O filme “A caixa” de Manoel de Oliveira conta a estória de um pedinte que acaba por ter aquilo que todos desejam: a possibilidade de pedir com eficácia, com resultados. Claro que acaba por suscitar o interesse de outros e a caixa do peditório acaba por lhe ser roubada.
Só que há um problema: o ladrão não tem uma estória para contar. Como poderá convencer alguém se não tem uma estória para convencer as pessoas? Não tem uma história e a estória é a base para se poder pedir na rua e ser bem sucedido.
Já todos vimos certamente, pedintes que mostram esse “currículo” na praça pública à compaixão de quem passa.
Já todos vimos certamente, pedintes que mostram esse “currículo” na praça pública à compaixão de quem passa.
Há algum tempo David Rodrigues, num colóquio sobre “inclusão /exclusão que paradigma”, realizado na ESE de Castelo Branco, contou também uma estória que veio ao encontro daquilo que estamos a reflectir: Um pai queixava-se, na escola, que o seu filho não transitava de ano e o insucesso era já habitual para aquela criança e para aquela família. E dizia: “ se ao menos o meu filho tivesse um problema visível, já não havia problemas”.
Esta necessidade de ter uma estória, a narrativa de uma queixa que impressione os outros parece ser um dado fundamental para obter a justificação suficiente e necessária para entrar num regime educativo especial, para ter medidas de avaliação diferentes como as previstas na legislação, para ter compaixão e tolerância e uma avaliação menos penalizadora para o aluno.
Ter uma estória é assim fundamental também na escola. E se essa estória for devidamente escrita num relatório médico, ou mesmo psicológico, tanto melhor.
Mas uma das coisas que mais me incomoda na escola é a situação daqueles alunos que não têm estória.
Os pais não estão informados para reivindicarem os seus direitos, isto é, a aplicação da legislação em vigor no que diz respeito à avaliação.
Incomoda-me ver alunos esquecidos que chumbam anos seguidos e não se faz nada ou quase nada por eles. Não há regimes educativos especiais, não há adaptações curriculares e os alunos continuam a repetir anos a fio sem que se altere seja o que for.
Então mas a educação não é sucesso para todos ? Até onde vai a possibilidade de adequação ou adaptação curricular?
A formalização da avaliação deve ser objectiva e rigorosa mas o que fazer aos alunos que não conseguem ultrapassar as suas dificuldades ?
Repetir o ano é uma forma de desperdício escolar e sabemos quanto custa um aluno, anualmente, ao estado.
O abandono e a repetição de ano são os tipos de desperdício escolar mais relevantes e indicadores do estado da educação.
As reformas educativas que alterações têm introduzido relativamente a este problema ?
Continuam a ser os eternos esquecidos do sistema educativo.
O actual ministério da educação parece que quer alterar este estado das coisas em beneficio da equidade, contrariamente à ideia de se manter os alunos todos num currículo que não lhes altera a situação.
É verdade que tem havido tentativas (pief, cef, pca) para resolver este problema mas são pouco consistentes e aparecem e desaparecem como os governos que criam essas respostas .
Que significado poderá ter a orientação escolar e profissional para os jovens com insucesso escolar quando sabemos que o insucesso gera:
- sentimento de ser desprovido de competências,
- perspectivas temporais limitadas e perspectivas limitadas ao presente ou ao passado recente: “não me falem de futuro”,
- representação do emprego sob a forma de “lugares” mais ou menos bons,
- a verdadeira formação adquire-se pela experiência prática,
- identidade de pessoa sem qualidade,
- sentimento de desespero,
- consciência aguda dos obstáculos.
Que projecto de vida então ? Como fazer as transições de ciclos, de tipo de ensino ?
Se defendemos a equidade temos de defender várias vias curriculares para os alunos poderem optar. Condená-los ao insucesso é a pior das iniquidades.
É que o insucesso nem sempre depende, apenas, da criança.
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