Uma pequena estória.
"— O que deseja? —voz impessoal, ar distraído ou
impaciente ou indiferente.
— Venho à consulta. Trago uma guia. Olhe, desejava ser
visto pelo Dr. Fulano.
— Está bem. Espere.
— Aonde?
— Aí onde os outros estão.
— Então não existe uma sala de espera?
— Há o corredor.
— Mas tem os bancos todos ocupados.
— Não sei, isso não é comigo. Ninguém se costuma queixar.
Quem segue?
O homem olha em redor. Velhos em ruínas, novos
arruinados, olhando-o como animal raro, ou apenas indiferentes. Amontoados nos
bancos ou contra as paredes. Esperam, esperam o médico que há-de vir, quando
vier, se vier.”
Esta
é a parte inicial de uma pequena estória referindo a assistência hospitalar, antes do 25 de Abril. O seu
autor é Manuel Barão da Cunha,
com quem trabalhei em determinada altura da minha vida profissional no Ministério
da qualidade de vida/Defesa do consumidor. Está incluída no livro “Os párias e
os outros”, um conjunto de estórias e
textos sobre os excluídos da sociedade.
E é neste
sentido que a utilização do termo “párias”
é para aqui chamado. A tantos anos do 25 de Abril, vemos como, apesar das
“melhoras” no sistema de saúde, continuam as mesmas falhas sociais seja na
saúde (1), segurança social, educação ou habitação.
Continua
a haver episódios como o ocorrido recentemente no chamado bairro da Jamaica,
Seixal, e voltaram novamente os comentários do costume sobre o racismo, sendo
que o masoquismo de afirmar que Portugal é um país racista veio novamente à
tona por parte da comentadoria e do achismo nacionais. (2) Para esta gente há um
país racista mas que nunca é o deles nem lhes diz respeito. Desta vez houve até
a vitimização do primeiro ministro !
Esta
associação de racismo à intervenção das forças de segurança vem essencialmente
da (dita) esquerda que pensa que colhe dividendos com a afirmação, em alto volume,
ou em vídeos (ou partes de vídeos) nas redes sociais, de que os outros são e eles não são. Pertencem a uma
casta de moralistas que patrulham tudo o que mexe e lhes cheira a racismo e
sexismo, em especial quando envolve organizações e instituições do estado, com destaque para as forças de segurança.
Podemos
dizer que em Portugal há racismo desde que isso seja aplicado a todos os outros
países do mundo e nesse sentido não é uma característica deste ou daquele país.
O que equivale a dizer que o racismo
acabou. (2)
O
problema é então outro e verifica-se desde há longos anos: o da
discriminação, seja de quem for, o dos excluídos de todas as cores, formas e
feitios. O problema é então que continua a haver “os párias": os “velhos,
reformados, doentes, deficientes, desempregados” e os “outros”: os das elites, da
esquerda ou da direita, e “todos os que se mantêm indiferentes ao drama daqueles
por quem praticamente nada se tem feito.”
Os
problemas dos bairros degradados é o resultado das políticas sociais erradas na
habitação, como no caso vertente, que radicam na educação com valores errados transmitidos
e nas mentalidades criadas…
Ser
pessoa é, por isso, o que interessa na educação e transformação de cada individuo,
habite neste ou noutro bairro qualquer.
Ser
pessoa “é ser um polo de responsabilidade, um sujeito activo de relação."(3)
Em
termos psicológicos, acompanhamos a visão de Carl Rogers: “O ser humano
subjectivo tem um valor importante… não interessa como seja etiquetado e
avaliado, acima de tudo é uma pessoa
humana.” (O livro da psicologia, Marcador)
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(1) O que se passa actualmente no Serviço Nacional de Saúde é igual ou pior do que isto.
(2) Há excepções como o artigo de Gabriel Mithá Ribeiro.
(3) Rubrica da RDP/Antena 1 - "Toda a gente é pessoa"
(2) Há excepções como o artigo de Gabriel Mithá Ribeiro.
(3) Rubrica da RDP/Antena 1 - "Toda a gente é pessoa"
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