is beautifull”. Por isso, com toda a simpatia das pequenas coisas desejava que alguém pudesse introduzir bom senso nestes dossiers inquinados.

(1) Schumacher, E.F.(1980), Small is beautiful, Lisboa: Publicações D. Quixote.