07/03/19

Médicos de família

1.  “Quase 29 mil portugueses não têm médico de família porque não querem.” (1) 
Eu sou um desses portugueses que não querem médico de família do SNS. Em determinada altura, foi-me atribuído um médico de família que eu não escolhi nem pedi e a quem não recorri, isto é, durante a minha vida,  por duas ou três vezes necessitei do médico de família do SNS.
Por falta de uso, a Administração Regional de Saúde do Centro - Unidade Local de Saúde enviou-me um ofício que rezava assim:
A falta de utilização dos cuidados de saúde primários durante mais de três anos fez com que fosse classificado como "utente inscrito no ACES (Agrupamento de Centros de Saúde) sem contacto nos últimos três anos".
Ainda bem que chegaram a esta conclusão.

2. No entanto, como qualquer pessoa, necessito de um médico de família. Por isso, sempre tive um médico que regularmente me acompanha a nível dos cuidados de saúde primários.
Aliás, valorizo de forma determinante o papel do médico de família num sistema de saúde: 
É o médico de família que muitas vezes detecta e compreende os sinais e sintomas de algum problema de saúde.
É o médico com quem acabamos por manter uma ligação maior, devido ao compromisso  e interesse com o doente ao longo do tempo.
Também por isso está em condições de fazer uma compreensão do contexto da doença, pessoal, familiar e social, que lhe permite avaliar mais detalhadamente os riscos e os recursos disponíveis e assim planear melhor as suas intervenções.
E ainda tem um papel fundamental a nível da educação para a saúde e da saúde preventiva.

3. Há uma infeliz confusão entre Sistema de Saúde com Serviço Nacional de Saúde. Embora no site do SNS seja claro que : O Serviço Nacional de Saúde (SNS) é o conjunto de instituições e serviços, dependentes do Ministério da Saúde, que têm como missão garantir o acesso de todos os cidadãos aos cuidados de saúde, nos limites dos recursos humanos, técnicos e financeiros disponíveis.
Refere a seguir: "Para além do SNS, existem diversos subsistemas de saúde, criados no âmbito de vários ministérios, empresas bancárias, seguradoras e outras instituições, para prestação de cuidados de saúde aos seus trabalhadores ou associados (ADSE, ADME, SAMS, etc.). Os beneficiários destes subsistemas podem utilizar também, caso o desejem, toda a rede do SNS.”
Além disso, “Diversas instituições de saúde privadas e profissionais em regime liberal completam a oferta de cuidados de saúde, prestando os seus serviços à população em regime privado ou através de acordos ou convenções quer com o SNS, quer com alguns dos subsistemas atrás referidos.”

4. Por tudo isto, continuo sem perceber a necessidade de todos os cidadãos terem médico de família do Serviço Nacional de Saúde, quando, como é o meu caso,  se tem um médico de um subsistema de saúde que  é, na realidade, o meu médico de família.
Não compreendo porque não pode haver médicos de família nos outros subsistemas de saúde, com as mesmas funções dos médicos de família do Serviço Nacional de Saúde que pudessem contribuir de forma articulada para um Sistema de Saúde Nacional.
Não compreendo a falta de capacidade para gerir os recursos existentes na comunidade de forma personalizada, racional e mais adequada para o doente. Poderia ser um contributo importante para poupar dinheiro ao orçamento de estado, permitir incluir no Serviço muitos doentes do quase  um milhão que esperam por médico de família, reduzir as listas de cada médico, reduzir o número de  crianças que não têm médico de família.
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(1) "Quase 29 mil portugueses não têm médico de família porque não querem.” “Dos 10,2 milhões de utentes inscritos nos centros de saúde portugueses, perto de 1,3 milhões não têm médico de família porque não lhes foi atribuído e 28.880 não têm porque não querem.” (Observador, 18/2/2015)
Em 2018, havia 749.613 utentes sem médico de família atribuído. (Público,16/10/2018)

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