05/06/16

Liberdade de escol(h)a

Paulo Guinote, em 2014, publicou "Educação e Liberdade de Escolha". Nesta altura, seria impensável a controvérsia de 2016. Talvez nem existisse, se o livro tivesse sido lido. Era, no mínimo, um trabalho suficiente para ajudar a decisão sobre os contratos de associação e o que extravasou disso, talvez o mais importante, a questão da liberdade de escolha em educação. Apesar de todas as discordâncias que possam existir com o autor.
Na verdade PG diz ao que vem e isso é um primeiro mérito porque não engana ninguém e opta claramente por uma das opções embora com espírito critico e com as reservas que a análise que  fez lhe oferecem:
"A perspectiva é necessariamente localizada em virtude do envolvimento do autor, enquanto professor do Ensino Básico e encarregado de educação de uma aluna a frequentar esse mesmo nível de ensino, não procurando ser um olhar neutro sobre a realidade, mas sim um contributo activo para que essa realidade não evolua num sentido que se considera não ser o melhor. Apesar disso, não procura ser um olhar corporativo ou de facção, mas sim um olhar preocupado com o destino da Educação em Portugal, enquanto professor e pai, e um olhar cansado com a permanente retórica da reforma educativa, enquanto cidadão interessado numa questão estruturante para o futuro do pais." (p. 20)
Partilho quase tudo o que está escrito. A questão é saber o que é isso "que se considera não ser o melhor".
Não sabemos nem "quem" considera nem "o que" se considera... mas neste caso temos o que considera PG e isso merece todo a consideração do leitor.
Outra questão ainda de discordância, ou talvez não, é a que refere o aproveitamento dos estudos e da truncagem da informação por parte dos que defendem a liberdade de escolha que se pode aplicar a quem o faz "...baseando-se na circulação da informação que, mesmo não sendo totalmente neutra ou livre de enviesamentos, deve procurar ser equilibrada e não truncada de forma mais ou menos consciente, para que apresente narrativas que prometem uma felicidade e um êxito que sabem ser meras ilusões ao serviço de agendas particulares". (p. 105) Mas isto será para todos e para todas as posições, e sobre manipulação da informação são as sociedades livres e abertas que menos críticas merecem.

As principais questões levantadas no livro, em meu entender, são as que podemos referir a seguir:
- a liberdade de escolha é mais complexa do que a mera questão estatal - privado, 
- a liberdade de escolha tem várias dimensões que  vão muito para além da questão estatal-privado,
- a questão dos custos por turma e por aluno não são o mais importante nesta análise,
- as soluções encontradas pelos vários países têm aspectos positivos mas também merecem  críticas.

A realidade mostra que a dicotomia estatal-privado é uma falsa questão e que a convivência de vários subsistemas  pode, em alguns casos, trazer vantagens para o sistema educativo e desvantagens noutros casos. Por exemplo, o modelo da liberdade de escolha "demonstra ser mais vantajoso quando dirigido para diminuir as desigualdades, centrando-se no apoio aos mais desfavorecidos" (p.105)
A liberdade de escolha é uma questão que está muito para além da propriedade dos edifícios e da gestão da escola e ela coloca-se dentro do próprio subsistema estatal, basta ver a procura que os pais fazem de escolas mais bem posicionadas nos rankings, em particular no secundário, ou de escolas que  têm alunos apenas porque não há mais escolha...
O livro, basicamente,  tem três capítulos: a liberdade de escolha na sala de aula, a liberdade de escolha na organização das escolas e a liberdade de escolha no sistema educativo.
Apenas a última se refere à questão que entrou para a agenda mediática e isso é mais do que limitativo da discussão acerca da qualidade da escola que nos preocupa a todos, certamente.
A questão dos custos é a mais falaciosa de todas. Primeiro é difícil estabelecer  uma igualdade e de circunstâncias que permita fazer comparações entre turmas. No ensino estatal não haverá duas turmas com um custo semelhante. Pelo número de alunos ser diferente de turma para turma, pelos professores que nela ensinam pertencerem a níveis remuneratórios diferentes porque  não custa certamente o mesmo uma turma numa  escola com um corpo docente estável e com média de idades mais elevada ou outra em que o corpo docente é mais recente.
Há, além disso, uma diferença fundamental para estabelecer esse valor: o regime educativo especial. Não é a mesma coisa ter 20 professores de educação especial, terapeutas da fala, formador de LGP, Intérprete de LGP e psicólogo, ter 60 alunos no REE, ter Educação bilingue de alunos surdos e Unidades de ensino estruturado para a educação de alunos com perturbações do espectro do autismo, ou outras previstas DL3/2008. E materiais, equipamentos específicos...
Não há um custo médio/aluno que sirva para qualquer comparação sob pena de ser errada.
Também aqui se coloca a questão da liberdade de escolha. O DL3/2008 ao criar as escolas de referência veio limitar a possibilidade de escolha dos pais mas digamos que ao pretender atender melhor criou essa dificuldade.
Mas podíamos ir mais longe: porque optou  o ME, nas unidades de ensino estruturado, exclusivamente,  pelo modelo TEACCH ? Também aqui as escolhas ficaram limitadas. Bem sei que os pais podem fazer outras escolhas....
Tendo tudo isto em conta, certamente,  o custo de uma turma numa escola particular será certamente mais baixo.
Além disso a criação destas escolas tem muitas vezes a ver não já com a falta de resposta como foi o caso em Portugal onde o estado inicialmente foi pedir aos particulares que ajudassem a completar a cobertura da rede escolar mas onde a escola pública foi um falhanço e foram estas escolas que deram resposta àquelas famílias e àqueles alunos de que a escola do estado desistiu.
Mais, não são comparáveis os custos de turmas de escolas profissionais, ou nas escolas, das turmas CEF e PCA, à partida com menor número de alunos, com especialidades tão diferentes que implicam custos diferentes  e onde os alunos têm uma bolsa de formação.
Mas se com esforço quisermos comparar duas turmas mais ou menos em igualdade de circunstâncias, terá que ser, necessariamente, mais barata porque deve ser levado em conta que a gestão  privada leva vantagem em relação à gestão centralizada, burocrática e fora da realidade do ME, como a existência de horários zero, a burocracia, a colocação centralizada e a gestão de recursos humanos ( de que a situação de mobilidade não é solução),  a inexistência de cultura de escola... Como sempre, há boas excepções.
Uma coisa é certa. "Na rede pública como na rede privada, é preciso criar mecanismo reguladores e fiscalizadores que assegurem que a liberdade de escolha não é tomada como refém dos mais poderosos, acentuando fenómenos de agravamento das desigualdades e segregação. Algo que já é  visível nos espaços urbanos, onde as escolas secundárias com melhores posicionamentos nos rankings são obrigadas (ou aderem de modo voluntário) a mecanismos informais de selecção dos alunos com melhores percursos educativos ou mais garantias de êxito no sentido de se manterem competitivas em relação às escolas privadas e à concorrência da própria escola pública" (p.106).
Só não vê a realidade quem realmente não quer, ou já não pode, tal a deformação ideológica a que foi sujeito...
Em vez de acabar com escolas, desta vez foram as de contrato de associação, talvez fosse interessante criar novas escolas, estatais, privadas e "concessionadas"... 
Em Janeiro de 2014, PG dava algumas indicações preciosas para a prática da liberdade de escolha em educação:
     Para que se ponha em prática entre nós uma verdadeira liberdade de escolha em matéria de Educação, julgo ser essencial recolher e analisar com objectividade a informação disponível sobre as experiências em curso noutros países, tentando perceber o que pode e deve ser aplicado entre nós e o que é pouco aconselhável, o que pode e deve ser experimentado de forma controlada e com um período razoável de monitorização e o que pode ser generalizado com alguma rapidez. O que funciona numa sociedade com baixos níveis de desigualdade como a sueca pode encontrar obstáculos em Portugal, mas algumas experiências de êxito em zonas urbanas problemáticas e de grande diversidade étnica e cultural dos EUA podem servir como inspiração para projectos de intervenção em zonas com traços similares nas nossas maiores áreas urbanas.
    Também é importante perceber que as regras, e criação, funcionamento e avaliação destas novas escolas devem ser flexíveis mas transparentes. Que devem ser pensadas em função das necessidades específicas das comunidades educativas onde se vão inserir e não de acordo com os interesses empresariais ou económicos dos seus promotores. Que não devem seguir valores médios de financiamento por aluno ou turma, mas adequarem-se às valências disponibilizadas aos alunos e ao perfil de necessidades destes. Que o princípio democrático da igualdade de acesso deve ser combinado com o princípio, igualmente democrático, do direito à diferença.
     Por fim e embora pareça óbvio, é indispensável que os decisores políticos assumam que o princípio fundamental é o da qualidade do serviço público prestado, seja gerido directamente pelo Estado ou contratualizado com privados com mecanismos de regulação eficazes, e não meramente o princípio do menor encargo possível. A Educação é algo que tem um valor que vai além do simples materialismo contabilístico e como tal não deve ser pretexto para o estabelecimento de negócios ruinosos para o futuro da nossa sociedade. (p.106-107)

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