25/10/24

O auricular invisível


O auricular de que falou o Sr. Primeiro-ministro só tem relevo para a comunicação que pretendia fazer se entendermos que de facto há um auricular invisível que  formatou e aculturou algumas pessoas da comunicação social, com carteira ou sem ela, jornalistas, comentadores ou comentadores-jornalistas e vice-versa. 

1984 (George Orwell) parece estar a acontecer agora, com grande parte do mundo a viver em estado de guerra sem fim à vista. Grande Irmão, fabricado pela Polícia do Pensamento é omnipresente e o Ministério da Verdade, faz a sua propaganda, perseguindo os cidadãos que se atrevem a defender o indivíduo e o pensamento independente.

Quando querem ser imparciais, jornalistas e cidadãos, precisam de capacidade crítica para poderem perceber quando se trata de manipulação do Ministério da Verdade. Para dificultar, há a 'novafala' que tem o seu próprio vocabulário. (1)

Por exemplo, o que é ser activista? Chama-se activista a  alguém de esquerda  que até pode ser violento, fazer manifestações violentas, fazer parar o trânsito, praticar vandalismo, estragando objectos culturais e destruindo bens públicos muitas vezes da própria comunidade de pertença. Já se for de direita é apelidado de extremista.

Os piores ditadores da história são legitimados como Líderes: O Líder Cubano, o Líder Sírio (2) ... Se forem de direita não passam de ditadores de extrema-direita.


Para alguns países os direitos humanos são uma miragem. Nesta matéria, um retrocesso assinalável está a acontecer em todo o mundo. Mas é  neste mundo que o jornalismo se movimenta e por isso não é fácil ter liberdade de pensamento e de expressão. (3)

Não é o nosso caso. Como vivemos em democracia  podemos questionar as medidas do governo (estas ou outras)podemos ter opiniões diferentes e discutir os assuntos que dizem respeito à vida das pessoas: 

 

- Se os velhos socialistas colectivistas, os novos canceladores wokistas, ou os progressistas muito avançados querem impor a dita disciplina de cidadania que é posta em questão por muitos pais e encarregados de educação, anulando princípios constitucionais que definem que “os pais têm o direito e o dever de educação dos filhos” (Artº 27º), então é necessário afirmar aqueles princípios e procurar uma solução que não ponha em causa a responsabilidade da família, tornando a frequência daqueles conteúdos opcional, ou integrando-os na disciplina de História ou de Ciências ou, simplesmente, procurar-se uma plataforma de entendimento suficiente para que não haja objecções por parte dos pais. 

 

- Também se pode buscar consenso para a questão da imigração. Ninguém  concorda, certamente, com políticas de portas escancaradas, sem qualquer controlo, afirmando  que não estão associadas a insegurança e dizendo que as estatísticas sobre segurança não são preocupantes.

Esquecem-se que o medo que as pessoas sentem não vem nas estatísticas nem nos jornais. O medo sente-se na rua onde moram, na zona onde habitam, quando saem à noite ou quando vão ao parque infantil com os filhos... (4)

 


Até para a semana.

 

 

 

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(1) "Guiões da linguagem" dita neutra e dita inclusiva."

 (2) Comentário  de um leitor (lucklucky a 19.10.2024)  a um post de Henrique Pereira dos Santos, "Eu?", no Blog Corta-fitas  sobre a confiança dos americanos na comunicação social,  onde se encontra  algum deste vocabulário.

(3)  "O aumento da polarização está associado à crise da democracia, e à emergência de autocracias e anocracias, em vários países. Segundo o Democracy Report 2023, do V-Dem Institute, entre 2012 e 2022 a percentagem da população mundial que vive em países autocráticos passou de 46% para 72%. Pela primeira vez, em mais de duas décadas, as autocracias são dominantes. Atualmente, só 13% da população mundial vive em democracias liberais enquanto 28% vive em regimes em que não há eleições multipartidárias, não há liberdade de expressão nem de associação e as eleições são manipuladas. A democratização da sociedade só está a acontecer em 14 países, onde vivem 2% da população mundial. Este valor é o mais baixo dos últimos 50 anos."  (Luís Caeiro, Nós e os outros. A sociedade polarizadaCatólica - Lisbon,  Setembro 26, 2023.

(4) E não me refiro apenas à percepção de insegurança.




Rádio Castelo Branco


17/10/24

Pedro e o lobo: a actualidade de Esopo

M. - 5 anos


Uma das famosas fábulas de Esopo é "O Pastor mentiroso e o Lobo". 
"Era uma vez um jovem pastor que levava suas ovelhas para pastar na serra. Para se divertir e ter companhia, ele gritava "Lobo! Lobo!" na direção da aldeia, fazendo os camponeses irem até ele. Mas não era verdade, era apenas uma brincadeira. O pastor repetiu essa brincadeira várias vezes.
Depois de alguns dias, um lobo realmente apareceu e atacou o rebanho. O pastor pediu ajuda gritando "Lobo! Lobo!" ainda mais alto, mas os camponeses não acreditaram nele, pensando que era mais uma brincadeira. O lobo pôde atacar as ovelhas à vontade, pois ninguém veio ajudar. Quando o pastor voltou para a aldeia, reclamou amargamente. O homem mais velho e sábio da aldeia respondeu: "Quem mente constantemente não será acreditado quando falar a verdade."

Pedro e o Lobo, na versão da Disney, narra a história de Pedro e o Lobo, por meio da música, como em Prokofiev. Pedro não é mentiroso. É apenas um caçador que vai para a floresta à procura do lobo. Quando os caçadores da aldeia surgem já Pedro com a ajuda de Ivan, o gato, tinham preso o lobo. Pedro é então o herói da aldeia. Todos estavam felizes menos o lobo, claro !

A história “Pedro e o Lobo” do compositor Sergei Prokofiev foi composta em 1936 com o objectivo pedagógico de mostrar às crianças as sonoridades dos diversos instrumentos musicais. Em "O Pedro e o Lobo" é utilizada uma Orquestra Sinfónica em que cada personagem é representado por um instrumento ou naipe da orquestra e possui um tema musical: O Pedro: Instrumentos de cordas; o Lobo: Trompas; o Avô: Fagote; O Pato: Oboé; O Gato: Clarinete; O Pássaro: Flauta Transversal; Os Caçadores: pelos Tímpanos e pelo Bombo.

A fábula de Esopo e a história de Prokofiev apenas têm em comum o nome, “Pedro e o Lobo”, porque quanto ao resto são completamente diferentes. 
A moral da história de Esopo: Se mentirmos muitas vezes, tornamo-nos pessoas que não são dignas de confiança e os outros deixam de acreditar em nós, mesmo quando falamos a verdade.

A moral da história de Prokofiev, como, por ex., na versão de Suzie Templeton, mostra que a coragem pode ajudar a superar medos que atrapalham, e com a ajuda de um pássaro louco e de um pato sonhador, capturam o lobo.

O destino do lobo é diferente consoante as histórias: vai para o zoo, ou, na versão da Disney não sabemos o que acontece ao lobo, no caso da versão de ST, é solto e regressa à floresta.






"Não é não!" ou da assertividade


“Não é não!” Tem sido à volta desta frase que a política tem acontecido desde que este governo exerce funções. Não é suficiente um não, é necessário reforçar a todo o momento a assumpção desse comportamento, ou seja, de que há linhas vermelhas que não querem ultrapassar.
Temos assistido, incrédulos, a uma “negociação” orçamental onde a descomunicação é que mais ordena e mais despreza qualquer eficácia.
De fora, as pessoas reforçam a experiência de que em política se pode fazer todas as promessas, declarações, propósitos mas quando se chega ao poder (executivo, legislativo...), se pode mudar de atitude, de comportamento, a qualquer momento, dependendo de interesses políticos pontuais ou conjunturais. Como no humor de Groucho Marx: “Esses são os meus princípios. Se não gostar, eu tenho outros.” (1)

Também não deixa de ser curiosa a frase de uma ex-ministra (A. Leitão, 2022), que afirmou: “a assertividade é mais prejudicial às mulheres na política e na vida”. Afinal ser assertivo é bom para os homens!
Pelo contrário, ser assertivo é, de facto, fundamental nas nossas relações e interacções com os outros. 
A assertividade, tal como a inteligência emocional e a empatia, é um dos factores que concorre para uma comunicação eficaz.

Podemos dizer que a assertividade "é o conjunto de condutas emitidas por uma pessoa num contexto interpessoal que expressam os sentimentos, as atitudes, desejos, opiniões e direitos dessa pessoa de um modo directo, firme e honesto, respeitando ao mesmo tempo sentimentos e atitudes, desejos, opiniões e direitos das outras pessoas" (Xavier Guix, Ni me explico ni me entiendes, p. 120)
Desta forma simples, a assertividade parece uma palavra mágica que resolve todos os problemas de comunicação.

A internet oferece-nos essa magia com muitas soluções, regras, leis, estratégias, para se ser assertivo. (2)
“Ora o que é mágico nem sempre funciona , nem é do gosto de todos. Não existe uma única forma no mundo de comportar-se assertivamente mas uma série de estratégias que podem variar segundo a pessoa, o contexto, a sociedade e a cultura em que se vive” (p. 121) 

Perante qualquer situação, mesmo que gere ansiedade ou tensão, podemos responder com passividade, com agressividade ou então com assertividade. (3)
Por isso, a assertividade é importante na nossa vida familiar, no trabalho, na política, e, particularmente, quando a comunicação é difícil, como em situações de ansiedade ou outras situações perturbadoras.

Podemos aprender a desenvolver estratégias assertivas nas interações com os outros, como refere X. Guix (p. 131-133 ):
- Ter propósitos claros: O que realmente quero fazer.
- Evitar os pensamentos automáticos.
- Analisar a posição do outro.
- Tratar as nossas convicções como hipóteses.
- Ver a situação de fora.
- Ter, a priori, dúvidas positivas: partir do que se tem em comum, daquilo em que o outro tem razão, parece ser um bom começo.
- Atender à forma de verbalizar.
Sobre este último aspecto podemos ver a complexidade que requer ser assertivo:
- Ser claro e preciso.
- Implicar-se pessoalmente. Usar o “Eu” em vez do “Eles”.
- Saber implicar o outro: gostei da forma como o outro cooperou na reunião.
- Mostrar-se educado e cordial: dar e receber feedback.



Até para a semana.

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(1)  "Afinal, Portugal raramente foi mais do que «isto»"Maria João Avillez considera que não há um português que suporte um minuto mais “disto”. 

(2) Desenvolver a atitude assertiva e ser mais feliz nas relações interpessoais

(3) Podemos avaliar se somos mais agressivos ou assertivos, como no Teste de assertividade de Rathus.



Rádio Castelo Branco



09/10/24

A comunicação social e os abusos


Perante a crise dos abusos sexuais na Igreja, a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) tem respondido assertivamente ao problema, de várias formas. 

Em Portugal, o estudo desta realidade foi entregue  a uma Comissão Independente que concluiu pela existência dos abusos, ao longo de mais de 70 anos, e pela necessidade de agir em várias áreas, como consta do Relatório final elaborado.

A realidade descrita é suficientemente dolorosa para, tout court, se aceitar as conclusões do Relatório.

No entanto, não questionando essa  verdade, certamente que se podem colocar problemas metodológicos e em consequência questionar  algumas conclusões a que a Comissão Independente chegou. (1)

Perante a necessidade de dar continuidade às sinalizações, verificou-se a impossibilidade de identificar muitos casos por falta de dados, tal como de vir a poder efectuar compensações financeiras, sem ter de obrigar a novo processo ainda que com o risco de revitimização.

 

Na sequência da Carta Apostólica Vos estis lux mundi do Papa Francisco, foram criadas as Comissões Diocesanas para proteção de crianças e jovens e pessoas vulneráveis que respondem localmente pela prevenção e protecção das vítimas de abusos.

 

Foi também criado o Grupo VITA que não só continuou  a atender vítimas, a nível nacional, como se tem empenhado na realização de acções de prevenção primária como formação e elaboração de instrumentos de trabalho pedagógicos para a prevenção.

O Grupo VITA criou ainda uma bolsa de psicólogos e psiquiatras, de  todo o país, que têm atendido as vítimas que necessitam de apoio psicológico. Como Bento XVI referiu, "o importante é, primeiro, olhar pelas vítimas e fazer tudo para as ajudar e acompanhar enquanto saram”.

 

A comunicação social informa, investiga e divulga mas também manipula e é manipulada de acordo com interesses mais ou menos expressos ou mais ou menos ocultos.

Seja como for, na complexidade do mundo global, uma grande parte da  luta pela liberdade e liberdade de expressão passa pelo trabalho dos jornalistas e dos media, que não têm trabalho fácil e estão sujeitos a perseguições arriscando a própria vida. (Committee to Protect Journalists)

Por isso, o papel da Comunicação Social é fundamental na investigação de eventuais casos de violência sexual nas instituições da Igreja mas também da sociedade, famílias, escolas, desporto... Por isso mesmo, deve investigar e informar com imparcialidade. 


Bento XVI, em entrevista a Peter Seewald, Luz do mundo - O Papa, a Igreja e os Sinais dos tempos, disse o seguinte sobre o papel da comunicação social: "Não foi possível deixar de reparar que subjacente a este esclarecimento por parte da imprensa, estavam não só a vontade pura de obter a verdade, mas também uma alegria em comprometer e em desacreditar o mais possível a Igreja. Independentemente disso, tem, porém, de ficar sempre claro que, sendo verdade, devemos estar agradecidos por cada  esclarecimento. A verdade, associada ao amor correctamente entendido, é o valor número um. E, por fim, os meios de comunicação social não teriam podido falar como falaram, se na própria Igreja não houvesse o mal. Só porque o mal estava na Igreja é que os outros puderam utilizá-lo contra ela."




Até para a semana.

 

 

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Felícia Cabrita entrevistou várias personalidades (Euclides Dâmaso, Jónatas Machado, Mário Mendes, José Cardoso da Costa) sobre o assunto - "Já não estamos no tempo da Inquisição", Jornal I, 18-3-2023;

02/10/24

Envelhecer com dignidade


O dia 1 de Outubro foi declarado pela ONU, em 1990, como dia internacional dos idosos, e em 1991 foram aprovados os princípios para as pessoas idosas (Resolução 46/91 das Nações Unidas). Este ano, o Secretário-Geral da ONU na sua mensagem para o Dia Internacional dos Idosos, voltou a apelar para: “Envelhecer com dignidade: A importância de reforçar os Sistemas de Cuidados e de Apoio aos Idosos em todo o Mundo.”
Todos estamos de acordo. Mas sabemos que o discurso bem intencionado se confronta com uma realidade bem diferente. Infelizmente, as estatísticas dão-nos uma imagem deplorável do tratamento dado a muitos idosos que vai do abandono e negligência aos maus tratos físicos. E, mais uma vez, vindos de quem não se devia esperar.

Esta discriminação negativa, devida à idade cronológica, chama-se idadismo (ageism). Para Sofia Duque(“Dia Internacional do Idoso: contra o estigma e estereótipos, para dignificar e respeitar os direitos dos mais velhos”, DN, 1-10-2024o idadismo “pode ter várias consequências negativas:

de natureza psicológica – a baixa autoestima, depressão e ansiedade; 

a redução do acesso a cuidados de saúde; 

a falta de  motivação dos próprios para a adoção de estilos de vida saudáveis, face à crença falsa de que a deterioração funcional e cognitiva são consequências inevitáveis do envelhecimento; 

o isolamento social e solidão;  

a tensão nas dinâmicas familiares, sendo frequentemente afastada a pessoa mais velha da tomada de decisões, mesmo quando estas lhe dizem diretamente respeito; 

o afastamento das esferas familiar e social; 

as políticas sociais e de saúde desfavoráveis; 

a desvalorização das capacidades das pessoas mais velhas e a falta de oportunidades.”


Podemos fazer um exercício. Para entendermos o que sente um idoso coloquemo-nos no seu lugar. Como gostaria de ser tratado quando fosse mais velho ou idoso?

Um idoso quer ser tratado com o respeito que é devido a um ser humano.

Deve-se ter em conta o seu passado, o profissional que foi  e o trabalho que fez durante tantos anos.

Embora possa ficar calado, não gosta de ser tratado com termos  ofensivos e esterotipados.

Apesar de já não poder deslocar-me tão facilmente ou de não estar “à la page”, não gosta de ser excluído de nada: da vida da família e da vida em sociedade.

Não gosta de ser tratado por tu mas de ser chamado pelo seu nome e gosta de ser cumprimentado como as outras pessoas.

Não gosta de ser excluído de sítios que proíbem a sua entrada.

Gosta que lhe perguntem a sua opinião em relação às coisas que lhe dizem respeito e que o deixem decidir em relação à ida para um lar ou uma “erpi” (estrutura  residencial para pessoas idosas). Deve ser respeitada a sua vontade.

Gosta de ser tratado por profissionais competentes que sabem como lidar com pessoas idosas com as suas dificuldades emocionais, cognitivas e sociais.

Gosta de fazer o que gosta e de não ser infantilizado. As actividades devem ter em conta que o adulto ou o idoso não é uma criança, que tem uma experiência de vida, cultura e vivências próprias.

Gosta que o deixem em paz quando não quer participar... mas,  ainda que sozinho, prefere ler, escrever e pensar...


 

Até para a semana.





Rádio Castelo Branco






30/09/24

Equilíbrio natural


A chuva chegou, de manhã e de mansinho. O tempo de Setembro,  ameno e acolhedor, convida ás actividades agrícolas ou de lazer... A natureza, afinal, também nos dá esta calma e bem-estar, este sentimento de serenidade, de poder olhar até onde a vista alcança e apreciar os últimos legumes e frutos do verão: ainda há curgete, tomate, os canteiros estão cheios de rúcula, espinafre, salsa, coentros e agrião, os pêssegos de Setembro estão agora deliciosos mesmo com algum bicho à mistura, e ainda se mostram os últimos figos e framboesas; começam a aparecer os dióspiros e os kiwis ainda têm que esperar...
Tudo à nossa volta nos ajuda no equilíbrio da nossa mente e as quatro estações completam o seu ciclo milenar de mudança constante. As alterações climáticas, afinal, foram sempre assim. Quando era criança os ribeiros saíam do leito. Há setenta anos que isso não acontece mas não estamos livres de voltar a acontecer.

Como Alberto Caeiro: “Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do Universo”. Da minha quinta não sou capaz de deduzir a explicação científica do mundo mas consigo ver, ouvir e ler as mudanças que o afectam. 
Não sei nada de clima, nem de alterações climáticas nem de ambiente ou ecologia... e muito menos de javalis. Mas da minha aldeia observo a natureza e sei que os javalis andam por lugares que não era costume.

Leio explicações (Carlos Dias, "Reforço da caça vai travar invasão de javalis? "Chamem o Obélix, pede agricultor", Público , 21 de Julho de 2024):
- “os incêndios florestais de 2017 e a pandemia de covid-19 terão potenciado o aumento desmesurado de javalis. Relatos sobre danos em cultivos, acidentes rodoviários e transmissão de doenças acumulam-se."
- “Estes dois fenómenos, um a seguir ao outro, encaminharam milhares de javalis para as zonas urbanas, e até praias do litoral (Arrábida), em busca de alimento que deixaram de ter no seu habitat natural."
- "uma estimativa da Universidade de Aveiro admite (o número de javalis) poder oscilar entre os 150 mil e os 400 mil."
- "Em 2023, a área (de milho) destruída afectou cerca de 3% da produção nacional e resultou numa perda de “cerca de oito milhões de euros”. (Associação de Produtores de Milho e Sorgo (Anpromis)).
- Mas “a ameaça maior está no potencial perigo para a saúde pública e os aparcamentos de suínos, através da propagação de doenças como... a peste suína africana (PSA), o pesadelo dos criadores de pecuária extensiva.”

Perante isto, era bom que associações de caça, caçadores, partidos, incluindo os chamados ecologistas, os governantes, os cientistas e investigadores e os técnicos de saúde pública, se pusessem de acordo para resolver este problema.
No meio destes desentendimentos sobre uma coisa que parece simples de resolver há pessoas que trabalham e vêem as suas culturas destruídas, as suas quintas completamente fossadas e estragadas. Há pessoas preocupadas, que não dormem sossegadas e vivem na angústia de ver tudo estragado de um dia para o outro.

Mas os que têm o poder de decidir continuam a fazer belos discursos na conferência do clima, nos parlamentos, nos governos, sobre as alterações climáticas. Continuem... Por enquanto, ainda haverá couves para o bacalhau do Natal. Só não sabemos até quando.


Até para a semana.



Rádio Castelo Branco




07/09/24

Éramos novos e especiais

 



Foi há 50 anos. Em 7 de Setembro, a 1ª CART 6523 estava de regresso da Guiné, terminando, assim, um tempo de dedicação à Pátria, encurtado pela ocorrência do 25 de Abril de 1974, embora a esperança de mudança e de regresso habitasse desde sempre nos nossos corações.

Passámos por muito mas sobrevivemos ao tempo de guerra. Era agora necessário sobreviver ao tempo de paz, aos momentos difíceis e inesperados da "luta pela vida", ao conflito existencial dentro de cada um de nós, quando a brisa do entardecer nos traz à memória os sons do último ataque a Madina, de Buruntuma, lá longe, a "embrulhar", ou do medo das minas na picada. Eram noites seguidas de noites assim. Também lhe chamam stress pós-traumático.
Era o regresso, momento de paz, de alegria breve. Era o tempo de voltar à faculdade ao curso de Psicologia que tinha interrompido. E como estava diferente a Academia! Reuniões todos os dias, ou quase. As aulas podiam esperar, o "processo revolucionário em curso", caótico, era urgente. Enquanto o império se desfazia e outros o ocupavam,  o país não se encontrava.

Os que, nesse tempo, viveram em Madina Mandinga sabiam que todos os dias sonhavam com um pouco da paz. Éramos, de facto, muito novos e muito especiais, A nossa maneira de estar, sentir e viver aquele conflito não era comum por aqueles lados. Cantávamos, sempre, músicas de amor e paz, de protesto e revolta, do Cancioneiro de Madina: "Eu digo-te adeus sem qualquer tristeza ..." adaptado de um "Adeus Guiné, tenho já dever cumprido" obliterado para uma versão que não seria mais do que, no máximo, uma "atitude impensada da juventude", como diria o Capitão José Luís. Não era sequer uma atitude rebelde e muito menos de espírito revolucionário, como muitas outras que animavam as nossas tardes e noites, espantavam os nossos medos e alarmavam os que nos visitavam...
Sim, cantávamos por lá tudo o que cantávamos por cá, do Adriano, do Zeca, do Fanhais... tudo o que ia da canção de protesto à canção de intervenção. Também por isso, talvez estejam na Guiné as raízes mais fortes que deram origem à mudança: "A revolução antes da revolução". (L.F. Branco)

Finalmente, tinha chegado esse dia: os "Leões de Madina", estavam de regresso a casa. Do aeroporto para o RAL1, em coluna militar, timidamente respondíamos a um V de vitória que o povo exibia exuberantemente e nos indiciava que os militares eram os heróis do 25 de Abril. 

Os que ainda restam desse tempo, comemoraram hoje, em Fátima, 50 anos de regresso. Os que restam, puderam e quiseram, fizeram questão de estar presentes para celebrar a amizade que resultou de uma vivência singular. Os que já partiram gostariam também de estar aqui e, de algum modo, estarão sempre. 
Reunidos mais uma vez, para suavizar esse conflito, que sempre existe, inconsciente, qual momento de vivência da fraternidade que nos ajuda na superação de todas as memórias de aflição e também nos conforta na amizade serena.

Ao partir do bolo de aniversário, com o ex-alf. Baptista, disse o que sinto e que nos une: houve um momento das nossas vidas, em que nos encontrámos e nos entregaram esta missão e, desde aí, a vida de uns passou a depender da vida dos outros, ao nosso lado, para sobreviver. O sucesso de um era o sucesso de todos - pelotão, companhia. Por isso, comemorar é um momento de terapia em que sentimos e percebemos porque queremos estar juntos.

Quis a Fortuna que se juntasse um grupo de jovens, com tantas diferenças e tantas circunstâncias, educação e formação bem distintas mas que tinha em comum comportamentos marcados pelo humanismo, pelo cumprimento dos direitos humanos, pela solidariedade com os mais frágeis, os que tinham fome, os que estavam doentes, os que não tinham habitação...

Como são diferentes as guerras actuais, como, na homilia, disse o P. Jorge, com tanta crueldade, sem regras e sem lei internacional, que crescem por esse mundo e mostram o coração insensível aos caminhos da paz... 

É reconfortante constatar que éramos tão novos e, de facto, muito especiais.




01/09/24

Hoje apetece-me ouvir



1. Hoje é o Dia Nacional das Bandas Filarmónicas. 

"As estimativas apontam para a existência de mais de 600 bandas em Portugal e, de acordo com um inquérito feito em 2001 pela Direção Regional de Cultura do Centro, esta designação engloba agrupamentos de 17 a 83 músicos. As bandas apresentam-se geralmente com uniformes personalizados e reconhecíveis, incluindo chapéu, e muitas vezes usando insígnias para distinguir e identificar a comunidade à qual pertencem. Os músicos são quase todos amadores, no sentido em que a música não é a sua carreira, não obstante o facto de, ao longo dos últimos 30 anos, um número crescente de músicos destas bandas procurar formação musical em escolas oficiais de música, elevando assim a sua qualidade técnica e o potencial musical de uma forma bastante notória." (Bandas Filarmónicas: 200 Anos de Música em Comunidade)
Um trabalho extraordinário. Parabéns.

2. Em 1 de Setembro de 1610, a obra musical Vespro della Beata Vergine de Claudio Monteverdi é publicada pela primeira vez, impressa em Veneza e dedicada ao Papa Paulo V.

Monteverdi - Vespro della Beata Vergine - Gardiner





29/08/24

De regresso à selva

 



A luta pelo estímulo (Desmond Morris, O Zoo Humano) é fundamental para a sobrevivência do ser humano. Porém, quando os estímulos são em excesso podemos ficar doentes. 
Sempre que pensamos em férias temos em mente os benefícios do descanso e relaxamento, do ar livre, do mar e do sol, para o corpo e para a mente, que são comprovados pelos estudos sobre férias e saúde.  (1)

Acontece que deixamos o trabalho mas o trabalho não nos deixa. Levamos  connosco muita bagagem desnecessária: preocupações, arrelias, frustrações, desilusões, trabalho e equipamentos: portátil, telemóvel, ipad ...  E acima de tudo a mesma atitude mental: competição expressa ou inconsciente nos mais pequenos pormenores que compromete aqueles benefícios.

Umas férias pensadas e sonhadas para combater o stress levam a aumentar ainda mais o stress com as bichas de automóveis para a praia, para o supermercado, para o barco, dificuldade para estacionar... Afinal já chegava a bicha para marcar consulta no Centro de Saúde, tratar de um documento  na Loja do cidadão, para não falar na AIMA que só de ver na TV me cansa... 

  

O ser humano percebeu que era necessário haver regras para poder funcionar em seu próprio proveito. Mesmo que alguns teimem em não as entender na utilização  do condomínio, do trânsito... e da praia. (2)

Por que há-de haver regras num tempo e espaço em que queremos gozar a nossa liberdade? E por que não hei-de ter as minhas regras ?

Não é de estranhar o resultado de um recente inquérito: “os jovens dizem que as proibições nas praias lhes tiram a diversão.” (3)


Uma das últimas guerras de que estaríamos à espera seria a luta pelo domínio de uma espreguiçadeira junto à praia ou à piscina. Uma espreguiçadeira pode ser o meu território. Tenho espreguiçadeira, logo existo. Mas a conquista daquele minúsculo espaço territorial, a necessidade de ficar à frente, ter o melhor lugar junto à praia, exige ter que levantar cedo, correr para a conquista, impondo a minha regra, o espaço marcado pela minha toalha. E esta vitória tem custos: deixam-me completamente stressado.


Por mais que tenha evoluído e tenha abraçado o progresso, trazido pelo turismo de massas, o ser humano está sempre a voltar para os estádios primitivos dessa evolução. Como acontece com todas as guerras em que  o homo sapiens manifesta a sua incapacidade para ultrapassar a eliminação física do outro ou os pequenos conflitos interpessoais, inesperados, que ameaçam o velho cérebro que dita o meu domínio territorial: "Os hotéis dizem que sem o controlo das espreguiçadeiras "seria uma selva", uma vez que os turistas competem por lugares privilegiados nos hotéis ao longo da costa espanhola." (4)


O comportamento humano não pára de nos surpreender, preocupar e... divertir. Em vez de tranquilas férias aumentamos o stress, a terapia vira pesadelo, um feliz casamento pode voltar de férias desfeito ou uma boa amizade encontrará o seu ocaso. (5)

O ser humano ainda não se adaptou a estas novas regras. Volta sempre à selva de onde afinal parece nunca ter saído: um lugar ao sol tem uma importância fundamental para um primata em via de socialização.


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