31/05/17

Tejo, meu doce Tejo



Realizou-se, esta semana, a cimeira ibérica em que os governos de Portugal e de Espanha discutiram assuntos comuns e de grande importância, suponho eu, para os dois países.
A cooperação transfronteiriça parece ter sido   o grande assunto (pelo menos da agenda formal) nesta cimeira ibérica. O objectivo para esta cooperação transfronteiriça seria a transformação da interioridade em centralidade. É óbvio que faz todo o sentido e o tema não é novo. Quem vive, por exemplo, em Castelo Branco, sabe que nos deslocamos a Madrid tão facilmente como a Lisboa.
Mas a notícia é preocupante quando refere que “A central nuclear de Almaraz, que motivou uma manifestação com a participação d' «Os Verdes» e do BE, ficou de fora da agenda da cimeira por, concluiu hoje António Costa, ser uma questão discutida no passado e ter ficado «bem resolvida».

Na verdade, não ficará bem resolvida,  enquanto  for adiado o “prazo de validade “ da Central de Almaraz e enquanto existir.
Independentemente de manifestações e de partidos que às vezes apenas servem para  tirar partido destas situações aproveitando-se dos sentimentos, preocupações e medos das populações, depois de Chernobyl e Fukushima, em Lisboa ou em Madrid, apercebem-se certamente de que este é o assunto mais importante a ser resolvido.* A centralidade da interioridade é importante depois de resolvido  um perigo potencialmente mortal que a central de Almaraz significa  para as pessoas e para o ambiente.
O Tejo faz parte da  nossa memória e da nossa cultura que só pode ser uma cultura de vida: de Camões à poesia popular cantada num fado. O Tejo de Almeida Garrett, de Pessoa, de Camões, de Alves Redol,  Gedeão, de Sophia, de Manuel da Fonseca,  dos Madredeus, de Frederico de Brito, de Amália…
"Pelo Tejo vai-se para o Mundo" (Alberto Caeiro),  e fomos para o mundo  interpelados pelo velho do Restelo:
"Ó gloria de mandar ó vã cobiça
 desta vaidade a que chamamos fama"
É o Tejo das ninfas a quem Camões pede inspiração para escrever Os Lusíadas :
“E vós, Tágides minhas, pois criado
Tendes em mi um novo engenho ardente …"
O Tejo espelho, do poema da Memória, de António Gedeão
"Havia no meu tempo um rio chamado Tejo
que se estendia ao Sol na linha do horizonte.
Ia de ponta a ponta, e aos seus olhos parecia
exactamente um espelho
porque, do que sabia,
só um espelho com isso se parecia.”
O Tejo de Manuel da Fonseca:
 “ Tejo que levas as águas
Correndo de par em par
Lava a cidade de mágoas
Leva as mágoas para o mar.” 
O Tejo cantado pelos  Madredeus
"Tejo, meu doce Tejo, corres assim;
corres há milénios sem te arrepender,
és a casa de água onde há poucos anos eu escolhi nascer.”

É este Tejo, inspirador, e tão maltratado pelas poluições de toda a espécie,  ao longo dos anos, e ao longo do seu percurso de 875 quilómetros, que na nossa memória se  revela em todo o seu esplendor.
É este Tejo que, em nome do descontrolado  progresso económico, colocam em  risco de sofrer a pior ameaça ambiental: a  ameaça radioactiva.
Será isto uma questão “bem resolvida” ? “Ó glória de mandar , ó vã cobiça”!
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* "O ministro do Ambiente afirmou hoje que a decisão espanhola de prolongar por dois anos o prazo para uma decisão sobre o funcionamento das centrais nucleares dará tempo a Portugal e Espanha para discutir compromissos sobre ambiente e energia." (Notícias ao minuto, 31-5-2017, Lusa)

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