Duarte Lobo (1565 – 1646) *
Audivi vocem de cælo, dicentem mihi:
Por: Ensemble Formosa; Dir: Daniel Tate.
" O "ostinatismo" que se verifica na música erudita portuguesa, e que, parece, veio influenciar a música europeia da época, é um dos aspectos do temperamento português, que se pode notar em outras manifestações artísticas. O manuelino é esse mesmo "ostinatismo" tão português como marítimo, feito de ondas e espuma e de vago apelo da distância. Onde há movimento mais imóvel que o das ondas a rolar os seixos das praias?
É possível que o fundo histórico da imobilidade e do "ostinatismo"da música erudita portuguesa sejam os intervalos paralelos e isométricos das canções corais alentejana e minhotas, que na sua essência representam também a ideia do ostinato, mas a usa verdadeira origem deve estar na alma contemplativa e obstinada dos Portugueses. Foi a própria obstinação que tornou possível a realização dum sonho que parecia superior às forças daqueles que o realizaram. O manuelino, afinal, é a expressão arquitectónica desses sonho materializado; é como disse Reinaldo dos Santos, a "arte dos Descobrimentos".
O "ostinatismo" tem, como a saudade, mais que uma face. Se por trás dele existe uma ideia grande, pode se fértil em resultados, pela sua enorme capacidade de penetração, de movimento em profundidade. Mas, sem esse amparo, tem o perigo de conduzir à imobilidade mental, ou ao movimento aparente e sem sentido, porque lhe falta a força da coesão social, que leva o Português a ultrapassar o seu individualismo e a colaborar. De facto, o Português tem um forte sentimento de individualismo, que se não deve confundir com o de personalidade. " (p. 45 -47) Jorge Dias, O essencial sobre os elementos fundamentais da cultura portuguesa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda.
Os Portugueses só podem sentir orgulho na sua cultura que criou um património material e imaterial tão belo como os Jerónimos ou esta música.
O Presidente Marcelo tem todo o mérito na compreensão que faz dos Portugueses: "Somos os melhores dos melhores". Mesmo que tenhamos defeitos como todos os outros.
Na espuma destes dias de auto-flagelação e comiseração, de razia e rasura, não deve ser possível que a "obsessão mudancista" (Mário S. Cortella) leve a esquecer, deturpar e destruir o passado quer seja extraordinário quer seja mais obscuro mas mesmo assim com muito mais humanidade do que aconteceu noutros povos. Elogiar e criticar a nossa História sempre foi timbre do povo português, mais culto ou menos culto, das elites, dos escritores portugueses - Gil Vicente, Camilo, Eça... - mas no fundo fica sempre o "amor a Portugal".
De facto, "outra constante da cultura portuguesa é o profundo sentimento humano, que assenta no temperamento afectivo, amoroso e bondoso. Para o Português o coração é a medida de todas as coisas." (p. 34)
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* Compositor português da época do Renascimento tardio e Barroco inicial. Foi o mais famoso compositor português da sua época. Em conjunto com Filipe de Magalhães, Manuel Cardoso e o Rei D. João IV, é considerado um dos músicos da "época dourada" da polifonia portuguesa. (Wikipédia)
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