25/03/20

Quem poligrafa o polígrafo?

Ovelhas
Daqui *
"Quinze ovelhas inscritas numa escola em França por falta de alunos"


A construção da identidade faz-se de uma forma integrada em que “a dimensão biológica, a vivência pessoal das experiências e o meio cultural dão sentido aos percursos do indivíduo.” ( Erikson).
Para alem da dimensão biológica, o desenvolvimento infantil depende deste processo de socialização, ou seja, a criança “é conduzida a adquirir regras de vida, hábitos, modos de pensar, esquemas espaço-temporais, crenças e ideais, conformes ao meio social em que se eduque". (Piéron)
É através deste processo que a criança faz a aprendizagem das normas e modelos** da sociedade em que vive.
De todo este processo de socialização na aquisição da identidade resulta a adaptação saudável e normal ou o desvio, a anomia e o conflito. 

Porém, o processo de aquisição da normalidade também pode ser desadaptado. Neste caso falamos de normose ou normopatia. 
Para Pierre Weil “A normose pode ser considerada como o conjunto de normas, conceitos, valores, estereótipos, hábitos de pensar ou de agir aprovados por um consenso ou pela maioria de pessoas de uma determinada sociedade, que levam a sofrimentos, doenças e mortes.”  Este é um processo automático e inconsciente. “Podemos falar, no caso, do comportamento de rebanho”. Ou de “Maria vai com as outras”...
Como sabemos é mais difícil pertencer a uma minoria porque se está mais exposto e mais vulnerável. Ao inverso, estar com a maioria é mais fácil e fica-se mais bem visto.

As redes sociais tornaram-se um meio fácil, muitas vezes anónimo, e facilitador desta normalidade patológica. Muitos likes, ou hashtag qualquer coisa, são um bom exemplo da falta de objectividade e de capacidade crítica dessas pessoas.
Vivemos inundados de informação porém nunca foi tão necessário sabermos quando se trata de informação falsa (fake news). Então inventamos os programas de fact-cheking, como o polígrafo, que supostamente, nos informam da verdade das notícias. Mas quem poligrafa o polígrafo ?

Talvez uma boa maneira de lidar com esta situação seja o kalama sutta
Sutta é a resposta de Buda.
– Não acreditem em nada apenas porque ouviram.
– Não acreditem em tradições meramente porque elas são antigas...
– Não acreditem em nada por conta de rumores ...
– Não acreditem em nada porque foram mostrados testemunhos escritos por algum sábio antigo.
– Não acreditem em nada que vos tenha agradado, pensando que, pelo facto de ser extraordinário, deva ter sido inspirado por um deus ou uma criatura maravilhosa.
– Não acredite em nada meramente porque a presunção está a seu favor, ou porque seja um costume de vários anos e vos leve a crer como verdadeira.
– Não acredite em nada meramente baseada na autoridade dos professores e sacerdotes.
– Mas, seja como for, se depois de completa investigação e reflexão, você achar que está de acordo com a razão e experiência, que leve ao seu bem e benefício e a todos pelo mundo fora, aceite como verdade e molde a sua vida de acordo com ela.
- Este mesmo texto, segundo o Buda, deve ser aplicado aos seus próprios ensinamentos.
- Não aceite nenhuma doutrina que venha da reverência mas teste-a como testamos o ouro com fogo.

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* Uma boa e insólita estória. Não dá para acreditar... Verdadeira ou falsa ?
** Norma - Tipo de comportamento ou modo de pensar comum a uma determinada sociedade. Modelo (pattern) - é comum e é desejável ser seguido (dimensão axiológica e dimensão coerciva; sanções para quem não os assumir).

(5-4-2020) Não deixa de ser curioso que um programa, chamemos-lhe assim, por princípio completamente independente, estabeleça um acordo com um serviço do estado, mesmo quando nos parece merecer toda a credibilidade. E já vimos, por estes dias de aflição, que há muitas informações que afinal não são bem assim...






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