As famílias, qualquer que seja a sua estrutura, têm dificuldade nas
interacções entre os seus diversos elementos, sendo particularmente evidente, a
dificuldade que sentem na educação dos filhos.
O problema da educação dos filhos sempre levantou interrogações. As crianças
sempre foram mais vítimas dos comportamentos dos adultos e das vicissitudes
históricas em que nem sequer eram reconhecidas as necessidades próprias da infância.
A "educação" das crianças passou por vários modos (L. Demause) ao longo do tempo, desde o modo infanticida, ao modo
abandonante … até à actualidade, em
que o modo é o de ajudar a criança, ou seja, o fim absoluto
da humilhação para controlar a criança e ajudar os pais a ajudar a criança a
atingir os seus objectivos mais do que socializá-la ao gosto do adulto.
O quadro legal em que vivemos* é muito diferente de outros momentos históricos. Felizmente, hoje, podemos falar dos direitos da criança. As crianças obtiveram direitos à medida que a sociedade também evoluiu no sentido do reconhecimento dos direitos humanos. Porém, o quadro actual dos direitos da criança inscritos na “Declaração dos direitos da criança” e na “Convenção sobre os direitos da criança”, está longe de ser respeitado. Pelo contrário, os abusos estão por todos os lados e atingem muitas famílias, sendo, aliás, dentro das famílias que verificamos muitos dos abusos em que as crianças são as principais vítimas. O que quer dizer que nem sempre os pais são a melhor protecção para as crianças nem para decidirem em seu nome.
A visão de que as crianças são uns pequenos ditadores deixa muito por explicar mas pode levar a que muitas pessoas achem que “de pequenino é que se torce o pepino”, adágio que não deixa de estar certo, excepto quando signifique que é com castigos corporais que se educam as crianças.
Não podemos confundir punições com castigos corporais (maus-tratos físicos) e humilhação (maus- tratos psicológicos). Não
podemos pensar que um programa de
contingências de reforço é o único método
de modificação do comportamento. Ou que é aplicável de forma rápida e
simples. Além disso, deve haver sempre referência aos estádios
de desenvolvimento da criança. Ou seja, não generalizar comportamentos
registados e seleccionados nos programas televisivos aos comportamentos de algumas crianças
como se correspondessem a uma tipologia comportamental. Há algumas crianças que
têm comportamentos daquele tipo mas na maioria das vezes têm significados diferentes e elas são as vítimas.
É fácil constatar que os pais de crianças com problemas comportamentais não têm ajudas, não sabem como resolver esses problemas, fazem o que pensam que é melhor para a educação dos filhos, mesmo que isso implique a sua exposição pública num programa de televisão, num reality show. Mas este é outro problema que deve ter resposta da escola, das artes, da saúde, do desporto, dos tempos livres...
Os pais devem esperar dos filhos, em determinadas idades, comportamentos desajustados que, no entanto, fazem parte do desenvolvimento e que não são mais do que crises normais do desenvolvimento. E, vistas bem as coisas, que drama há em ter dificuldades com uma criança às refeições ou ao deitar, comparadas com o mundo dos adultos - conflitos mesquinhos, todo o tipo de violência, corrupção ao mais alto nível... – que é bem mais medonho do que este mundo da infância que está a aprender a regular-se e a ser sociável, a aprender seguir alguns modelos adultos e a recusar, necessariamente, outros.
A Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) elaborou um Parecer sobre “o Impacto da Exposição das Crianças e Jovens em Programas com Formato de Reality Show”, isto é, sobre as consequências negativas a nível da criança e a nível da audiência e do público em geral, que podem advir da exposição mediática das crianças em virtude da sua participação neste tipo de programas.
A nível da criança, as consequências
têm a ver com a falta de consentimento
informado, a violação da privacidade, a exploração de uma imagem negativa da
criança, o sofrimento psicológico e a interferência na relação com os outros.
As repercussões negativas na audiência
e no público em geral são, por exemplo, a imitação dos comportamentos
disruptivos; a ideia, falsa, de que os
problemas apresentados são resolvidos com soluções imediatas, rápidas e
simples; a exposição da vida das famílias pode degradar a sua imagem…
Os riscos deste tipo de programas são mais do que suficientes para que não se tenha a veleidade de pensar que supernanny é um programa de informação e ou educação sem contra-indicações.
Os riscos deste tipo de programas são mais do que suficientes para que não se tenha a veleidade de pensar que supernanny é um programa de informação e ou educação sem contra-indicações.
____________________________
* Convenção sobre os direitos da criança (Adoptada pela Assembleia Geral nas Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989 e ratificada por Portugal em 21 de Setembro de 1990; Lei 147/99, de 1 de Setembro (Lei de protecção de crianças e jovens em perigo)
Sem comentários:
Enviar um comentário