21/06/17

O mito do progresso



Notícias recentes deram conta do incêndio de grande dimensão  que deflagrou na madrugada de 14 de Junho, num edifício, em Londres, uma torre residencial com mais de 20 andares, com vários dezenas de mortes e feridos.
O progresso que aparentemente se encontra nas grandes cidades (megalópoles), traz consigo problemas para os quais não há soluções, não são aplicadas soluções já conhecidas ou não são previstas, por negligência, por  economicismo, etc. A segurança, p.ex., é muitas vezes a questão mais importante mas a que sofre mais com este tipo de atitudes.
Desde há muito que a ideia de progresso é discutida e, aparentemente, para algumas das situações consideradas de progresso, não foram criadas soluções para situações críticas como acontece em acidentes deste tipo, ou da energia nuclear ou do controle de organismos geneticamente modificados...
"O progresso é um mito renovado por um aparato ideológico interessado em convencer que a história tem destino certo e glorioso."  (Gilberto Dupas)

Anselmo Borges em artigo que chama de “Uma sociedade ameaçada” escreve que "a actual sociedade europeia de que fazemos parte tem, na expressão do filósofo E. Husserl, uma nova "forma de vida", isto é, um horizonte novo de vivência, sentido e autocompreensão, a partir de três princípios fundamentais.
Trata-se de uma sociedade à qual foi possibilitado imenso bem-estar, derivando daí novas possibilidades de auto-realização e também um feroz individualismo, que apenas reivindica direitos ignorando deveres.
Por outro lado, as novas tecnologias têm um impacto decisivo nas sociedades, e não só no plano socioeconómico: mudam as mentalidades. Por exemplo, estar ligado à rede, navegando, afecta a vivência de si e do mundo. A concepção de espaço é outra, muda sobretudo a vivência do tempo.
…Paradoxalmente, a ligação global produz solidões penosas. Há um sentimento de quase omnipotência, seguindo-se daí que tudo o que é tecnicamente possível se deve realizar, sem perguntas de outro foro, ético, humanista. A satisfação imediata e o facilitismo são outras características de uma sociedade líquida 1 e mole, cujo deus é o dinheiro.
Desta forma de vida faz parte ainda a crítica religiosa, no sentido de um laicismo agressivo."

As questões ditas fracturantes parecem estar confi(n)adas ao lado dos autoproclamados  progressistas, sendo que o lado do progresso é feudo da dita esquerda e todos os outros são vistos como anti-progressistas, contra a evolução, retrógrados e reaccionários.
A propaganda das grandes realizações socialistas era marcada pelo progresso em todas as áreas da vida, os planos quinquenais traziam o grande desenvolvimento económico, desporto e lazer para todos, igualdade para todos...
Alguns partidos políticos, autoconsiderando-se progressistas, constituiram a Aliança progressista. para a direcção da qual, recentemente, António Costa foi eleito.

A. Borges dá alguns exemplos deste progressismo actual, entre nós:  a gestação de substituição, vulgarmente conhecida por barrigas de aluguer;  a eutanásia; o animal "... que não é coisa mas não é pessoa” 2; a dificuldade de  convivência com o esforço e com a avaliação (como terminar com os exames).

Ora aquilo que acontece é que estamos assistindo a grandes convulsões sociais e políticas, mais ou menos generalizadas: guerras, fome, injustiça, vagas de refugiados, emigração descontrolada,  que provam que não há grande progresso quando os direitos humanos são afrontados de forma tão elementar. 
Há questões que sempre devemos analisar perante aquilo que nos querem vender como progresso: "a quem o progresso serve, quais são os riscos e custos de natureza social, ambiental e de sobrevivência da espécie e que catástrofes futuras ele pode gerar."(G. Dupas)

Em Admirável mundo novo, 1946, Aldous Huxley coloca em epígrafe uma frase de Nicolas Berdiaeff: "As utopias são realizáveis. A vida vai em direcção às utopias. E talvez um século novo comece, um século em que os intelectuais e a classe culta sonharão com os meios de evitar as utopias e de voltar a uma sociedade não utópica, menos “perfeita” mas mais livre".

________________
1 Segundo Bauman, "modernidade líquida".
2 "Repensar o conceito de "pessoa". De acordo com o PAN, que cita estudos científicos, os animais também são dotados de consciência, mas não têm o direito de ser considerados como pessoas. O PAN defende, por isso, o reconhecimento no Código Civil de um eventual terceiro tipo de pessoa, para além da pessoa singular e da pessoa colectiva já existente. 


Sem comentários:

Enviar um comentário