23/10/13

Público e privado: mais calor do que luz



Continua a discussão mistificadora entre público-privado. É uma discussão interminável. Como se fossem duas linhas paralelas que jamais se encontram.
E como escrevia Schumacher “os argumentos ao longo destas linhas de discussão produzem geralmente mais calor do que luz, como acontece com todos os argumentos que derivam a "realidade" de uma estrutura conceptual, em vez de derivarem uma estrutura conceptual da realidade”. (pag. 232) *

Embora a discussão se aplique a todos os sectores, a escola parece ser dos terrenos mais disputados entre estas duas linhas. Obviamente que podemos ter a opção por uma destas duas linhas e clivar em bom e mau o serviço prestado, como se bom fosse o estado ou mau fosse o privado e vice-versa.
Quando a preocupação deveria ser termos escolas de sucesso, criar serviços de saúde de excelência, criar redes de solidariedade do estado e das instituições privadas, sendo o estado apenas o regulador.
Alguns autarcas já o estão a fazer. Por exemplo, não gerem equipamentos sociais directamente mas apoiam-nos financeiramente e regulam a aplicação do investimento.**
Em relação à escola pública o que se faz é confundir-se escola pública com escola estatal. Como se públicas não fossem todas as escolas e não estivessem ao serviço dos cidadãos. O proprietário é o que menos importa em relação ao resultado final. As metas são as mesmas e os meios (a gestão) são igualmente dignos mas podem fazer a diferença.
O que é afinal a escola pública? É um sistema caro,  com desperdícios enormes e com gestão centralizada e quase impossível.
É uma escola que deixa para outros a grande tarefa de preparar os alunos para as avaliações. É um sistema em que existe um currículo oculto de que faz parte, por exemplo, o subsistema das explicações,  privado, e sem qualquer forma de regulação.
E cada vez mais as explicações começam mais cedo, logo no 1º ciclo e vão até ao 12º ano, com um peso extraordinário no horário dos alunos e na carteira dos pais. Mas, para nosso espanto, comunicação social e pais quase nunca apresentam queixas das mensalidades das explicações, apenas acham caros os livros e os cadernos !

Há escola pública  e escolas públicas.
A frequência de determinadas escolas públicas por algumas elites significa que há selecção de determinados públicos, transformando-as em escolas públicas de elite ?
Há escolas públicas onde estão a maioria dos alunos com NEE e com problemas comportamentais. Escolas que procuram ser inclusivas. Mas em que escolas públicas ? Qual a implicação que isso tem nas turmas ? 
Há escolas públicas que apesar da lei não o permitir, não "querem" alunos com estas características. E se bem o pensam melhor o fazem, uma vez que têm um número de alunos com NEE residual.
Além disso, duma maneira geral com a criação das AEC, destruiu-se o subsistema de tempos livres. O estado não deixou ficar na iniciativa privada/particular/cooperativa/associativa o subsistema de tempos livres e preferiu criar actividades de enriquecimento curricular, a chamada “escola a tempo inteiro”. Para quê ?***

Em vez de opor público a privado numa discussão sem fim, porque não se pensa num sistema educativo de que façam parte os vários subsistemas em articulação: estatal, privado, acordado, concordatário, particular (IPSS), cooperativo  (CERCIS)... em que todos concorrem para a educação dos cidadãos ?

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*Schumacher referia estas possibilidades:

Caso 1
Liberdade
Economia de mercado
Propriedade privada
Caso 5
Totalitarismo
Economia de mercado
Propriedade privada
Caso 2
Liberdade
Planeamento
Propriedade privada
Caso 6
Totalitarismo
Planeamento
Propriedade privada
Caso 3
Liberdade
Economia de mercado
Propriedade colectivizada
Caso 7
Totalitarismo
Economia de mercado
Propriedade colectivizada
Caso 4
Liberdade
Planeamento
Propriedade colectivizada
Caso 8
Totalitarismo
Planeamento
Propriedade colectivizada

Infelizmente, a recente experiência do país sobre  PPP veio inquinar toda a discussão sobre estas e outras possibilidades. Só faz sentido o estado fazer contratos PPP se houver benefícios para as partes e, efectivamente, os clientes  forem os principais beneficiados.

**Em Castelo Branco, a gestão autárquica percebeu isso muito bem. Em geral, o município não cria nem gere instituições sociais mas fez a opção  de apoiar as instituições através de apoio financeiro e da sua regulação.

***Algumas vantagens deste subsistema não estar na gestão do estado:
- distinção de espaço escola /espaço tempos livres que permite que o aluno não passe na escola mais de 40 horas como acontece actualmente;
- o recrutamento de professores e outro pessoal qualificado, como animadores culturais,etc.;
- a possibilidade de uma carreira de pessoal qualificado nesta área;
- a mudança de espaços, com vantagem para a disciplina na sala de aula;
- a interacção com colegas de várias escolas, de anos de escolaridade diferentes;
- a possibilidade de "mostrar" outras competências e de evitar "clichés" da escola, dos colegas da escola;  
- a flexibilidade de horários;
- a possibilidade de conjugar o horário mais facilmente com actividades culturais, como a frequência de conservatórios e instituições desportivas;
- a liberdade de escolha das crianças e dos pais.

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