Deolinda - "Sem noção" ("Dois selos e um carimbo")
Música e letra - Pedro Silva Martins; Voz - Ana Bacalhau
"Tu não tens a noção de mim
e perdeste a noção de ti"
Podemos dizer que temos duas
maneiras de explicar os comportamentos humanos, e o mesmo acontece
para a crueldade humana: uma que se
baseia na biologia e outra que relaciona esses comportamentos
com a situação em que a pessoa esteve e está envolvida.
Então, se o comportamento for determinado por factores
biológicos ou sociais, as pessoas cruéis não são responsáveis pelos seus actos?
Têm sido feitos estudos e experiências psicológicas que
podem ajudar nessa resposta compreensiva.
É bem conhecida a experiência de Stanley Milgram (1963)1, feita com voluntários. Na situação
experimental, um voluntário desempenha o papel de professor que ensinava determinadas respostas e outro voluntário o
papel de estudante (na verdade um ator
disfarçado) que as devia aprender. O professor devia punir os erros com pequenos
choques eléctricos, que deveriam aumentar a cada erro. Os resultados mostraram
que 65% das pessoas chegaram a aplicar o
nível máximo de choque, mesmo ouvindo as dores do aluno/actor.
Jerry Burger (2008) replicou o estudo e
obteve os mesmos resultados.
Philip Zimbardo (1971)2 simulou as
condições de uma prisão com voluntários (sem nenhum indicativo de empatia baixa) dividindo-os
aleatoriamente entre guardas e presos. Os guardas eram livres para fazer o que
fosse necessário para manter a ordem. O estudo, programado para durar 2
semanas, terminou depois de 6 dias, com prisioneiros com depressão e
descontrole emocional após serem vítimas do sadismo dos guardas...
Podia concluir-se que cada um de nós (e
não apenas os que têm problema de empatia baixa) pode ser levado a cometer
atrocidades. O ambiente pode levar as pessoas a serem cruéis. "Não é então uma questão de ser bom ou mau, a situação é que exerce a
maior influência nos casos de crueldade”,
Simon Baron-Cohen 3 fez a revisão de mais de 300
estudos sobre o assunto (Science of Evil). O que está por trás de um acto de crueldade é um mau funcionamento das
partes do cérebro ligadas à empatia **.
As pessoas, então, cometeram actos cruéis não porque escolheram, mas porque
têm empatia baixa, que pode ser resultado da biologia da pessoa ou da sua experiência
de vida quando era criança, factores pelos quais ela não pode ser
responsabilizada.
Isto é, fazer o
mal pode não ser uma questão de livre-arbítrio. As pessoas cometeram actos de crueldade não porque escolheram, mas porque apresentaram uma deficiência no
cérebro”.
Bhismadev Chakrabarti descobriu
que há genes relacionados com a empatia e achou uma área cerebral, o giro
frontal inferior, sempre mais ativa em pessoas com alto Quociente Emocional. Para
ele, "o nível de empatia, não é
determinado no momento do nascimento. Há uma interação de fatores sociais com
causas genéticas que ainda estão a ser investigadas”. Mas pelo facto de ter estas característica biológicas
e genéticas "não significa
automaticamente que a pessoa será empática.”
Susan Fiske (desde 2006) 4 realizou estudos com scanners cerebrais e mostra como o ambiente
modifica a forma como as pessoas percebem as outras. “As pessoas naturalmente inibem a violência contra
outros que categorizam como seres humanos. Então, é preciso que a outra pessoa
seja ‘desumanizada’ dentro da cabeça para que isso ocorra”, explica Fiske.
"Quando os voluntários viram fotografias de indivíduos
de baixo status social, como mendigos, viciados em drogas ou até imigrantes, ativaram
padrões cerebrais relacionados à visão de objetos e não com aqueles padrões ativados
quando vemos seres humanos. Ou seja, nesse caso, a empatia não funcionaria para
prevenir uma agressão."
"... isso explica o que acontece dentro da cabeça de
pessoas que agridem mendigos ou que se deixam levar por um preconceito
estimulado pelo Estado para praticar torturas e genocídios. Os discursos e a
opinião do grupo dominante podem ser influências importantes nesse caso."
Pode concluir-se que não se retira a culpa dos praticantes de atrocidades mas apenas se mostra que não é uma simples questão de ser mau.
E voltamos ao princípio: “Os
atos de crueldade são muito complexos. Há fatores biológicos, ambientais,
genéticos, sociais e políticos. A nova teoria em meu livro sugere que um mau funcionamento das partes do
cérebro ligadas à empatia, por razões biológicas ou sociais, é o que
está por trás de um ato de crueldade." (B-C)
Portanto, o homem terá que aprender a ser humano. Não
exclui a responsabilidade dos seus actos mas aprender é
coisa de educação, de ajuda e de terapia.
___________________________________
* Nota: Este texto é baseado em "De onde vem o mal?", de Tiago Mali e Guilherme Rosa, Galileu.
**Empatia (Carl Rogers) significa a capacidade psicológica para sentir o que sentiria uma outra pessoa caso estivesse na mesma situação vivenciada por ela. Consiste em tentar compreender sentimentos e emoções, procurando experimentar de forma objetiva e racional o que sente outro indivíduo.
1 Experiência de Stanley Milgram - "The Milgram Experiment, Saul McLeod (2007)
2 Experiência de Ph Zimbardo - "Stanford Prison Experiment", Saul McLeod (2008, actualizado em 2016)
3 Conferência de Simon Baron-Cohen sobre empatia.
4 From Dehumanization and Objectification, to Rehumanization: Neuroimaging Studies on the Building Blocks of Empathy
* Nota: Este texto é baseado em "De onde vem o mal?", de Tiago Mali e Guilherme Rosa, Galileu.
**Empatia (Carl Rogers) significa a capacidade psicológica para sentir o que sentiria uma outra pessoa caso estivesse na mesma situação vivenciada por ela. Consiste em tentar compreender sentimentos e emoções, procurando experimentar de forma objetiva e racional o que sente outro indivíduo.
1 Experiência de Stanley Milgram - "The Milgram Experiment, Saul McLeod (2007)
2 Experiência de Ph Zimbardo - "Stanford Prison Experiment", Saul McLeod (2008, actualizado em 2016)
3 Conferência de Simon Baron-Cohen sobre empatia.
4 From Dehumanization and Objectification, to Rehumanization: Neuroimaging Studies on the Building Blocks of Empathy
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