23/02/17

Ler para crescer

Creio que a maioria de nós começou por ouvir histórias em casa, lidas ou contadas oralmente. No meu tempo de criança não abundavam os livros e ainda menos os livros infantis. Não é conversa fiada aquela de que o primeiro livro que ouvimos ler, ou lemos, foi a Bíblia. Era de facto o que havia. Além disso, talvez houvesse um ou outro livro escolar, que os pais sabiam de cor.
Ao contrário do que se diz agora, os livros escolares não eram para deitar fora porque serviam para os irmãos e primos mais novos, não eram para deixar mais ou menos em estado lastimável porque havia a preocupação de os estimar e também não eram para outros alunos carenciados porque eram totalmente pagos pelos pais.
Os livros e os livros escolares carregam o peso individual da pertença e, acima de tudo, contam histórias pessoais, algumas de espanto outras de tristeza, de sucesso e de fracasso, de louvores e castigos, aonde podemos voltar sempre que assim o entendermos. 
Em muitas casas são ainda hoje os livros que existem. Na minha era assim.
A pouco e pouco a biblioteca foi-se construindo chegando, hoje, a vários milhares de exemplares, sendo a maioria das áreas de que gostamos, no meu caso, obviamente, da psicologia.
Os livros são de facto companheiros inseparáveis , insubstituíveis. ... e fizeram parte do meu crescimento.
Foi assim que cresci com os livros de histórias da Bíblia ou da história do país, contadas ou lidas pelos pais.
Foram, juntamente com os companheiros, os primeiros professores e mestres que tratavam da sexualidade, do amor, da existência, da fé, do Mundo e do que está para lá do mundo.

"São raros os instrumentos educativos que possuem tantas virtudes como o livro. Ele é para os mais pequenos assimilável a um brinquedo que estragam e maltratam….” e até comem…
Eu tenho alguns, em parte comidos, em parte com garatujas e outros desenhos que os tornam, para mim, ainda mais valiosos…
As crianças muito pequenas começam por ter imensa curiosidade em relação aos livros: folheiam, apontam as imagens, nomeiam e imitam os sons das imagens e gostam dos conteúdos afectivos das personagens, os bons e os maus. 
Gostam que lhes contem histórias, lidas ou não nos livros, com mais ou menos liberdade mas não pensem em mudar muito o conteúdo porque depressa elas dizem que não é assim.
Gostam de recontar as histórias mesmo que seja completando as deixas de quem lhes estiver a ler.
“A diferença entre o objecto real e a imagem que ela representa vai dar origem à representação simbólica do mundo. 
Entre os 18 meses e os 2 anos o desenho representa qualquer coisa que ela pode reconhecer e que o texto conta uma historia,  é um verdadeira mudança que se opera e é a verdadeira entrada na linguagem.”
Em crianças com grande atraso de desenvolvimento, esta capacidade não está adquirida e não fazem esta distinção… 
A criança começa por apontar uma imagem,  em seguida nomeia a imagem,  posteriormente, os pormenores dessa imagem e, finalmente, é capaz de recontar a história, com acções e minúcias 1.
E, assim, a criança está cada vez mais embrenhada no mundo relacional “que lhe abre o acesso ao processo de filiação permitindo uma inscrição na cultura”
Os afectos estão aqui presentes e “a qualidade da narrativa reflecte aquela (relação), segura, insegura ou evitante, das primeiras ligações mãe-criança ou criança-pais... a voz da mãe, a sua música, as mímicas que a criança pode ler no seu rosto, a troca de olhares, numa palavra o prazer do jogo à volta da leitura dum livro são experiências sem fim concreto, mas sem as quais o desenvolvimento da criança não será o mesmo.”
Ou seja, o fim é o crescimento e, então, é necessário, ler para crescer 2.
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1. Os testes de maturidade para a leitura e escrita contêm uma prova deste tipo, onde os critérios de avaliação se baseiam no número de acções e minúcias que a criança é capaz de reproduzir.
2. Anne-Claire Thérizols, "Lire pour grandir", le cercle psy,  nº 23 , pag 46-49.

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