20/02/10

Adolescência: preocupação despreocupada


P – Preocupa-me a minha falta de preocupação e interesse na matéria leccionada. O que posso fazer para me interessar mais ?
R - Esta pergunta chamou-me a atenção para o problema do desinteresse na adolescência. É mesmo assim. O aborrecimento, a falta de interesse para o estudo mas também para muitas actividades é uma característica da adolescência. Este aborrecimento é uma circunstância normal mas pode aparecer ligada a problemas patológicos como seja a delinquência, o recurso a produtos aditivos... O aborrecimento é no fundo uma a falta de prazer no investimento das coisas, das actividades, das pessoas. Vemos muitas vezes jovens que têm dificuldade em se interessar por qualquer coisa, ficam “muito cansados” quando participam numa actividade.
Muitas vezes este aborrecimento aparece ligado a formas exibicionistas no vestuário, na linguagem. E esta é a dificuldade que os educadores encontram nas propostas que fazem e podem ser colmatadas com actividades que passam pelo desporto ou pela cultura desde que haja participação nessa escolha por parte dos adolescentes. Este aborrecimento traduz-se naquele poema “ Passo horas no café/ Sem saber para onde ir/ Tudo à volta é tão feio/ Só me apetece fugir” (Rui Veloso/Carlos Tê)
Em muitos jovens encontra-se uma anidealidade de que parecem sofrer alguns jovens como aquele que recentemente veio referido na comunicação social e que estava preocupado em ser internado num dos colégios de reinserção social porque deixava de poder andar ”na descontra “ e não podia andar com “as damas”...

P – O que é a adolescência ? Durante a adolescência existem vários tipos ou fases...
R - A adolescência é um das grandes períodos de desenvolvimento humano. Podemos dizer que sabemos quando se inicia mas não sabemos exactamente quando acaba. O início da adolescência concretiza-se com o aparecimento dos caracteres sexuais secundários que marca também o início da puberdade. A puberdade termina com a eliminação do primeiro espermatozóde ou do primeiro óvulo, respectivamente, pelo rapaz ou pela rapariga. Não podemos é estabelecer uma idade que seja considerada como o início deste tipo de transformações. Além do mais esta idade tem vindo a diminuir em muitos países. Na Europa o avanço da puberdade nos dois sexos foi, entre 1900 e 1970, de 4 meses por decénio.
É um idade de transformações profundas nas relações familiares, na autonomia, na identidade, na intimidade e realização escolar e profissional, etc. Daí que não seja de estranhar que é muita mudança para uma pessoa só... E digo só de propósito porque é um estádio de desenvolvimento em que temos este sentimento de estar só, de desencorajamento, de tristeza, de quebra do rendimento escolar e da auto-estima...
Podemos considerar vários estádios, mas nem todos os autores concordam com esses estádios ou fases. E isso depende da área de desenvolvimento de que estamos a tratar, isto é, do desenvolvimento cognitivo, do desenvolvimento moral, do desenvolvimento da identidade, etc. No desenvolvimento cognitivo é suposto que o adolescente seja capaz de raciocinar de forma hipotético-dedutiva, o pensamento se alargue à perspectiva dos outros. É também o tempo em que o jovem procura a sua identidade.

P – O que é a chamada “crise” da adolescência ?
R – É um salto em frente. Mas nem sempre este salto se faz de forma equilibrada. Às vezes aparecem desequilíbrios mais acentuados e a identidade leva tempo a constituir-se. Podemos definir vários momentos como a difusão da identidade, a insolvência da identidade, a moratória e finalmente a realização da identidade. A maioria de nós realiza esta última etapa nos anos finais do ensino superior, a que se segue a integração no mundo do trabalho, provavelmente a constituição de família, etc. Será por esta altura que para muitos termina este período de desenvolvimento. Até aqui foi um longo caminho e uma longa procura... É a isto que chamam “crise”. Mas eu não tenho a certeza disso, isto é, a crise não passa de um período de desenvolvimento.

P – Por é que quando algum adolescente faz algo de incorrecto, dizem que estão na crise da adolescência ?
R- A minha resposta anterior queria dizer isso. É, muitas vezes, uma forma de paternalismo do adulto em relação a um adolescente desvalorizando a sua opinião ou remetendo-o para a sua situação de desajustamento da realidade, que existe de facto mas em relação à qual é necessário, como sempre, ter uma atitude de compreensão enquanto acto que pretende compreender o adolescente no seu contexto e não como cliché característico da adolescência.

P – Porque é que a nós adolescentes nos tratam como crianças, como os nossos pais?
R- O processo da adolescência tem implicações também para os pais que não se adaptam à nova situação, que tendem a ter dificuldade em perder o ponto de vista com que lidavam até então. Se é uma crise para o jovem é também uma crise para os pais. Alguns pais não estão preparados para lidar com esta situação. Eu diria que não é fácil manter o diálogo em família. Há, necessariamente, uma conflitualidade intergeracional, e eu tenho muita dificuldade em ver como se pode construir a identidade se não se construir a autonomia. Mas era importante que houvesse informação para os jovens e para os pais sobre todas as etapas do desenvolvimento humano para se perceber melhor como podemos intervir nas interacções educativas, escolares ou familiares.

P – Eu tenho algumas dúvidas sobre o emprego que vou seguir.
R – Esta dúvida já é positiva. É reflectindo sobre isso que podemos delinear uma carreira. A orientação escolar e profissional existe para tentar clarificar alguns aspectos dessas dúvidas. No entanto, hoje, não podemos esperar pelo 9º ano para começarmos a falar do desenvolvimento da carreira. Por isso é bom aproveitar toda a informação e programas existentes para reduzir o campo da dúvida.

(Perguntas de alunos do 9º ano. Publicado no Jornal “Despertar”, Junho 2003, da Escola Afonso de Paiva, Castelo Branco)

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