07/03/13

Culto da personalidade


O mito é o nada que é tudo.
O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo.
Fernando Pessoa

Assistimos, por estes dias, a mais um fenómeno deste tipo. O culto de personalidade faz parte da propaganda política baseada na exaltação das virtudes, reais ou imaginárias, de governantes que se auto-consideram, ou como tal são considerados, acima de qualquer mortal.
A divulgação da sua figura só permite uma imagem positiva, livre de qualquer defeito.
O culto inclui cartazes enormes do querido líder, exaltação das virtudes pelos meios de comunicação e quase sempre e, desgraçadamente, a perseguição aos que não pensam do mesmo modo, os chamados dissidentes.
Revejo Andrea Devoto, cap V, pag.125 e segs.
O culto da personalidade transforma-se muitas vezes em mito: uma narrativa de carácter simbólico, num  determinado contexto cultural. O mito, a crença não são acontecimentos em si mas estão ligados a um contexto de onde é difícil separá-los. O mito pode partir da realidade e procura explicar a realidade, os fenómenos naturais, as origens do mundo e do homem.
Por que é que os povos começam a idolatrar os seus lideres e a prestar-lhes culto? O que faz com que as pessoas elevem uma simples criatura e a transforme numa entidade superior ?
Em primeiro lugar, temos de perceber onde se cria o mito: vem das elites, do poder ou de baixo, do povo ?
Se do povo, é principalmente devido a um sentimento de insegurança que o povo cria o culto da  personalidade.
Este culto é meramente passivo. As multidões entregam-se passivamente a estes líderes, transformados em divindades. E é com estranha felicidade, com as lágrimas nos olhos que se aceita a vida e a morte. 
Mas o culto da personalidade pode ser construído de cima. E nesse caso, expande-se pela propaganda onde as artes, como a música, a pintura, a fotografia, a literatura têm o seu papel principal. Há artistas devotados ao seu herói. De tal modo que chega a ser ridícula a forma como se lhes dirigem. Lembram-se daquele verso ...força força companheiro Vasco nós seremos a muralha de aço...
Este culto mantém-se pela repetição contínua, desesperada, pelo recurso a uma série de variações sobre o mesmo tema, à ubiquidade das repetições, por todos os lados e em todos os meios.
Pelo exagero das qualidades: "eles" são apenas virtudes e qualidades reputadas mundialmente, quem os outros líderes respeitam e temem.
Quando o culto da personalidade vem de baixo, transforma-se em lenda mas o culto e o mito porque se servem de uma necessidade religiosa  e de segurança da multidão, não podem vir senão de cima, daquele ou daqueles que conservam o poder.
Era nestes termos que se caracterizava um desses líderes: 
"À altura da sua missão, Não era um brutamontes político, Era um homem cristalino, Um político integro, Intrépido na luta, Implacáveis com os inimigos do povo, Isento de qualquer sombra de medo, Prudente, Incapaz de qualquer precipitação, Verdadeiro, Honesto, Amante do seu próprio povo."
Um líder assim, não faz parte deste mundo. Só pode ser um nada que é tudo.

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