17/03/13

O primeiro traço

Garatuja,  M. 2;4(5)


O conhecimento que pais educadores têm do desenvolvimento da criança, pode ajudar a compreender as suas diversas manifestações estéticas. O conhecimento das diversas fases do desenvolvimento da criança permite-nos, por outro lado, ter as atitudes pedagógicas mais adequadas face ao comportamento da criança.

Até ao aparecimento das primeiras manifestações gráficas a criança tem um longo caminho a percorrer.
Embora o desenvolvimento de todas as crianças passe pelas mesmas etapas de desenvolvimento, cada uma tem o seu ritmo próprio, cada uma é diferente de todas as outras, cada criança é um indivíduo. Não é apenas a soma das coisas que cada criança dessa idade é capaz de fazer.
Aliás, cada idade tem também a sua própria individualidade, no sentido de que tem a sua própria tarefa de desenvolvimento, o seu próprio clima e a sua própria maneira de ser. (Gesell)
O desenvolvimento não se faz em linha recta: a fases de equilíbrio sucedem-se outras de desequilíbrio.
É num processo de assimilação e acomodação que se vai construindo a inteligência. Temporariamente, pode haver desequilíbrio, estar mais de um ou de outro lado, como, por exemplo, quando a criança imita em que há uma maior acomodação; ao contrário, quando a criança joga há maior assimilação.
Ao nascer a criança passa do meio líquido da barriga da mãe para o meio gasoso do mundo exterior e nesse primeiro contacto com o ar, berra, adquire a autonomia respiratória, gesticula instintivamente com as pernas e os braços e é sensível ao frio e ao calor. (Fase narcísica - autismo normal).
O recém-nascido é dependente de outro, a satisfação das suas necessidades depende de outro e entende-o como tal: alimentação, higiene, conforto, mudanças de posição, etc. ( Fase simbiótica).
Estas experiências iniciais com a mãe e com o seu próprio corpo são fundamentais para o desenvolvimento posterior que se pode designar por nascimento psicológico.

Há um série de reflexos de que o bebé dispõe ( reflexo de sucção, de preensão da mão, etc. O reflexo de sucção está associado à nutrição e à necessidade de contacto com o mundo através da boca chupando na mama da mãe, no biberão, nos dedos, no objecto que se lhe apresente, fralda, cobertor, etc., -  Objecto de transição.
Entretanto o movimento dos braços vai sendo coordenado com o da sucção, vai desenvolvendo a percepção táctil através das mãos e da boca.
A pouco e pouco, através dos mecanismos de que falamos (assimilação e acomodação) vai apreendendo o mundo que o cerca, segue objectos com os olhos, olha para as mãos e brinca com elas, reconhece ruídos familiares, sorri quando lhe falam.
Por volta dos 4/5 meses, o bebé mostra uma capacidade crescente para reconhecer a mãe como uma pessoa muito especial, sentir e inspeccionar o mundo não-mãe e a mover-se, inicialmente, pouco e depois cada vez mais deliberadamente para longe da mãe (inicío da fase de separação-individuação).

Até aos 18 meses o bebé foi desenvolvendo as suas capacidades motoras, perceptivas, sociais.
O acto de andar assume particular importância, permitindo-lhe a livre locomoção em posição erecta, e está preparado para o jogo simbólico e para a representação.
É por volta dos 18 meses que a criança inicia a sua actividade gráfica.
"Um dia, ocasional ou voluntariamente, a criança vê o primeiro traço deixado pela sua mão ou por um instrumento que risque sobre o papel, a parede, o chão, o tampo da mesa, onde calha. Este gesto impreciso e impulsivo, que deixa a marca de um traço negro ou colorido, vai afirmar-se durante a primeira infância, e o papel cobre-se de riscos desordenados: é a fase dos rabiscos ou garatujas que vai até aos dois anos e meio". (E. Gonçalves)

A garatuja é assim a primeira manifestação gráfica da criança.
A criança tem necessidade de riscar qualquer superfície lisa: papel, paredes, livros, tudo o que está ao seu alcance.
A superfície a riscar deve ser grande, permitindo-lhe movimentos largos do braço e do antebraço e finalmente da mão, de acordo com as suas capacidades psicomotoras.
A garatuja, registo gráfico de movimentos espontâneos, desenvolve-se dos 2 aos 4 anos podendo passar por 4 etapas (Lowenfeld):
desordenada - experiência quinestésica;
longitudinal - movimentos repetidos, coordenação visuo-motora; controlo dos movimentos;
circular - aumento do controlo dos movimentos verificados por desvios dos movimentos usados até então;
comentada - mudança do pensamento quinestésico para o pensamento imaginativo.
A figura humana surge imaginariamente pelo comentário da criança.
Deste emaranhado de riscos, um dia destaca-se uma figura redonda - uma visão sincrética do corpo - redondo como o seio da mãe, como o colo da mãe, como o objecto que se agarra e cabe na mão.

Temos assim uma expressão que deriva dos impulsos instintivos da criança, incontrolada e livre.
A atitude dos adultos face a estas manifestações é de grande imprtância. Podemos referir desde já que os adultos, pais e educadores em especial, ao compreenderem esta necessidade de expressão da criança ligada ao seu desenvolvimento bio-psico-social não terão dificuldade em perceber que estas manifestações da criança não devem ser reprimidas.
Mas há outras atitudes que poderão ser igualmente prejudiciais à evolução da criança, como, por exemplo, os grandes elogios, a decepção ou a indiferença do adulto.

"O mundo plástico da criança é estruturalmente diferente do mundo plástico do adulto. Tem valores e leis particulares, características próprias segundo as fases da sua evolução". (E. Gonçalves) 
O problema está em que o adulto muitas vezes não está preparado para a educação das crianças, para a educação dos filhos não só nesta área como em muitas outras.
Aliás, nem sempre é fácil compreender as manifestações da criança como as manifestações gráficas, como não é fácil compreender a pintura, por exemplo. É um problema de educação mais geral.
Mas a questão, o problema aqui, é evitar causar prejuízo à criança que pode ser causado no seu desenvolvimento, isto é, a necessidade natural que a criança tem de se exprimir, de forma espontânea, de comunicar com os outros o que sente e o que pensa deve ser respeitada e levada com seriedade. É necessário entrar no jogo da criança, entrar no mundo da criança...

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