09/04/21

Inclusão 2


Símbolo de acessibilidade proposto pela ONU



1. Felizmente, neste tempo que levo de vida, vi acontecer muitas mudanças inclusivas na sociedade: na escola, na segurança social, nas acessibilidades, nos comportamentos das pessoas. Participei em algumas dessas mudanças.

Então, desde há muito aprendi que a inclusão não é uma obra acabada mas um processo em construção a cada momento. 

A inclusão é uma atitude necessária da vida, como a liberdade, a democracia e a justiça. Faz parte de qualquer organização social democrática decente. 

 

Esta mudança social tem vindo a fazer-se com a evolução da inclusão concreta na educação com a metodologia "desenho universal de aprendizagem" (UDL),   no trabalho, na melhoria das acessibilidades, na linguagem que respeita as diferenças, não seja estigmatizante, adequada à vida das pessoas.

Esta mudança social diz respeito a todos. Sim, todos precisamos de inclusão e todos precisamos de linguagem inclusiva.


2. Sou do tempo em que a educação escolar era feita em escolas separadas para  rapazes e raparigas. Foi por isso que a coeducação teve importância na eliminação de muitos dos fenómenos que podiam dar vantagens a uns ou a outros.  Os mundos separados da educação, porém, eram compensados pela convivência extra escolar, nas famílias, nos jogos, no tempo de brincadeira que era todo o tempo em que não estávamos na escola. Qualquer défice que pudesse existir na educação formal seria ultrapassado na educação informal.

Ou seja, para quem tinha a ilusão de que a coeducação podia resolver o problema dos  estereótipos, do bullying, da violência doméstica ou outra, percebeu, como prova a realidade diária das nossas escolas, que  não é assim tão simples...

Muitos comportamentos têm a ver com o desenvolvimento psicológico como, por exemplo, quando raparigas e rapazes têm tendência a criar grupos do mesmo sexo. O contrário é que seria estranho.

 

3. Sou do tempo do livro único*, que podia ter aspectos vantajosos como o económico para o estado e para as famílias, mas muitas desvantagens. Hoje não teria grande sentido haver manuais escolares aprovados centralmente que divulgassem estereótipos, estatutos e papéis sexuais baseados na diferenciação sexual. 

Mas pelos vistos também este não é um factor que, isoladamente, vai resolver o problema do respeito pelas diferenças.


4. Sou do tempo em que havia no Ministério da Qualidade de vida, a Direcção de Serviços de Orientação de Consumos, o Gabinete do Consumidor, onde ficámos a perceber que o perigo vinha dessa "orientação" e do papel que a psicologia e em particular o condicionamento operante (A manipulação dos espíritos) tem nos nossos comportamentos. Tenho a agradecer a Ernesto Melo e Castro, ter alertado para isso. Tudo o que se podia fazer era estudar e apresentar dados objectivos sobre comportamentos de consumo e dar a possibilidade a cada um de pensar e tirar as suas conclusões. Foi assim que se tratou, por exemplo, o alcoolismo, o tabagismo, a publicidade, o consumo... com Beja Santos, Manuel Barão da Cunha. 

5. Sou do tempo em que na Direcção-geral da segurança social/acção social se procurava a integração e a inclusão das pessoas com deficiências e doenças mentais e criar respostas mais humanizadas para os diversos níveis etários, com base em critérios vindos das várias disciplinas que podiam favorecer aquela perspectiva: psicologia, pedagogia, geriatria, arquitectura... Passei grande parte da minha vida profissional a defender a inclusão educativa das pessoas com deficiência ou doença, ou dificuldades de aprendizagem, as necessidades educativas especiais. 
Na equipa de Maria Helena Cadete, participei no estudo e na criação de legislação que permitiu à pessoa com deficiência ter respostas organizadas, ou seja, legislação que lhes possibilitou essa inclusão desde as deficiências mais ligeiras às mais profundas, como a criação dos CAO (Centro de apoio ocupacional), ou em trabalhos sobre as acessibilidades e equipamentos para crianças com deficiências sensoriais e mentais. 
Todo este trabalho ficou bem evidenciado no Ano internacional das pessoas com deficiência, onde colaborei no estudo do apoio ao deficiente mental profundo.
Com Fernanda Infante, colaborei no estudo das famílias monoparentais (até então, a segurança social interessava-se principalmente com as designadas "mães solteiras") e no estudo de "Famílias reconstituídas" (antes nem designação havia para os casos de recasamentos em que havia filhos, etc.)...

6.  Sou do tempo em que a inclusão foi e é um trabalho diário nas escolas ainda mais após a Declaração de Salamanca (10 de Junho de 1994), sobre princípios, políticas e práticas na área das necessidades educativas especiais.

 

7. Faz sentido, por outro lado, que sejam introduzidas alterações na abordagem de assuntos que dizem respeito a essas diferenças, como acontece com as revisões do DSM (Manual de diagnóstico e estatística das perturbações mentais) como por exemplo  com a classificação das deficiências ou das "perturbações" mentais que para muita gente e em algumas traduções continuam a ser designadas como "transtornos" ou "distúrbios".

8. E tudo isto era e é positivo, inclusivo. As diferenças eram vistas como um enriquecimento, como espelho de nós próprios, como nossas, que cada um de nós é diferente de todos os outros mas a sua referência porque como dizia Amaral Dias "quanto mais me vejo menos me conheço", e em qualquer altura, com mais ou menos idade, faria parte de um dos grupos com esta ou aquela necessidade especial.

 

9.  Então é necessário trabalhar pela inclusão:

- para não continuarmos a construir casas e equipamentos sociais sem acessibilidades mesmo que a lei obrigue a fazê-lo;

- criar cidades para todas as pessoas, mais importante do que novos símbolos para acessibilidades;

-  mudar os métodos de ensino/aprendizagem dando oportunidades educativas aos alunos  de acordo com as necessidades de cada um;

- criar acessibilidades a nível do currículo; 

- utilizar a informática como instrumento importante no processo ensino/ prendizagem;

- Utilizar uma linguagem inclusiva o que não quer dizer neutra porque a inclusão não é neutra nem a linguagem é neutra. Nunca o foi nem será. E não será uma qualquer geringonça gramatical que tornará a linguagem neutra. 

A linguagem não é neutra, felizmente, e a inclusão é outra coisa.

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* Sobre os  manuais escolares e livro único.









 


 

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