Estamos tristes e sensibilizados com mais um caso de maus tratos que vitimaram uma criança de 9 anos.
E, novamente, nos interrogamos sobre a violência do ser humano no relacionamento com as crianças.*
Mas o que já sabemos sobre estas tragédias do ponto de vista sistémico ajuda-nos na compreensão destes casos.
O filicídio materno e ou paterno é um acontecimento de grande complexidade mas, mesmo assim, podemos estabelecer os perfis das vítimas e dos criminosos. Há muitas semelhanças mas também algumas diferenças entre os abusadores maternos e paternos.**
Tanto quanto sabemos a situação socio-familiar tinha tudo para correr mal.
Em geral, nestas situações encontramos:
- familias disfuncionais com problemas relacionais e familiares: separações, divórcios, violência doméstica, ciúmes, litígio pela regulação das responsabilidades parentais;
- história anterior de maus-tratos infligidos contra os filhos e relacionamentos emocionais desajustados, de que a fuga da criança seria um sinal a valorizar;
- contexto de toxicodependência;
- condições socio económicas desfavoráveis: desemprego, dificuldades financeiras;
- comportamento antissocial, comportamento agressivo e história de condenações anteriores;
- As vítimas são sujeitas a modelos de maus tratos intrafamiliares.
Neste caso, também não ajudou a circunstância de confinamento imposta pela covid-19 e a necessidade de acesso à internet para continuar as aprendizagens escolares de forma não presencial.
A escola para estas crianças funciona quase sempre como um factor de protecção e está em condições de perceber muitos sinais de perigo que as crianças nos dão.
Este conjunto de vulnerabilidades podem ser comuns à vida familiar de muitas outras crianças. A dificuldade está em perceber até onde os factores de risco podem ser contrabalançados com os factores de protecção.
E isto nem sempre é fácil de interpretar para quem trabalha com estas situações podendo-se cometer erros de subavalição que levam a desfechos trágicos.
Sem dúvida que a avaliação das competências parentais, dos factores de risco e dos factores de protecção não podem ser minimizados em qualquer circunstância e em especial quando se trata de confiar a educação da criança aos progenitores ou a um deles.
Como costumamos dizer cada caso é um caso e não deve haver uma regra preferencial para atribuição do poder parental. Sem dúvida que é desejável a guarda partilhada, porém essa pode ser a decisão errada.
O que podemos fazer para que este mal seja erradicado da nossa sociedade? Há medidas que abrangem vários sectores mas a educação na família e na escola é fundamental.
Educar com o coração** ou seja educar as competências emocionais para poder ser capaz de controlar as emoções destrutivas .
Os próprios pais devem reconhecer que quando não são competentes para educar os filhos devem pedir ajuda. Porém, é mais frequente assistirmos a conflitos entre progenitores que querem a qualquer preço ficar com a criança como forma de vingança em relação ao outro progenitor.
Uma educação eficaz tem que ter no seu currículo*** uma componente emocional sem a qual as aprendizagens vão criar pessoas que até podem ser profissionalmente competentes mas muito frágeis no relacionamento humano.
Até para a semana, com muita saúde.
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* Infelizmente, um pouco por todo o mundo... Ficamos sem palavras, o silêncio de uma dor sem limites, perante tamanha violência para com as crianças.
** Ana Carolina B. S. Pereira, Filicídio: alguns contributos para a compreensão do fenómeno.
*** Goleman, D. - Emoções destrutivas e como dominá-las, C. Leitores. (cap. 11, "Formar um bom coração" e cap. 12, "Encorajar a compaixão".
** Ana Carolina B. S. Pereira, Filicídio: alguns contributos para a compreensão do fenómeno.
*** Goleman, D. - Emoções destrutivas e como dominá-las, C. Leitores. (cap. 11, "Formar um bom coração" e cap. 12, "Encorajar a compaixão".
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