17/06/11

Mal-entendidos

É um dos principais mal-entendidos: Quantas são as crianças que precisam de ajuda especializada ?
Para Lobo Antunes “devem existir em Portugal cerca de 100.000 crianças com perturbações de desenvolvimento”. O número referido por L. M. Correia é superior (250 000).
(L. M. Correia)


(Min. Educação)


Então podemos perguntar: como se chega a 1,8%, como quer o Ministério da Educação ?
Ao querer, a todo o custo, forçar o número de crianças com dificuldades até 1,8 %, está a fazer com que não sejam apoiados alguns milhares de crianças.
Não nos podemos esquecer que foi dito que "nenhuma criança ficaria sem apoio especializado". A realidade prova que a organização das respostas educativas é mais complexa do que este discurso e do que o limite artificial de 1,8%: O que se entende por "graves limitações" na actividade e participação (CIF) ? Como se classifica o 1º qualificador, com 1, 2, 3 ou 4 ?  As dificuldades específicas de aprendizagem que apoio têm, na realidade ?
O mesmo se passa em outras áreas. Os rácios não podem (não deviam) ser cegos. Mas são. P. ex., em Intervenção Precoce, cada ELI deve ter 80 crianças. Como é, se houver várias crianças multideficientes ?

Outro mal entendido: o ponto de partida é o cérebro que aprende e não outros "explicações" ...
A compreensão da aprendizagem e das dificuldades de aprendizagem deve partir de bases científicas.
Hoje conhecemos muito do funcionamento do SNC e da importância que têm:
- ligações no cérebro, na infância,
- períodos críticos (sensíveis),
- ambientes enriquecidos.
Sabemos que temos 100 000 000 000 de neurónios que nem sempre conduzem a informação da maneira mais adequada.


O livro de Blakemore e Frith informa-nos sobre os desenvolvimentos recentes das neurociências e as implicações no ensino-aprendizagem.
Também, já aqui referimos que as investigações de D. H. Rose e equipa vêm permitir responder a muitas problemas educativos que temos na sala de aula e na escola.
Somos diferentes porque o nosso cérebro é diferente no reconhecimento (aprender “o quê”) na estratégia (aprender ”como”) e no afecto (aprender “porquê”).
Claro que um programa educativo baseado nesta perspectiva é menos espectacular e exige muito mais trabalho dos educadores e do próprio aluno.

Como é o caso de um mal-entendido muito frequente: a dislexia.
As actividades de leitura e escrita não são inatas e o cérebro humano tem de encontrar nas suas estruturas recursos para desempenhar essas tarefas.
As combinações possíveis dos nossos neurónios são quase infinitas pelo que pode haver uma pequena percentagem da população em que esse processo não se desenvolve da mesma maneira que na maioria das pessoas
Em vez disso, arranjamos outras "explicações", e os tratamentos não são senão panaceias. Vão da preguiça, ao xamanismo, ao sindroma Irlin, à “dislexia postural”.
Lobo Antunes, diz-nos que
“Gostaria de repetir cem vezes: o problema da dislexia reside no cérebro, não nos olhos. Algumas crianças dirão que as letras dançam e que a colocação de folhas coloridas transparentes reduz esse fenómeno…”
Outro mal entendido diz respeito à confusão entre sindroma de Asperger e crianças Índigo.
Sobre as crianças Índigo, L. Antunes, diz :
"Já que estamos a falar de «diagnósticos alternativos», uma palavra sobre as crianças «Indigo». Quando se mistura a falta de preparação científica com o misticismo, se lhe junta o arco-íris, se tempera com interesses económicos e se serve a famílias pouco informadas e abatidas pelo contacto quotidiano com crianças difíceis, temos a receita que vende hoje as crianças Índigo, e amanhã outro rótulo qualquer que por momentos alivie as famílias do confronto com uma realidade que as angustia , porque é muito o seu amor e incerto o seu futuro. O campo das perturbações do desenvolvimento está repleto de charlatães, aves de rapina prontas a alimentar-se da angústia das famílias. Não são fáceis de pôr a descoberto por duas razões: é difícil distinguir a estupidez bem-intencionada, (ou ignorância), da malévola, e os media dão muitas vezes cobertura a estes «fenómenos sociais», porque se acham desobrigados do tipo de rigor de análise que os cientistas têm de exercer. E claro porque o valor supremo - da «informação» ao entretenimento - são as audiências, nome menos profano do que as vendas."
A interacção entre professores e pais é, também, muitas vezes, origem de mal-entendidos.
A entrada na escola é um acto cultural e afectivo. É o momento em que está presente todo o peso institucional da escola e dos professores e as ansiedades dos pais que sabem que vão deixar os filhos aos professores.
Lobo Antunes dá o relevo aos professores que os professores merecem. É por isso um livro justo. Reconhece aos professores esse papel fundamental na sociedade: educar os nossos filhos. Os professores não são o que se disse nos últimos tempos deles. Pelo contrário, eles são o outro a quem confiamos o que temos de mais importante.
"Sentados em cadeiras pequeninas, a minha mulher e eu sentíamos a insegurança de quem confia a outros o que tem de mais importante...
Uma palavra mais agreste destruirá a confiança que nos seus poucos anos de existência conseguiram adquirir, um sorriso de incentivo e conquistam o mundo...
E agora deixamo-las entregues a outrem, sem a certeza de que elas compreendam que não há alternativa para o primeiro passo que as fará “pessoas crescidas”. Será que ainda acreditam em nós depois de as deixarmos num universo estranho, actrizes de um filme de que desconhecem o guião? …
Damos-lhes tantos beijos iguais. E no entanto eles não são o escudo que vai impedir desgostos, a troça de outros meninos, a mágoa por uma colega que disse: “não gosto de ti”. Como pudemos abandonar as filhas à sua sorte? Difícil aceitar que o seu destino, só em parte depende de nós. Professores, tomem bem conta das nossas filhas que nem sempre aquilo que parece é."

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