04/12/19

Educação especial e cidadania


Esta semana, no dia 3 de Dezembro de 2019, comemorou-se mais uma vez o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, sob o lema, “O futuro é acessível”, proposto pela ONU.
Entre nós o dia foi assinalado, em vários locais.
O Instituto Nacional para a Reabilitação - INR, comemorou este dia em parceria com a Câmara Municipal de Santarém, e contou com representantes do governo, município e instituições locais.*
Em Castelo Branco, foi comemorado pela Câmara Municipal, Agrupamentos de escolas e instituições ligadas à educação e apoio de pessoas com deficiência. **

Sabemos que estes dias são simbólicos e por isso parece que estamos a repetir os mesmos assuntos há anos e que não avançamos em concreto nas respostas às necessidades das pessoas com deficiência. Estas mudanças são lentas e faz sentido que este ritual anual seja realizado porque há muito para lembrar e para fazer.
O Secretário-geral da ONU, António Guterres, disse que “a inclusão de pessoas com deficiência é um direito humano fundamental.” Neste aspecto, concordo inteiramente com ele.

A comemoração deste dia começou a ser feita de um modo mais relevante em Castelo Branco na Escola Afonso de Paiva, ** graças à Equipa de Educação Especial que nesta escola tem tido um papel insubstituível no apoio às crianças com deficiências e com dificuldades de aprendizagem.
Em 2013, a acção de formação em que participei, justamente para comemorar este dia, foi dedicada ao tema “Unidos nas diferenças para a cidadania”, na sequência do apelo do Secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, “Quebrem barreiras, Abram portas: Por uma sociedade inclusiva para todos.”
Na sessão comemorativa  deste dia no Agrupamento de Escolas Afonso de Paiva apresentei o tema "Educação especial e cidadania".
Resumidamente, a cidadania diz respeito a todos. A cidadania envolve direitos civis, políticos, sociais económicos, culturais...
Em termos psicológicos costumo dizer que os direitos humanos são a realização das necessidades humanas, como, por exemplo, foram definidas por Maslow.

A cidadania é um principio universal de inclusão e não pode haver discriminação de ninguém.
A cidadania é um principio de legitimidade política, de construção identitária e de um conjunto de valores.
É por isso que ao mesmo tempo somos cidadãos nacionais, europeus e do mundo e, simultaneamente, a cidadania dá-nos um sentimento de pertença  a uma comunidade de valores. Valores esses consagrados nas diversas declarações e convenções de organismos internacionais como a ONU.
A Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência, de 2006, que, em Portugal, foi adoptada pela Resolução nº 56/2009, da Assembleia da República, refere, no que diz respeito à educação, que os "estados partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência à educação ... e asseguram um sistema de educação inclusiva a todos os níveis e uma aprendizagem ao longo da vida.”
Penso que já todos estamos convictos deste princípio. Porém, a nossa prática e a das instituições não são de forma a que sejam garantidos esses elementares direitos nas oportunidades, nos espaços e nas barreiras físicas e psicológicas, nas barreiras curriculares, nas barreiras profissionais e de emprego… direitos a que todas as pessoas, com ou sem deficiência, devem poder  aceder.
Basta dar uma volta pela nossas cidade e constatar como temos tratado as acessibilidades e a eliminação de barreiras arquitectónicas, para as pessoas com dificuldades de locomoção, nas ruas e passeios, nas habitações, nos transportes, onde não cabem cadeiras de rodas ou carrinhos de bebé … ou como os ratios de pessoal são insuficientes para trabalhar com as crianças nas escolas, quando se pretende um sistema unificado de ensino. ***
A inclusão é um processo. É feita todos os dias e a todo o momento. Não é para começar amanhã. É para fazer agora que é quando o futuro começa.
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* Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, da Secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, Ana Sofia Antunes, do Presidente do INR, Humberto Santos, e do Presidente da Câmara Municipal de Santarém, Ricardo Gonçalves. Evento apoiado pela APPACDM de Santarém e pela Associação de Desporto Especial do Distrito de Santarém.
** Este projecto passou a ser gerido pela autarquia albicastrense que refere "que esta data é assinalada em conjunto com os agrupamentos de escola do concelho". Assim, cada agrupamento escolar irá ter um momento próprio relacionado com a efeméride, juntando-se também instituições que cuidam de pessoas com deficiência."
*** David Rodrigues refere duas vias para os sistemas educativos: um sistema alternativo e um sistema unificado de ensino. São medidas opostas ou complementares? Dito de outra maneira: qual o papel das instituições face à escola, e vice-versa, qual o papel dos currículos alternativos face ao currículo geral?





https://www.mixcloud.com/RACAB/cr%C3%B3nica-de-opini%C3%A3o-de-carlos-teixeira-05-12-2019/?fbclid=IwAR3MV2HrNuoxRFSwC-ocBOScoBBT_YA6UllcZk2Z2k7wTT0vssLKLKh98rc




02/12/19

Psicologia da internet - o efeito de desinibição online

"Julgar que o computador serve para tudo é correr ao encontro de decepções e de catástrofes sem precedentes. Julgar que o computador não serve para nada, é renunciar a um arsenal de serviços a que nenhum observador de boa fé contestará o valor. O maior perigo para o homem será ceder ao seu temor pela máquina e começar a fugir, ao mesmo tempo, dos benefícios da tecnologia.”
“O desordenador é perigoso: tende a sobrevalorizar as estatísticas, as médias, as massas em detrimento do indivíduo e dos seus sentimentos. A felicidade não é codificável.”
“Em caso algum um computador poderia ser ridículo. Pelo contrário, em todos os casos, o homem torna-se ridículo quando destina uma máquina a fins ridículos.”
"O desencanto cresce mais depressa que o progresso. Após as delícias do possível, as brutalidades do real."
Continuam a  ser assim, as delícias e as brutalidades.

O computador trouxe enormes vantagens para a sociedade mas a evolução da comunicação digital é de tal modo avassaladora em todas as áreas da vida que, como seria de esperar, a mudança dos comportamentos das pessoas faz-se com dificuldades, desfasamentos e estão à vista os desequilíbrios de personalidade.
A internet cria uma "dinamização" da personalidade que leva as pessoas a inclinarem-se  para atitudes de maior risco e descontrolo calculado. O "efeito de desinibição online" define estas alterações  comportamentais. (C. Nabuco)
Passámos, assim, a ter uma vida offline e uma vida online. Vidas que coincidem ou que são completamente diferentes.
Alvin Toffler falava do homem modular. Conhecemos a pessoa apenas em alguns aspectos, alguns módulos, da sua vida. Conhecemos, p.ex., a pessoa no trabalho mas nada sabemos da sua vida familiar, das suas origens, das suas amizades e  intimidades...
Agora podemos acrescentar que nada conhecemos da sua vida online mesmo quando se trata dos nossos filhos ou pais, nossos familiares, amigos ou colegas de trabalho.

Então qual é a nossa realidade? A vida online será mais real do que a vida offline? Os perfis falsos, os sites e blogues com identidades falsas serão afinal mais verdadeiros relativamente à nossa personalidade? Acontece que  na vida online   a pessoa apresenta dimensões da sua personalidade que não suspeitávamos que existissem. É muitas vezes na vida online que nos surpreendemos com os gostos, os ódios, as ideias de uma pessoa   que manifestam o módulo mais profundo da sua realidade pessoal e de relação com os outros.

Como compreender então os perfis falsos criados para esconder uma identidade falsa ou até usurpação de identidade ?
"Até setembro deste ano (2019), o Facebook fechou mais de 5,4 mil milhões de contas falsas criadas na rede social, um aumento de mais de 2 mil milhões de utilizadores face aos números do ano passado. De janeiro a dezembro de 2018 a empresa removeu da sua plataforma principal 3,3 mil milhões de utilizadores falsos, o que representa um aumento de 157%." (Record)
É que na nossa vida online (C. Nabuco)  temos a “falsa percepção de que somos anónimos e não há limites ou regras associadas ao comportamento online.
É um processo de "desindividualização", ou seja, “um estado de dissipação da identidade real e que favorece o aparecimento de maior grau de insubordinação, agressividade e sexualidade exacerbada, se comparado ao que ocorre na vida concreta.” Portanto, o "efeito de desinibição online" desconstrói os ambientes formais e mais rígidos da realidade concreta… tornando as pessoas mais condescendentes e altamente plásticas em relação às transgressões”, passando a ter uma "personalidade eletrónica" (e-personality). (C. Nabuco)
A internet é um instrumento de informação e liberdade mas também de manipulação e  marketing, de propaganda e de ódio, que influencia a nossa vida  e inferniza a de muitas pessoas. A internet veio revelar varáveis da nossas personalidade. Veio mostrar a força da Sombra, de Jung,  arquétipo que revela o lado escuro da nosso psiquismo, ou a força do nosso inconsciente, como dizia Freud. São estas forças que mostram o que na realidade somos e que  determinam muitos dos nossos comportamentos.




https://www.record.pt/fora-de-campo/detalhe/facebook-fechou-54-mil-milhoes-de-contas-falsas-ate-setembro

22/11/19

Medos bons e medos maus - a fobia de impulsão



De uma maneira ou de outra, todos conhecemos e somos afectados pela ansiedade e pelo medo em diferentes graus, circunstâncias e diferenças intra e interpessoais.
O medo é uma resposta emocional do organismo a uma situação de ameaça que podemos sentir e assim é uma resposta protectora do equilíbrio psicológico.
O medo dirige-se a algo concreto, a algo exterior, entra dentro do possível. A ansiedade á algo mais indefinido, é mais interior do que exterior, responde a uma ameaça vaga, algo mau que nos pode acontecer, ou fazer perder o controlo...
Mas há ansiedade normal e patológica. Há ansiedades que são características do desenvolvimento como os medos sociais próprios da adolescência  que desaparecem normalmente com a idade. Porém nos fóbicos esses medos mantêm-se.

Há fobias em relação a tudo, algumas que podemos achar ridículas, como o medo de baratas, de osgas… que, ainda assim, merecem ser levadas em conta particularmente quando descontrolam o comportamento.
Mesmo quando um determinado objecto fóbico não o seja para a maioria das crianças, temos que ter em conta que há crianças que têm medo, por exemplo, de animais, como cães ou gatos, e mesmo do pai natal.
Os pais devem ter sensibilidade para compreender cada situação e não reforçar essa fobia pela persistência em confrontar a criança com esses objectos ou situações.

Em geral, devemos estar atentos a sinais como:
- Sentir medo exagerado em relação a uma situação de pouco ou nenhum perigo real;
- Ficar descontrolado perante determinadas situações ou objetos;
- Evitar situações da vida ou determinados objectos impedindo a pessoa de um comportamento normal, ex. medo de andar de elevador;
- Sentir reacções físicas como sudorese, taquicardia, dificuldade para respirar perante algumas situações ou objetos…

Quase todas as pessoas (80%) têm pensamentos intrusivos e desagradáveis durante a vida mas a maioria de nós interpreta-os como sendo sem gravidade e não ligamos.
Pode não acontecer o mesmo com a fobia de impulsão que consiste na obsessão de fazer mal a alguém, familiares, a si próprio, ter medo extremo de insultar, agredir, ter ideias assassinas, perder o controlo e seguir os seus impulsos, o que atormenta alguns pacientes ...
Há factores que desencadeiam esta situação: uma mudança de vida, traumatismos ou factores de stress.
As fobias de impulsão variam em função do contexto socio-cultural e do que é admitido ou proibido numa sociedade. É expectável que actualmente as temáticas pedófilas sejam mais frequentes.

Perante esta perturbação, é possível sabermos qual o risco, qual a possibilidade de passagem ao acto ?
Na fobia de impulsão estas ideias podem ser consideradas egodistónicas, isto é, contrárias ao que a pessoa deseja, que é controlar o pensamento.
No caso de um paciente que apresenta risco de passagem ao acto o pensamento violento é considerado em ligação com a procura de prazer. Os pensamentos de agressão ou sexuais são, então, egossintónicos, isto é, de acordo com o que a pessoa pensa. Eles serão vividos como agradáveis e a pessoa minimiza as consequências do seus acto.
Na história desta pessoa poderemos encontrar antecedentes de passagem ao acto e esforços de planeamento do mesmo.
Em todo o caso, a dificuldade está sempre em fazer o diagnóstico acertado.
As estatísticas * indicam-nos que as perturbações obsessivo-compulsivas (POC) ** correspondem a 2% dos adultos, sendo as fobias de impulsão um quarto destes casos.
Como em qualquer doença psicológica, a fobia de impulsão provoca uma significativa diminuição da qualidade de vida do paciente.

Sempre que sinta que está a viver situações deste tipo deve procurar ajuda psicológica. Para além da ajuda, se necessário, de medicação adequada, sabemos que as terapias cognitivo-comportamentais são eficazes. ***

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* Clément Guillet, "Phobies d' impulsion: la hantise de faire du mal", le cercle psy, pgs 54 e 55.
** Em Portugal, "disorder" foi traduzido por "transtorno" mas substituído por "perturbação", após o DSM IV.
*** Como sempre, na internet encontra diversos artigos sobre o assunto, por ex.: Fobia de impulsão: o que é e como tratar; Fobia social, por John W. Barnhill ... No entanto, a ajuda especializada não pode nem deve ser negligenciada.




https://www.mixcloud.com/RACAB/cr%C3%B3nica-de-opini%C3%A3o-de-carlos-teixeira-21-11-2019/