A dor chama-se fogo. A dor chama-se estrada nacional 236. A dor pode chamar-se todo o horror que a morte provoca no corpo e na alma das pessoas. As que partem e as que ficam. As que assistem à dor dos outros, as que estão longe na geografia mas perto no coração.
A dor chama-se um filho que fica sem pais, pais que ficam sem filhos. Ou quando não fica ninguém.
A dor, por estes dias, chama-se fogo. Sábado, 17 de Junho, em Castelo Banco, tarde de muito calor com trovoada. À noite, Rui Veloso, voltava a velhos temas “Sei de uma camponesa”, do “ar de rock”, a evocação do mundo rural e urbano… Ao mesmo tempo, quem podia saber?, que esse mundo rural passava por uma experiência traumática, ardia a estrada nacional 236, levando no fogo 47 vidas.
Manhã de choque, de espanto e surpresa, para um país. Famílias desencontradas ou destruídas, aldeias reduzidas a cinza.
Tivera lugar um acontecimento «atípico», com enorme impacto, para a qual construímos explicações para a sua ocorrência depois de o facto ter lugar, um cisne negro (N. Taleb) acontecia sem que alguém tivesse previsto, sem que alguém pudesse reagir a tempo.
Estamos por isso a construir as explicações.
Quem são os responsáveis? São as forças da natureza às quais ninguém consegue opor-se ou a incúria dos homens que nunca espera o pior? Ou a certeza do homem imprevidente que não quer saber da incerteza, do homem maldoso ou do homem doente, do homem da política, do homem especulador dos negócios ?
Talvez, por isso, não haja responsáveis: das informações, da coordenação, do planeamento, da estratégia, operacionais, legisladores …
Que fazer com os que sobreviveram ? A dor é uma experiência subjectiva mas é também uma experiência universal. As culturas, as filosofias e as religiões vêem a dor à sua maneira e podem suavizar o sofrimento indescritível de algumas pessoas mas nunca são suficientes para compreendermos "porquê?"
Tantas informações, debates, explicações, justificações… também não chegam porque a dor da gente não vem nos jornais nem nos telejornais.
A reparação psicológica e a reconstrução material das casas, dos campos, dos animais… vai levar muito tempo. O luto ainda mal começou. Provavelmente, serão lutos muito longos que ficarão na memória por muitos muitos anos, aonde as lembranças voltarão com frequência, não deixarão dormir, não darão sossego, não deixarão ver claro, não deixarão ver a justiça.
Haverá casos de perturbação pós-stress traumático, um problema de ansiedade que surge, quando uma pessoa foi exposta a um acontecimento que constituiu um trauma psicológico, como uma ameaça à sua segurança ou à sua vida, em que terá sentido medo, desespero, falta de ajuda ou horror intenso.
A dor faz parte da vida humana, existe e é inevitável, mas o sofrimento pode ser diminuído e evitado. Os cuidados de saúde física e mental deviam ser garantidos a estas pessoas que estão em sofrimento. Só assim poderá ser feito o luto.
Erguer das cinzas faz parte desse processo: Muitos lutaram, ficaram com a dor e com as marcas para a vida toda e continuam a viver
Onde ficou o silêncio terá lugar o canto das aves, do vento, onde havia cansaço e desânimo terá lugar a esperança.
Erguer das cinzas devia ser uma prioridade, desta vez, feita de maneira diferente dos últimos 40 anos: aprender com a experiência, e aprender, sobretudo, aquilo e com aquilo que não sabemos, para que novos acontecimentos improváveis não voltem a acontecer de forma tão devastadora.
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