21/09/16

Sem-vergonhismo

 


Tem sido muito discutida, felizmente, a forma do estado se relacionar com os cidadãos no que toca à forma de sacar dinheiro aos contribuintes, num período sem austeridade (ao que dizem, a nossa situação actual!).
A discussão deste assunto não pode ser feita de ânimo leve porque a teoria da dirigente do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, de que “A primeira coisa que temos de fazer é perder a vergonha de ir buscar dinheiro a quem está a acumular dinheiro”. (RR, 17 set, 2016), é um salto qualitativo na forma do estado se relacionar com os cidadãos.
A relação que deveria ser equilibrada, parcimoniosa, equitativa é agora defendida como um assalto “sem vergonha” aos cidadãos, neste caso, aos que acumulam dinheiro.

Rui Moreira (O saque Mortágua) reagiu dando voz a muita gente: "Este pseudo-imposto Mortágua é, portanto, um saque. Um saque aos contribuintes, mas também aos municípios, que deveriam ter a possibilidade de definir, livremente, as taxas, sobretaxas, discriminações e isenções de um imposto cuja receita, por definição, é sua e deveria poder ser usada de acordo com as suas estratégias de desenvolvimento.".

Costuma dizer-se, a brincar ou não, "quem sai aos seus não degenera". Temo que seja verdade, que quem sai aos seus não degenera mas, pior do que isso, também não regenera.
A história está aí para o demonstrar. Foi assim desde a decadência do império romano. Horacio cantava "Os nossos pais, piores que os nossos avós, geraram-nos a nós ainda mais depravados, e nós daremos uma descendência ainda mais incapaz” (Horacio, citado por Ortega y Gasset, La rebelion de las masas, p. 97). No entanto, dizia-se, "Roma era eterna"… até que aparecerem os visigodos, hunos e vândalos.

O colectivismo subjacente a esta ideia de estado absoluto é a de que o estado pode meter a mão em tudo e sem regras, do património à vida privada e intimidade, através de mecanismos de “criatividade extorsiva” e de delacção silenciosa das máquinas e das técnicas, através das formas mais subtis do cruzamento de dados e informações contidas nos diversos números nacionais que nos são atribuídos pela máquina estatal.
Voltando a Ortega y Gasset: “No nosso tempo, o Estado chegou a ser uma máquina formidável (a primeira edição do livro é de 1937, hoje seria “uma máquina altamente sofisticada”) que funciona prodigiosamente, de uma maravilhosa eficiência pela quantidade e precisão dos seus meios. Colocada no meio da sociedade, basta tocar uma mola para que actuem as suas enormes alavancas e operem fulminantes sobre qualquer peça do corpo social.” (pag.182).
Para Ortega y Gasset “Este é o maior perigo que hoje ameaça a civilização; a estatificação da vida, o intervencionismo do Estado, a absorção de toda a espontaneidade social pelo Estado; quer dizer a anulação da espontaneidade histórica, que em definitivo sustém, nutre e empurra os destinos humanos.” (p.182)
A política tem sido feita de muitos "ismos" no nosso país e no mundo: capitalismo, socialismo, comunismo, esquerdismo, liberalismo, etc. e passamos a ter agora, formalmente, o sem-vergonhismo. O sem-vergonhismo sempre existiu mas ninguém tinha tido a desfaçatez de o defender formalmente.

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