Desde 15 de Dezembro que uma notícia aparece todos os dias na comunicação social: "Sete amigos, com idades entre os 21 e os 25 anos, foram levados pelo mar, na madrugada de domingo, arrastados por uma onda na praia do Moinho de Baixo, aldeia do Meco, em Setúbal."
Apenas um sobreviveu.
Já aqui escrevi sobre os rituais de iniciação e de integração.
A importância destes rituais para a integração das pessoas tem razão de ser e tem aspectos positivos que não se podem ignorar.
Porém, a praxe académica, e todas as outras, tem vindo a criar mais problemas do que seria de imaginar. Já perdi a esperança de poder pensar que a praxe académica pode ser encarada como perspectiva de acolhimento, criando mecanismos próprios de integração dos mais novos no grupo escolar.
Alguns acontecimentos trágicos vão-se encarregando de mostrar que não é isso que tem vindo a acontecer. A praxe tem sido cada vez mais uma prática autocrática, sem qualquer tipo de controlo e que atenta contra as liberdades individuais.
Não há limites nem critérios para quem aplica a praxe. Por isso, quando acontecem casos muito graves é tarde para corrigir e apontar então com (falsas) soluções.
Ferreira Fernandes chama-lhe o nojo que sai à rua impunemente e escreve que somos mais ou menos todos cúmplices deste nojo que é a praxe.
É completamente intolerável que se continue a assistir silenciosamente a estes rocambolescos episódios.
É necessário distinguir praxe de tradição académica. As tradições académicas devem continuar a existir mas delas não podem fazer parte actividades que são completamente contra qualquer princípio dos direitos humanos. A praxe é um dos últimos redutos onde o poder discricionário está presente mesmo que travestido de brincadeira estúpida ou de indisfarçável sadismo. A praxe não pode ser o período de tempo em que há suspensão dos direitos e deveres constitucionais.
Philip Roth em Indignação mostra um jovem estudante irredutível a convenções hipócritas, como as que se vivem no campus universitário e nas fraternidades (residências de estudantes), nos Estados Unidos, nos anos 50.
Indignação demonstra como o ir contra essas tradições e em busca de seus próprios caminhos na vida, alguns dos quais poderão incitar a ira vingativa de uma sociedade conservadora gerida por mentes tacanhas.
Indignação descreve como, no campus universitário, tudo começou à mais pequena escala e do modo mais juvenilmente inocente: com uma batalha de bolas de neve no pátio vazio…Bolas de neve que não se consegue controlar mais.
E o último parágrafo do livro refere: A forma terrível incompreensível como as opções de uma pessoa mesmo as mais banais, fortuitas e até cómicas têm o resultado mais desproporcionado.
Quantas mais tragédias serão necessárias, quantos mais alunos ficarão traumatizados para o resto da vida académica (ou da sua vida), quantos mais vão interiorizar essa ideia terrível de que “a praxe prepara para a vida” ?
Mas há quem tenha maior responsabilidade: Não haverá um governante, um único deputado no parlamento que proponha legislação de forma a que a praxe seja banida das tradições académicas, das universidades e do regime democrático ?
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