02/03/16

“O hábito fala pelo monge”


Num pequeno texto inserido no livro Psicologia do vestir, Umberto Eco (5/1/1932 - 19/2/2016)  escreve sobre o vestuário.
O título já nos diz que se o hábito não faz o monge de certeza que "o hábito fala pelo monge".
Vivemos dias em que as alterações comportamentais de figuras públicas quanto ao seu vestuário e outros comportamentos sociais manifestam alterações evidentes aos padrões mais frequentes de comunicação nesse contexto.
A questão sempre existiu mas, recentemente, em algumas democracias europeias, principalmente naquelas em que para elementos de novos partidos, não sei se são partidos novos, a componente “o vestuário que fala” tem grande impacto mediático. 
Na Grécia, um primeiro ministro que não usa gravata e um ministro das finanças que se veste de maneira singular, faz-se transportar de mota, e deixa-se fotografar na sua luxuosa residência no centro de Atenas. Em Espanha, o líder de um desses novos partidos apresenta-se sem gravata e sem casaco, mas apresenta-se de smoking num festival de cinema….
Há ministros que se transportam de mota, e um presidente que a usa para visitar a namorada, outros preferem o carro eléctrico ou viajar em classe económica. Há deputados que usam brinco, outros rastas, outros barba e ou bigode…
Umberto Eco diz “o vestuário é comunicação”. E isso não é nada de novo “mas a semiologia veio aperfeiçoar esta tomada de consciência e agora permite-nos inserir a nossa noção de comunicabilidade do vestuário num quadro mais amplo, no quadro de uma vida e sociedade onde tudo é comunicação.” (p. 8)
Tudo é comunicação. O homem comunica através da linguagem verbal mas o homem comunica através de uma infinidade de outros sinais, os gestos das mãos, os movimentos dos olhos, as inflexões da voz …
Eco diz que "a roupa serve principalmente para nos cobrirmos com ela... (para proteger do calor ou do frio e para ocultar a nudez que a opinião pública considera vergonhosa)" mas isto "não supera os cinquenta por cento do conjunto. Os restantes cinquenta por cento vão da gravata à bainha das calças, passando pelas bandas do casaco e chegando até às solas dos sapatos - e isto se nos detivermos ao nível puramente quantitativo, sem estender a investigação aos porquês de uma cor ou de um tecido…" (p. 7)
Os sinais estão por todo o lado de diversas formas e devemos identificar o significado das mensagens que encontramos no contexto social e cultural do nosso quotidiano, como, p. ex., na condução rodoviária, na publicidade, na moda.
"A linguagem do vestuário tal como a linguagem verbal serve para identificar posições ideológicas segundo os significados transmitidos e a formas significativas que foram escolhidas para os transmitir”.(p. 17)
Apesar da sua importância, “os códigos de vestuário existem embora muitas vezes sejam fracos” porque mudam com uma certa rapidez… São extremamente flutuantes…" (p. 18 e p. 20), como vimos nos exemplos acima.
O que importa é que a sociedade “seja de que forma se constituir, ao constituir-se, “fala”. Fala porque se constitui e constitui-se porque começa a falar. Quem não sabe ouvi-la falar onde quer que ela fale, ainda que sem usar palavras, passa por essa sociedade às cegas: não a conhece: portanto não pode modificá-la.” (p. 20)





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