23/04/21

Psicologia da corrupção 3


Por que é que jogo no euromilhões ? Se nunca me sai nada e a probabilidade de sair é praticamente nula porque insisto semanalmente em tentar a sorte grande ?

O que me move neste comportamento é sobretudo a crença de que o dinheiro,  resolveria os meus problemas e satisfaria a ambição de ter uma boa vida, com tudo o que isso implica. 

Para atingir estes fins há quem não queira esperar por esta "basuca" pessoal e prefira os atalhos. A política na sua versão menos nobre  é um dos atalhos que me pode dar o euromilhões.  

Tentar a sorte por estes caminhos ínvios parece ser cada vez mais frequente, tolerado e banalizado, encolhemos os ombros e sentenciamos: “são todos iguais”.

 

Porém, na corrupção não há apenas uma pessoa mas uma rede que envolve corruptores, corrompidos, cúmplices silenciosos ou activos onde todos são ganhadores ou pelo menos pensam que são.

O que se passou no processo “operação marquês” foi exactamente esta tolerância e cumplicidade de várias instituições, principalmente de um governo e de  um partido onde ninguém viu ou sabia de nada, ninguém disse nada, mas onde imperam compromissos, tácitos ou não, tanto mais fortes quanto o nível de recompensas que daí advêm.

E tudo isto feito com a tolerância de cidadãos que elegem democrática e repetidamente  estas pessoas ... 

 

Se pensarmos que  a corrupção não é um acontecimento recente, sempre existiu, e está entranhada nas democracias de forma sistémica, como compreender este comportamento? 

Podemos pensar a  corrupção a três níveis:  Individual, cultural e social.

Digamos que a cultura e a sociedade  proporcionam e facilitam a corrupção. A organização do estado, a organização das autarquias, facilitam estas circunstâncias, com a contratação directa de bens e serviços, o nepotismo, a criação de empresas municipais, a mistura estado-empresas como as PPP (1), aempresas e contas bancárias offshore. (2)

 

Porém, nem a cultura nem a organização social, são justificação suficiente para se entender este comportamento. O que parece ser essencial no desvio comportamental, na  desonestidade, na ambição excessiva do sucesso sem olhar a meios, está no indivíduo, no seu desenvolvimento psicológico, na aquisição de princípios éticos e morais que permitem tomar decisões íntegras sobre a verdade e a mentira.(3)

Então será que é possível quebrar estas redes de corrupção a partir de uma educação voltada para a  ética e assente na modelagem feita na família e nas instituições ? É certamente necessário aumentar os mecanismos de fiscalização e diminuir a sensação de impunidade dos acusados.(4) É necessário que as instituições do estado sejam independentes. Mas não chega mudar as leis (5). É 
necessária uma reflexão profunda sobre o silêncio, a tolerância e a banalização do mal, como escreveu Hannah Arendt. Estes desvios não se justificam por estarmos a obedecer a ordens, por fazermos parte de uma engrenagem de que não podemos sair. Podemos sempre dizer não, “não vou por aí”.


Até para a semana, com muita saúde.

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(1) Como aqui refiro, as PPP podem ser vantajosas para a organização do estado e da sociedade mas isso depende da forma como forem negociadas... 

(2) E também onshore. "O termo offshore vem dos tempos dos corsários que saqueavam os mares e depositavam a pilhagem offshore (fora da costa)" (Wikipédia)


(4) “Quando os corruptos começam a roubar, podem se sentir culpados, mas, então, se acostumam com isso e não se importam mais. Se não forem punidos, esse comportamento ficará cada vez mais normal”, Antoine Bechara. 
O neurocientista compara o cérebro do corrupto sistêmico, incluindo políticos desonestos, ao de um psicopata, cuja amígdala funciona de maneira diferente do restante da população. “O psicopata verdadeiro tem uma patologia real no córtex pré-frontal. Ele não se sente obrigado a seguir as regras”, diz Bechara. “A raiz do comportamento corrupto está na recompensa. Nós não agimos dessa forma porque conseguimos controlar nosso comportamento e, na minha opinião, fazemos esse controle por causa da punição. Se o corrupto não é condenado pela Justiça, não há razão para deixar de se comportar de maneira desonesta”, acredita. ("Como funciona o cérebro de uma pessoa corrupta")

(5) Como combater a corrupção quando o centro da corrupção são as instituições democráticas: parlamento, governo, autarquias, etc.? Talvez por isso seja tão difícil legislar sobre enriquecimento ilícito/injustificado, embora haja questões de constitucionalidade que devem ser salvaguardadas (Transparência e integridade). Se for desta vez que a lei passa, podemos esperar que não vai ser mais um daqueles procedimentos burocráticos que fazem parte do "lado A" da corrupção? (Eduardo Sá, "Os rezingões da vida").











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