06/11/12

Adaptações curriculares


 
O filme “A caixa” de Manoel de Oliveira conta a estória de um pedinte que acaba por ter aquilo que todos desejam: a possibilidade de pedir com eficácia, com resultados. Claro que acaba por suscitar o interesse de outros e a caixa do peditório acaba por lhe ser roubada. 
Só que há um problema: o ladrão não tem uma estória para contar. Como poderá convencer alguém se não tem uma estória para convencer as pessoas? Não tem uma história e a estória é a base para se poder pedir na rua e ser bem sucedido.
Já todos vimos certamente, pedintes que mostram esse “currículo” na praça pública à compaixão de quem passa. 
Há algum tempo David Rodrigues, num colóquio sobre “inclusão /exclusão que paradigma”, realizado na ESE de Castelo Branco, contou também uma estória que veio ao encontro daquilo que estamos a reflectir: Um pai queixava-se, na escola, que o seu filho não transitava de ano e o insucesso era já habitual para aquela criança e para aquela família. E dizia: “ se ao menos o meu filho tivesse um problema visível, já não havia problemas”. 
Esta necessidade de ter uma estória, a narrativa de uma queixa que impressione os outros parece ser um dado fundamental para obter a justificação suficiente e necessária para entrar num regime educativo especial, para ter medidas de avaliação diferentes como as previstas na legislação, para ter compaixão e tolerância e uma avaliação menos penalizadora para o aluno. 
Ter uma estória é assim fundamental também na escola. E se essa estória for devidamente escrita num relatório médico, ou mesmo psicológico, tanto melhor. 
Mas uma das coisas que mais me incomoda na escola é a situação daqueles alunos que não têm estória. 
Os pais não estão informados para reivindicarem os seus direitos, isto é, a aplicação da legislação em vigor no que diz respeito à avaliação. 
Incomoda-me ver alunos esquecidos que chumbam anos seguidos e não se faz nada ou quase nada por eles. Não há regimes educativos especiais, não há adaptações curriculares e os alunos continuam a repetir anos a fio sem que se altere seja o que for. 
Então mas a educação não é sucesso para todos ? Até onde vai a possibilidade de adequação ou adaptação curricular? 
A formalização da avaliação deve ser objectiva e rigorosa mas o que fazer aos alunos que não conseguem ultrapassar as suas dificuldades ? 
Repetir o ano é uma forma de desperdício escolar e sabemos quanto custa um aluno, anualmente, ao estado. 
O abandono e a repetição de ano são os tipos de desperdício escolar mais relevantes e indicadores do estado da educação. 
As reformas educativas que alterações têm introduzido relativamente a este problema ? 
Continuam a ser os eternos esquecidos do sistema educativo. 
O actual ministério da educação parece que quer alterar este estado das coisas em beneficio da equidade, contrariamente à ideia de se manter os alunos todos num currículo que não lhes altera a situação. 
É verdade que tem havido tentativas (pief, cef, pca) para resolver este problema mas são pouco consistentes e aparecem e desaparecem como os governos que criam essas respostas . 
Que significado poderá ter a orientação escolar e profissional para os jovens com insucesso escolar quando sabemos que o insucesso gera: 
- sentimento de ser desprovido de competências, 
- perspectivas temporais limitadas e perspectivas limitadas ao presente ou ao passado recente: “não me falem de futuro”, 
- representação do emprego sob a forma de “lugares” mais ou menos bons, 
- a verdadeira formação adquire-se pela experiência prática, 
- identidade de pessoa sem qualidade, 
- sentimento de desespero, 
- consciência aguda dos obstáculos.
Que projecto de vida então ? Como fazer as transições de ciclos, de tipo de ensino ? 
Se defendemos a equidade temos de defender várias vias curriculares para os alunos poderem optar. Condená-los ao insucesso é a pior das iniquidades.
É que o insucesso nem sempre depende, apenas, da criança. 


"Em busca da esmeralda perdida"



Este trabalho de pesquisa podia chamar-se "os salteadores da arca perdida" ou Indiana Jones na terra dos afectos…
No fundo, a psicoterapia é procurar as ligações/vínculos que são os factores protectores da nossa vida psicológica e da nossa vida.
Nesse mundo de aventuras os factores de risco parece que são sempre, à medida que nos vamos desenvolvendo, mais difíceis e imprevisíveis antes de se atingir o objectivo. O que acontece é que no nosso tempo estes laços são muito frágeis devido às situações familiares e sociais complexas em que vivemos:
- separações familiares disfuncionais,
- violências hard e soft, guerras, acidentes de viação, doenças,
- perturbações do quotidiano: stress, falta de tempo ou tempo a mais (desemprego…).
Se viver é um risco nem sempre é fácil aceitá-lo. Por isso se desiste.
As crianças também vivem este contexto e correm risco de perturbação de desenvolvimento.
É neste ponto que nos podemos perguntar para que serve a psicologia? Para voltar atrás à procura das ligações, das pontes caídas, e descobrir que caminho podemos seguir para melhor podermos passar para o outro lado, o lado do equilíbrio psicológico.
Ao longo do desenvolvimento deparamos com muitas situações de perigo: real ou imaginário, tão importante como o real. Algumas estão devidamente assinaladas e os sintomas são claros para sabermos o caminho mas outras merecem um cuidado especial por parte do psicólogo.
Tenho vindo a deparar com mais frequência com situações de luto e de depressão infantil. Não são situações relativas a esta ou àquela crise social. O que acontece é que hoje estamos mais atentos e as razões indicadas acima não são de hoje mas têm vindo a contextualizar a sociedade actual.
Muitas vezes estas situações não perfazem totalmente os critérios para podermos falar de depressão infantil mas aparece num sentimento de tristeza associado à perda do objecto do afecto ou à ausência do objecto de afecto ou à insegurança que é sentida pelas dificuldades de ligação ao objecto do afecto.
Os sintomas são as conhecidas  “dores de barriga” associadas a choro, mais ou menos persistente, mas com força suficiente para perturbar a frequência regular das aulas, necessária para não se perder o fio à meada do currículo.
O sentimento de perda está normalmente presente. E um pormenor pode desencadear o processo: uma situação de perda da autoestima, um insanável conflito parental onde a criança é a última a ser considerada, um horário com “furos” e sem objectivos,  e as secas à porta da escola porque os pais nunca chegam a horas à saída...
Estas crianças apresentam medos difusos, não concretos e objectivos. E como sabemos o medo inventa coisas terríveis como se fossem reais.
Como podemos explicar às crianças que essas coisas terríveis não são reais, não existem ?
Os pais têm que estar atentos aos sintomas que podem aparecer e que são resultantes das actividades escolares ou das interacções entre pares no tempo que os filhos passam na escola.
Mas não se esqueçam que a procura da esmeralda perdida deve começar em casa, onde reside muitas vezes a forte ligação a um filho que não pode ter dúvidas acerca do amor dos pais, algumas vezes está na escola ou no caminho para a escola. Ou não.
O mundo afectivo dos pais pode desabar, e aí é necessário procurar ajuda, mas a ligação aos filhos tem de ser mais forte do que tudo o que nos possa acontecer.
Já aqui falei que este seguro afectivo deve fazer parte do enxoval do bebé de qualquer casal que vai ter um filho. Os pais deveriam ter o compromisso, perante qualquer perigo, de nunca romperem esse seguro afectivo.

03/11/12

Escritores da Beira



Rui de Pina
João Roiz de Castelo Branco
Amato Lusitano
Gonçalo Anes Bandarra
Gonçalo Fernandes Trancoso
Pedro da Fonseca
Frei Heitor Pinto
Frei Bernardo de Brito
P. António de Andrade
Frei Manuel da Rocha
Martinho de Mendonça
Ribeiro Sanches
Frei Joaquim de Santa Rosa de Viterbo
José Silvestre Ribeiro
José Germano da Cunha
João Franco
José Augusto de Castro
Afonso Costa
Faria de Vasconcelos
Nuno de Montemor
Hipólito Raposo
Vieira de Almeida
Cassiano dos Santos Abranches
José Lopes Dias
José Crespo
José Marmelo e Silva
António Paulouro
Vergílio Ferreira
Manuel Antunes
Vasco Miranda
Orlando Vitorino
Eugénio de Andrade
Eduardo Lourenço
João Maia
José Cardoso Pires
António Alçada Baptista
Albano Martins
 E.M. de Melo e Castro
António Salvado
José Correia Tavares
Pinharanda Gomes
Arnaldo Saraiva
Maria de Loudes Hortas
João Camilo
José Manuel Capêlo
Carlos Correia
José Oliveira Barata
Luís Osório
 

31/10/12

Literatura e liberdade

Decorreu na semana passada o “Festival literário de Castelo Branco”.
Estive na sessão do cine-teatro avenida. O tema do debate era  a literatura e o politicamente correcto.
A mesa era composta por autores de que gosto e outros que só conheço de nome.
Mário Zambujal, Isabel Stilwell, Teolinda Gersão, Afonso Cruz e Pedro Vieira. Moderada por Fernando Paulouro.
Mas o meu maior interesse tinha a ver com a homenagem a António Salvado que por impossibilidade de saúde não esteve presente.
Justa homenagem da sua cidade. Castelo Branco tem a sorte de ter um grande autor da e na sua cidade.
Cruzamos com ele muitas vezes ou tomamos a bica no mesmo café. Não é necessário falar.
António Salvado é organizador da única antologia portuguesa de mulheres poetas ou poetisas. Lia os trabalhos que publicava no Jornal do Fundão, em especial uma série de suplementos dedicados aos autores da Beira, quer àqueles que pintam com a palavra quer aos que escrevem com a sua pintura, como muito bem disse José Pires que apresentou a sessão.
Ler os mais recentes livros de António Salvado é a melhor homenagem que lhe podemos prestar . “Outono” é belíssimo e “Repor a luz” é uma onda de felicidade.
A minha homenagem é ler António Salvado.
Quanto à sessão devo confessar que admirei a coragem de Teolinda Gersão que falou da sua visão antidogmática da literatura.
Vou ler “A cidade de Ulisses” e “A árvore das palavras”.
Numa plateia que ia de Fernando Paulouro para a esquerda, salpicada com outras opções políticas que também gostam de cultura, como é o meu caso, foi corajoso falar do tempo do muro de Berlim em que Teolinda Gersão compreendeu que não havia nada de novo do outro lado.
Ainda hoje pensar como Teolinda Gersão é politicamente incorrecto.
Mário Zambujal falou do tempo em que era preciso escolher as palavras para poder escrever sem que a censura lhe cortasse os artigos.
Mas o politicamente correcto não tem a ver só com o tempo.
Nada é comparável à desprezível censura. Mas os "dinossauros excelentíssimos" andam por aí. E eles é que sabem quem deve ser publicado e quem deve fazer as manchetes da comunicação social. São as extinções, as fusões e as pressões, da economia, da politica, no fundo, do poder que nos dão as notícias que acham politicamente correctas.
Há coisas na nossa vida que são construídas todos os dias. A liberdade e a liberdade de expressão são construídas todos os dias, tal como a integração e inclusão social e educativa. Nunca está pronta, nunca está acabada. É cada um de nós que tem que a construir. Como autor ou como leitor.
Houve ainda um momento em que pela primeira vez ouvi a viola beiroa, também designada de viola de Castelo Branco, típica da região da Beira Baixa, que estava praticamente caída no esquecimento.
A cultura é memória e é bom que a Câmara, como fez, ajude a preservar essa memória.
Por isso, um bando de aplausos por esta iniciativa que é um a forma politicamente incorrecta de dizer e escrever, como diria Isabel Stilwell, porque só há bandos de pássaros.
Nem tudo o que é politicamente incorrecto é certo e nem tudo o que é politicamente correcto é errado. As duas formas podem ser registo de cidadãos livres que escrevem o que pensam e pensam o que escrevem.

25/10/12

Boatos e rumores

Significam mais ou menos a mesma coisa. O rumor (Larousse) é uma informação que se transmite oralmente, e assim se espalha. Mas hoje temos um meio muito poderoso para espalhar o rumor, a internet, que utiliza o audiovisual e a velocidade para potenciar essa forma de comunicação muitas vezes falsa, voluntariamente ou não .
Alguns rumores espalham-se mais facilmente do que outros quando para isso encontram terreno ou contexto propício. Por outro lado, o rumor deforma-se ao ser espalhado, modificando-o cada um sem se dar conta disso. Ou não, pode deformar-se propositadamente e então estamos mais no campo do boato.
O boato é uma declaração cuja veracidade não é rapidamente confirmada.
Pode-se também incluir no campo da propaganda e da manipulação.
O que espanta é que as pessoas acreditem tão facilmente no rumor. Como é que as pessoas se tornam crédulas ?
Para Fabrice Clément, (Lausanne) a maior parte destes boatos e rumores têm que passar por dois filtros : um filtro cognitivo e outro emocional. O filtro cognitivo (que se pode chamar “sentido crítico”) verifica se a informação é credível ou não face à experiência e à cultura de cada um. Face a uma informação absurda ou contra-intuitiva (“está um fantasma no armário”), usamos espontaneamente este filtro cognitivo.
O filtro emocional selecciona aquilo que é desejável ou não. Porque para que uma informação seja aceite não é suficiente que pareça verdadeira ou falsa é necessário que ela não perturbe muito o equilíbrio psicológico…
No final a credulidade resulta da transacção entre os dois filtros cognitivo e emocional, racional e desejável.

A internet pelas suas características parece ser uma fonte mais potente de fabricar rumores do que os outros media: a televisão, a radio e a imprensa, principalmente os tablóides.
De facto a internet tem três características que os outros media não têm:
Pela extensão geográfica: dá a informação a nível do planeta.
Pela extensão temporal : a transmissão de uma notícia é quase instantânea.
Pela sua considerável capacidade de memoria : tudo é consultável em qualquer local, e em qualquer momento…
O texto de um rumor encontra-se em poucos clics. Devemos ter em conta a nuance: não é porque existe a possibilidade que nos servimos disso! A maior parte das pessoas não verifica uma informação antes de a tornar pública....
Mas a internet não tem apenas esta possibilidade de veicular os rumores a grande velocidade. Tem também sites anti-boato e anti-rumor ( 1,   2,  3), que servem exactamente para que as pessoas possam saber se um rumor tem fundamento ou se se trata de uma pura falsidade.
Em Portugal há rumores sobre tudo: políticos, famosos, figuras públicas e até sobre os mais descuidados cidadãos, independentemente da idade, sobre todas as situações principalmente aquelas que puxam à lágrima. Era também bom que existissem sites anti-rumor.
O problema é se estes sites anti rumor merecem credibilidade e se eles próprios não se transformam em rumor. Quem poderá garantir que não ? Apesar de tudo eles lançam uma dúvida sobre o rumor. E essa dúvida sobre o rumor já vale a pena.
É que hoje, mais do que no passado, e devido exactamente ao poder das tecnologias de informação e comunicação assistimos aos mais incríveis boatos e rumores sobre tudo e sobre qualquer pessoa.
Por isso é necessário termos espírito crítico e desconfiar do que ouvimos ou do que vemos, principalmente do que nos emociona facilmente ou não nos causa qualquer dissonância cognitiva.

18/10/12

Manipulação positiva, manipulação negativa

Por várias vezes falámos aqui de manipulação. Normalmente a manipulação tem uma conotação negativa e terrível. No entanto, a manipulação para se fazer aquilo que eu quero é uma coisa, a manipulação para o que deve ser feito é outra. O problema é: quem sabe o que deve ser feito ?
O termo manipulação ou manipulação das ideias está presente na nossa vida: é o que fazem os pais e os filhos, os líderes, os chefes das empresas, os professores.
Uma simples t-shirt com um slogan é uma forma de manipulação. As palavras de ordem nas manifestações são manipulação, seja "que se lixe a troika queremos as nossas vidas" ou o pin que os membros do governo usam na lapela.
Há a manipulação da felicidade, da alegria e do bom humor como a manipulação do mágico que nos quer fazer acreditar que tira um coelho da cartola ou que tira moedas do nariz.
Temos dificuldade de distinguir informação de contra informação, propaganda e contra propaganda, na certeza de que os gabinetes de agit-prop  estão cheios de trabalho...
São horas de massacre dos comentadores nos canais de cabo, das notícias repetidas mil vezes, das reportagens redondas e anunciadas, da adjectivação, do desrespeito e da descredibilização das instituições, da maledicência interpessoal dos políticos.
As campanhas eleitorais são manipulação extrema e as promessas dos políticos como a diminuição dos impostos, a baixa do custo de vida, o estado social, continuam a produzir o efeito desejado como acontece com os impostores...
Nas famílias passa-se a mesma coisa: o discurso do casal em separação ou divórcio relativamente ao desentendimento sobre o cuidado dos filhos, as cenas à volta da atribuição do poder parental, a manipulação dos filhos relativamente a um dos progenitores que redunda, normalmente, em manipulação maldosa e perniciosa.
Querendo ou não,  a manipulação faz parte da nossa vida. O que estou aqui a dizer, a minha opinião, é uma forma de dizer que eu tenho razão e, portanto, devem concordar comigo. É uma forma de manipulação.
Manipulação das ideias e persuasão não devem ser confundidas. A manipulação das ideias consiste num conjunto de informações que nos chegam ao cérebro de forma inconsciente para obter comportamentos relativamente focalizados.  A persuasão visa modificar as opiniões e atitudes e são o centro da vida democrática...
Para obter eficácia a manipulação é preferível à persuasão mas as duas constituem a comunicação comprometida, isto é, um discurso de persuasão que não é recebido passivamente mas acompanhado de uma acção empenhada como a assinatura de uma petição, um autocolante, o trabalho de grupo para criar um slogan...
A persuasão só por si  parece cada vez mais letra morta. (Le cercle Psy)
Há formas de manipulação positiva, a manipulação para o bem e a manipulação negativa e perniciosa.
A educação é também uma forma de manipulação. Freud falava da educação como repressão exigida pela integração na cultura. Seja em que cultura for a manipulação positiva é o que se faz com a educação da criança na família e na escola para mudarmos o seu comportamento e atitudes. O mesmo é dizer que uma criança não apresenta comportamentos desajustados por causa da sua natureza. Não, o mal não está nos seus genes. É por isso que na consulta psicológica digo aos pais que não devem punir fisicamente os filhos porque eles não são maus. O seu comportamento é que deve ser punido. Mas os factores que influenciam o comportamento são tão diversos que seria injusto atribuir à natureza da criança essa responsabilidade.
Voltamos a Rousseau, então ? Não. Os maus comportamentos devem ser punidos mas a natureza da criança não é disso responsável.
A manipulação positiva faz bem à saúde. Utilizar a manipulação para mudar comportamentos como o tabagismo, alcoolismo, toxicodependência, ou para incentivar comportamentos saudáveis, mudar o comportamento na refeição ou na hora de dormir das crianças... tudo isto está a acontecer agora na nossa vida.

12/10/12

A diferença és tu

Dinah Washington (August 29, 1924 December 14, 1963)

Não é o governo, nem a oposição e muito menos a troika. Bom fim-de-semana.

M. C. Escher: "Os homens descem e no entanto elevam-se"

                              

                               
 TRANSCENDER

Escher acertou.
Os homens descem e no entanto elevam-se,
A mão é puxada pela mão que puxa,
E uma mulher está apoiada
Nos seus próprios ombros.

Sem eu e tu este universo é simples,
Funciona com a regularidade de uma prisão.
As galáxias giram em arcos estipulados,
As estrelas caem a uma hora específica,
Os corvos dão uma curva em U para sul e os macacos
têm o cio na altura certa.

Mas nós, a quem o cosmos formou durante milhões de anos
Para encaixar no seu lugar, nós sabemos que falhou.
Pois nós podemos reformar,
Meter um braço através das barras
E, tal como Escher, puxar-nos para fora.

E enquanto as baleias que se alimentam de bacalhau
Estão confinadas para sempre ao mar,
Nós subimos as ondas,
E olhamos das nuvens para baixo.

Look Down from Clouds (Marvin Levine, 1997)
(Poema que abre o livro de Seligman)






                                                       
   
o princípio de m. c. escher (I)

prelúdío e fuga sobre um tema popular
a)
lá sai uma, saem as duas
as três pombas do papel
saem do bico da pena
que nesta folha as escreve
e que as penas lhes alisa
sem acrescentar as minhas,
ganham forma, ganham força,
e aos poucos se desenleiam,
já se equilibram, já voam,
descrevem uma parábola
dum branco intenso no azul,
vêm pousar no peitoril,
de patinhas saltitantes
pulam pra cima da mesa,
fazem dum livro degrau
e regressam ao papel,
entram na caligrafia
que as prende no seu cordel,
letra a letra, linha a linha,
outra vez palavras planas
que atravessam toda a página
pra voltarem a soltar-se
na chegada ao outro lado
e não há ponto final 
Vasco Graça  Moura
(Extracto de um poema de Vasco Graça Moura  que se pode ler em Poesia 1963-1995,Círculo de Leitores)