Foi há 50 anos. Em 7 de Setembro, a 1ª CART 6523 estava de regresso da Guiné, terminando, assim, um tempo de dedicação à Pátria, encurtado pela ocorrência do 25 de Abril de 1974, embora a esperança de mudança e de regresso habitasse desde sempre nos nossos corações.
Passámos por muito mas sobrevivemos ao tempo de guerra. Era agora necessário sobreviver ao tempo de paz, aos momentos difíceis e inesperados da "luta pela vida", ao conflito existencial dentro de cada um de nós, quando a brisa do entardecer nos traz à memória os sons do último ataque a Madina, de Buruntuma, lá longe, a "embrulhar", ou do medo das minas na picada. Eram noites seguidas de noites assim. Também lhe chamam stress pós-traumático.
Era o regresso, momento de paz, de alegria breve. Era o tempo de voltar à faculdade ao curso de Psicologia que tinha interrompido. E como estava diferente a Academia! Reuniões todos os dias, ou quase. As aulas podiam esperar, o "processo revolucionário em curso", caótico, era urgente. Enquanto o império se desfazia e outros o ocupavam, o país não se encontrava.
Os que, nesse tempo, viveram em Madina Mandinga sabiam que todos os dias sonhavam com um pouco da paz. Éramos, de facto, muito novos e muito especiais, A nossa maneira de estar, sentir e viver aquele conflito não era comum por aqueles lados. Cantávamos, sempre, músicas de amor e paz, de protesto e revolta, do Cancioneiro de Madina: "Eu digo-te adeus sem qualquer tristeza ..." adaptado de um "Adeus Guiné, tenho já dever cumprido" obliterado para uma versão que não seria mais do que, no máximo, uma "atitude impensada da juventude", como diria o Capitão José Luís. Não era sequer uma atitude rebelde e muito menos de espírito revolucionário, como muitas outras que animavam as nossas tardes e noites, espantavam os nossos medos e alarmavam os que nos visitavam...
Sim, cantávamos por lá tudo o que cantávamos por cá, do Adriano, do Zeca, do Fanhais... tudo o que ia da canção de protesto à canção de intervenção. Também por isso, talvez estejam na Guiné as raízes mais fortes que deram origem à mudança: "A revolução antes da revolução". (L.F. Branco)
Finalmente, tinha chegado esse dia: os "Leões de Madina", estavam de regresso a casa. Do aeroporto para o RAL1, em coluna militar, timidamente respondíamos a um V de vitória que o povo exibia exuberantemente e nos indiciava que os militares eram os heróis do 25 de Abril.
Os que ainda restam desse tempo, comemoraram hoje, em Fátima, 50 anos de regresso. Os que restam, puderam e quiseram, fizeram questão de estar presentes para celebrar a amizade que resultou de uma vivência singular. Os que já partiram gostariam também de estar aqui e, de algum modo, estarão sempre.
Reunidos mais uma vez, para suavizar esse conflito, que sempre existe, inconsciente, qual momento de vivência da fraternidade que nos ajuda na superação de todas as memórias de aflição e também nos conforta na amizade serena.
Ao partir do bolo de aniversário, com o ex-alf. Baptista, disse o que sinto e que nos une: houve um momento das nossas vidas, em que nos encontrámos e nos entregaram esta missão e, desde aí, a vida de uns passou a depender da vida dos outros, ao nosso lado, para sobreviver. O sucesso de um era o sucesso de todos - pelotão, companhia. Por isso, comemorar é um momento de terapia em que sentimos e percebemos porque queremos estar juntos.
Quis a Fortuna que se juntasse um grupo de jovens, com tantas diferenças e tantas circunstâncias, educação e formação bem distintas mas que tinha em comum comportamentos marcados pelo humanismo, pelo cumprimento dos direitos humanos, pela solidariedade com os mais frágeis, os que tinham fome, os que estavam doentes, os que não tinham habitação...
Como são diferentes as guerras actuais, como, na homilia, disse o P. Jorge, com tanta crueldade, sem regras e sem lei internacional, que crescem por esse mundo e mostram o coração insensível aos caminhos da paz...
É reconfortante constatar que éramos tão novos e, de facto, muito especiais.
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