22/03/17

Birras “boas” e birras “más”

As birras não são apenas manifestações do comportamento infantil, também acontecem com os adolescentes e os adultos.
São diferentes das birras das crianças, isto é, enquanto as birras infantis são barulhentas e dão muito nas vistas, as dos adolescentes e adultos também têm aspectos espalhafatosos mas são mais de carácter silencioso. São igualmente perturbadoras para o próprio, e para quem se pretende atingir, e, em geral, duram muito mais tempo. Pode ser atirar a loiça ao chão, ou o que estiver à mão, mas os amuos, por tudo e por nada, são o comportamento mais habitual. 
Pretende-se atingir outra(s) pessoa(s) pelo silêncio, pelo isolamento, pela não participação, de forma a que se possa impor a própria vontade e os ganhos que daí resultam. 
Como acontece com as crianças, é sempre uma forma de quebrar as regras, perder o controlo e testar os limites.
O pediatra Mário Cordeiro fala das birras que, frequentemente, acontecem no quotidiano dos adultos, p, ex. no trânsito, quando o outro condutor estaciona o carro à nossa frente, no lugar que pensávamos já ser nosso e fazemos uma cena porque achamos que temos direito ao lugar…
Ou quando no café, na esplanada, fazemos uma cena se não somos imediatamente atendidos porque não queremos ou não somos capazes de esperar a nossa vez... Isto é, não sabemos lidar com a frustração.
No entanto, nos adultos, há birras que podem ser consideradas reacções saudáveis face a comportamentos desajustados de outras pessoas e que não são mais do que formas de reacção e manifestação da gestão emocional perante as injustiças. Às vezes é melhor “deixar sair” a raiva e a irritação do que sentirmo-nos culpados pelos desajustamentos dos outros.
Isabel Stilwell conta como aprendeu a fazer birras com as netas. “As minhas netas contagiaram-me com a eficácia da birra, e temo que lhe tenha tomado o gosto. Percebi como gritar e bater os pés, atirar objectos para longe e deixar-me apoderar pelos nervos tem um efeito extraordinário de catarse sobre as desilusões e as irritações acumuladas” (Diário de uma avó galinha, pag 94)
Perante uma injustiça, somos sensíveis, incomodamo-nos com as coisas desagradáveis que nos acontecem, mas logo a seguir a irritação “vai embora” e voltamos à serenidade. 

As birras são uma doença mental? Como sabemos o DSM (Manual de diagnóstico e estatística das doenças mentais) é a “cartilha” onde estão inscritas as diversas doenças mentais. É, sem dúvida, de grande utilidade para o trabalho clínico, mas, apesar disso, deve ser usada com todos os cuidados, principalmente, quando se trata de crianças.
Tanto mais que, ao longo dos anos, têm sido feitas várias revisões, e a última, a quinta, tem recebido várias criticas pelo facto de “patologizar” a normalidade.
Relativamente às perturbações mentais infantis, conhecemos bem, p. ex., o que aconteceu com o diagnóstico de “perturbação de hiperactividade com défice de atenção” (PHDA) que levou ao aumento do número de casos diagnosticados com essa doença e, como consequência, levou ao aumento extraordinário do consumo de medicamentos.
É necessário, ser muito cauteloso, na distinção do que são crises normais de comportamento inscritas no desenvolvimento psicológico daquilo que são crises patológicas.
Pensar que as birras constituem um quadro de “perturbação disruptiva de desregulação do humor” pode se um erro de diagnóstico com consequências graves para a criança.
Em relação às crianças aliás, qualquer diagnóstico deve ser prudente dada as características do desenvolvimento infantil. “Os diagnósticos de crianças deviam ser escritos a lápis”, defende Allen Frances.
O stress, as birras, as experiências com altos e baixos, a tristeza, o luto, os contratempos, fazem parte da vida, são problemas normais e não patológicos. E não faz sentido medicar o que é normal. *
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 * Encontra inúmeros sites que dão conselhos (dicas) para lidar com as birras das crianças. Em "Birra de criança: tudo que você precisa saber sobre ela", há conselhos adequados e talvez eficazes.

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