«A maior desgraça da nossa história, a infeliz campanha de Alcácer Quibir, em que desapareceu D. Sebastião, com a élite militar do seu tempo, não passou de um grande sonho vivido, de trágicas consequências. Mas a história está cheia de curiosos episódios, como o do Magriço e os Doze de Inglaterra, que vão defender em torneio umas damas ultrajadas por cavaleiros ingleses, a comprovar o fundo de sonhador activo do Português. Além disso, o desprezo pelo pelo interesse mesquinho e o gosto pela ostentação e pelo luxo nunca nos permitiram o aproveitamento eficaz das grandes fontes de riqueza exploradas. Os tesouros passavam pelas nossas mãos e iam-se acumular nos povos mais práticos e bem dotados para capitalizar, como os Holandeses e os Ingleses. Soubemos traficar, mas faltou-nos sempre o sentido capitalista. No século XVI, quando Lisboa era o grande empório do Mundo, sob o brilho do luxo já se ocultava a miséria. Gil Vicente descreve os fidalgos cobertos de rendas e brocados, com a sua corte de lacaios, mas sem dinheiro para comer. Ao contrário dos povos burgueses do Norte e Centro da Europa, o nosso luxo não é um requinte que resulte do conforto, é-lhe quase oposto; é mero produto da imaginação, e não dos sentidos. Ainda hoje temos as camas mais duras da Europa e as ruas estão repletas de automóveis de luxo. São poucas as casas ricas com aquecimento e muitas delas não têm uma sala de estar. Mas essas mesmas casas têm salas de visitas ou até salões de baile cheios de porcelanas da Índia e da China. As pessoas modestas, cujas casas são despidas do mínimo conforto, andam nas ruas vestidas com elegância ou com luxo. Um pequeno empregado de comércio, de pouco ilustração e educação, faz mais figura na rua do que um intelectual alemão ou suíço de boa família e com recursos. Da mesma maneira, qualquer empregadita, que mal ganha para se alimentar, anda vestida impecavelmente e pela última moda.» (pg.31-33)
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